Reflexões sobre o Censo

Marcos A. Pedlowski*

Marcos A. Pedlowski*

Em meio às festividades da vitória do Rio de Janeiro para sediar os Jogos Olímpicos de 2016, algumas notícias ficaram num segundo plano, justamente num momento em que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) liberou os resultados de diversos estudos que tem realizado sobre a estrutura econômica, produtiva e educacional do Brasil. Em geral, as notícias não são nada animadoras, especialmente na área da educação, onde apareceu um resultado para lá de preocupante: em média, apenas 40% dos estudantes do ensino médio estão concluindo com sucesso seus estudos. Apenas este dado já deveria mostrar a Lula e Cabral que é preciso muito mais do que uma campanha publicitária de 100 milhões de reais para termos algo além de uma orgia de obras caras na parte mais rica da cidade do Rio de Janeiro para que não venhamos a pagar um tremendo mico quando 2016 finalmente chegar.

Mas, um estudo do IBGE em particular deveria merecer um olhar bem mais cuidadoso dos nossos governantes, especialmente aqueles alojados no governo federal: o Censo Agropecuário 2006. Dentre os principais resultados não há nada exatamente novo em relação aos anteriores, o que não significa que não estejamos diante de problemas sérios. Vejamos o resultado referente ao Coeficiente de Gini, um dado que mede a situação da distribuição da propriedade da terra. Em uma situação de distribuição ideal, o valor deste coeficiente seria 0, enquanto num cenário de desigualdade total, o valor seria 1. Pois bem, o resultado obtido para 2006 foi de 0, 872, o que nos leva a uma condição de concentração extremamente alta da propriedade da terra, e numa tendência de piora em relação ao que havia no passado. Se olharmos para as causas deste aumento da concentração da propriedade, encontraremos o favorecimento proporcional que o Estado brasileiro tem historicamente oferecido simultaneamente ao latifúndio, ao avanço dos pacotes tecnológicos da Revolução Verde e ao uso das exportações agrícolas para ancorar a balança comercial brasileira.

Os defensores do latifúndio sempre esquecem (rebatizado de agronegócio) de mencionar que o aumento da concentração da terra vem acompanhado de uma série de mazelas que misturam o aumento da degradação ambiental, aumento da desigualdade econômica, e encarecimento da cesta básica dos brasileiros. Além disso, como já tem se observado em várias instâncias em que os camponeses brasileiros procuram reverter este padrão perversamente desigual, não apenas há um tratamento violento por parte do Estado, como a agricultura familiar é submetida a um torniquete financeiro que anualmente expulsa milhares de famílias do campo.

Mas o que causa espanto mesmo é a análise dos dados sobre a produtividade de grandes e pequenas propriedades, o tipo de cultura que cultivam e para onde a produção é destinada. Não chega a ser nenhuma novidade que nos grandes latifúndios se concentram culturas voltadas para a exportação como é o caso da soja, do algodão e da cana, enquanto que nas propriedades familiares estão concentradas culturas como mandioca e feijão, cujo destino final é a nossa mesa. Mas é preciso destacar que mesmo em culturas que historicamente estão voltadas para a exportação, como no caso do café, o peso da agricultura familiar é muito relevante. Tomados em conjunto, estes dados tornam ainda mais incompreensível que estejamos permitindo o encurtamento da área territorial ocupada pela agricultura familiar, que hoje está reduzida a 24% do total das terras agrícolas. Como meu finado pai sempre dizia, quando cruzava os plantios de eucalipto e pinus que a Klabin do Paraná colocou sobre terras férteis onde antes eram plantados alimentos, podemos estar caminhando para um futuro onde não teremos o que comer.

A falta de alimentos para o consumo humano parece ser apenas uma faceta da expansão desenfreada do agronegócio. Se olharmos para as conseqüências na área dos direitos trabalhistas, veremos que o agronegócio se tornou o principal celeiro de graves violações dos direitos humanos, como nos repetidos casos de trabalho escravo que foram identificados aqui mesmo no município de Campos. Mas o trabalho escravo não é a única mazela com que os trabalhadores rurais precisam se defrontar, pois o trabalho nas diferentes monoculturas existentes no Brasil pode ser também mortal. Pelo menos é isto que se depreende do caso da trabalhadora Cristina Fernandes dos Santos, 49 anos, que no dia 29 de setembro morreu queimada na Fazenda Feliz Terra Agrícola, localizada no distrito de Goitacazes, quando cortava cana, imediatamente após o procedimento de atear fogo no canavial para acelerar a colheita.

Como no inicio de novembro deveremos ser visitados pelo ministro dos Direitos Humanos, o Sr. Paulo Vanucchi, que virá aqui presidir uma reunião da Comissão Nacional Para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE) é provável que tenhamos uma chance única de realizar uma séria discussão sobre o modelo de agricultura que nos interessa e do tipo de sociedade que queremos. E aqui não há como escapar: queremos mais latifúndio agro-exportador ou mais agricultura familiar que produz os alimentos que chegam às nossas mesas para apaziguar a nossa fome? Queremos mais violência ou mais paz no campo?

Professor/Universidade Estadual do Norte Fluminense