“Estranhamos tanta perseguição contra nós”

Entrevista concedida por correio eletrônico por João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST, à repórter Cynara Menezes, da revista Carta Capital. A entrevista foi publicada editada na edição desta semana da revista. Abaixo, a versão integral das respostas.

1. Como o sr. avalia a ação do MST na fazenda Cutrale? Foi um desastre ou um sucesso?

Entrevista concedida por correio eletrônico por João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST, à repórter Cynara Menezes, da revista Carta Capital. A entrevista foi publicada editada na edição desta semana da revista. Abaixo, a versão integral das respostas.

1. Como o sr. avalia a ação do MST na fazenda Cutrale? Foi um desastre ou um sucesso?

A Cutrale comprou de um grileiro uma área que pertence à União. Havia um processo do Incra de reintegração de posse na Justiça, que ainda está em julgamento. Há na região mais de 200 mil hectares grilados por empresas, algumas das elites paulistanas. O Incra já recuperou cerca de 20 mil hectares fez assentamentos. Os companheiros de São Paulo ocuparam a fazenda para denunciar e acelerar a resolução dessa situação. A destruição dos pés de laranja foi um erro. Porque isso deu margem para que o serviço de inteligência da PM, articulado com a Globo, se demonizasse o MST. Depois que a Cutrale começou a monopolizar o comércio de laranjas em São Paulo, milhares de pequenos e médios agricultores tiveram que destruir de 1996 a 2006 cerca de 280 mil hectares de laranjais no estado. Mas a Globo e o helicóptero da PM não se importaram. Quanto às imagens de depredação e furto, é mentira! As famílias não fizeram nada daquilo. Foi uma armação entre a Policia e Cutrale depois da saída das famílias. Em seguida, chamaram a imprensa. Desafiamos organizarem uma comissão independente para investigar quem desmontou os tratores e quem entrou nas casas dos empregados.

2. O MST fala que não faz parte dos procedimentos do movimento a depredação de patrimônio, mas há três semanas depredou o prédio do INCRA em Porto Alegre… Como isso se explica?

Somos contra esse tipo de prática. E só ocorre quando tem infiltração ou é feito pelos serviços de inteligência. Ou por desespero. Lá em Porto Alegre aconteceu a mesma coisa. Os ocupantes saíram do prédio e limparam as instalações. Concentraram-se no pátio para fazer uma Assembléia. Nesse período, o serviço de inteligência da Brigada Militar fez o serviço de depredar as salas. Aí chamaram a imprensa. Chegaram a roubar um caderno de um militante, com anotações pessoais e depois entregaram para Zero Hora. A Brigada militar tem uma tradição de infiltração no movimento, que vem desde a Encruzilhada Natalino, reconhecido pelo próprio coronel Cerutti, hoje aposentado, que se orgulha de ter se infiltrado naquele acampamento.

3. O sr. não acha que, após enterrar uma tentativa de CPI há poucos dias, a ação na Cutrale não aconteceu em um momento no mínimo inconveniente para o movimento?

Os ruralistas e os que são contra a Reforma Agrária manipulariam qualquer atividade que o MST fizesse para tentar ressuscitar a CPI. Tanto é que as imagens foram gravadas pela PM uma semana antes de ir para o ar. Somente utilizaram quando havia um clima político. A CPI está na verdade no centro da disputa entre dois modelos para agricultura. E está sendo utilizada pelos reacionários ruralistas para conturbar o cenário eleitoral. Eles esperam com a CPI constranger o governo e condicionar as próximas candidaturas a não apoiar a Reforma Agrária. O deputado Caiado foi claro quando disse que o objetivo da CPI era impedir que o governo repassasse dinheiro para o MST fazer campanha para Dilma. Essa afirmação seria ridícula se não partisse de mente tão insana, que durante anos organizou a UDR para esparramar a violência no campo, em nome da defesa da propriedade e da tradição.

4. O Sr. não acha que ações como essa desfavorecem a imagem do MST?

As manipulações que são feitas pelas televisões e grandes jornais claro que afetam a imagem do Movimento. E é justamente esse o objetivo deles: tentar desmoralizar os que lutam por mudanças sociais e pela Reforma Agrária. Eles usam a imprensa para manter seus privilégios, manter a concentração da propriedade e o atual status quo. Não é por nada que, embora o Brasil seja a 9ª economia do mundo em produção de riquezas, está em 75º lugar em indicadores de condições de vida da população. É a 7ª pior sociedade em desigualdade social. Esse é o papel de uma imprensa também concentrada em sete grupos. Eles sabem que, para uma sociedade ser democrática, é necessário democratizar a terra, os meios de comunicação e o Poder Judiciário. Por isso, nos atacam tanto, assim como atacam todos que fizeram e fazem luta social no Brasil.

5. Quem apóia o MST hoje? Me parece que o movimento está com pouco suporte na sociedade atualmente, não?

O MST tem um amplo apoio dos trabalhadores e da imensa maioria da população brasileira. Tem apoio da intelectualidade esclarecida e das igrejas. Acabam de fazer um manifesto com mais de 3 mil personalidades, juristas e intelectuais em nosso apoio. A mídia e os 5% mais ricos nos odeiam. Mas isso é natural, faz parte do seu poder.

6. Quantas famílias de acampados ainda há no país?

Há em torno de 100 mil famílias acampadas em todo o país. Algumas há mais de seis anos, como essas que ocuparam a Cutrale.

7. O MST teme uma CPI ou não há o que esconder?

O MST não teme a CPI. Mas estranhamos tanta perseguição contra nós. Depois que o Lula chegou ao governo, já fizeram duas CPIs que nos investigaram. E nada comprovaram. Por que não fazem uma CPI para analisar os mais de R$ 200 milhões recebidos, por exemplo, pela entidade Alfabetização Solidária dos tucanos? Por que não fazem uma CPI para ver aonde foi R$ 1 bilhão que as entidades patronais dos latifundiários receberam nos últimos anos. Por que não analisam como são gastas as verbas publicitárias dos governos estaduais? Por que não fazem CPI para analisar as causas dos verdadeiros problemas do povo, como a violência nas cidades, a falta de escola, o baixo nível do ensino, o déficit de 10 milhões de moradias, a falta de emprego, as contas em paraísos fiscais das empresas. Por que não analisam os efeitos perversos da Lei Kandir para os estados produtores primários?