Comissão de Anistia julga hoje Paulo Freire
Após 12 anos de sua morte, o pensador brasileiro precursor dos métodos de educação popular, Paulo Freire, será finalmente julgado e anistiado nesta quinta-feira (26/11). Na passagem do Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica em Brasília, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, composta por dezoito conselheiros da sociedade civil, salda uma dívida histórica do Estado brasileiro com todos aqueles que, através dos ensinamentos de Freire, tiveram a oportunidade de transformarem sua própria realidade.
Paulo Freire é filho do Estado de Pernambuco, onde nasceu em 1921. Foi pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde desenvolveu a partir da concepção dialógica de Universidade, princípios e diretrizes para uma educação popular libertadora. Freire propunha uma imersão da Universidade em seus entornos sociais, um diálogo determinante para a construção do conhecimento emancipador. Ainda hoje, seu pensamento é reivindicado como pilar para as mudanças numa Academia ocupada pela lógica neoliberal.
Com a Ditadura Militar em 1964, nosso professor foi um dos primeiros a ter sua prisão decretada. Em janeiro do mesmo ano, antes do Golpe, Freire havia participado da formulação de um programa nacional de alfabetização, o que certamente intimidava os golpistas. Poucos meses de prisão e um longo exílio no exterior marcaram a vida de Paulo. Foi durante esses anos que pôde escrever algumas de suas principais obras, como Pedagogia do Oprimido. Após 24 anos de exílio, tendo ensinado na Universidade de Havard e colaborado em Organismos Internacionais, em 1980, Freire retornou ao Brasil. Entretanto, seu status de condenado ao crime de “tentativa de mudança do estado político estabelecido na constituição” permaneceu intacto até hoje.
Educação Popular para a Liberdade
O modelo de educação adotado pelo Estado tem intrínseca relação com o modelo de sociedade que este regime implementa. Os programas de educação popular que vemos desde Paulo Freire partem da crítica ao mundo, suas condições objetivas, para entendê-lo e transformá-lo. A leitura das palavras somente emancipa o sujeito, quando acompanhada pela leitura do mundo e de sua condição para alterá-lo. Fazendo oposição ao modelo “bancário” de educação, em que o mestre apenas “deposita” seus conhecimentos para alunos (entes sem luz), os métodos de educação popular introduzidos por Paulo Freire legam ao sujeito educando-educador a possibilidade de chegar a uma crítica da sociedade a partir de seus conhecimentos populares e de vida.
A prática se antecipa à teoria na construção do conhecimento. Essa hierarquia entre conhecimento teórico (ligado às elites universitárias) e conhecimento prático (vivido pelo povo em sua resistência diária) é eliminada na prática da educação popular para libertação. Esse legado de um pensamento do povo para o povo foi reivindicado pelos movimentos sociais no Brasil, América Latina e África, ensaiando com a inteligência popular a prática de um poder alternativo, coletivo, emancipatório.
Temos muito a correr contra o tempo para ressignificar a memória social que ainda conta na ótica dos opressores os dias de luta contra um Regime repressor, violento. A Anistia a esse pensador brasileiro representa um pedido de desculpa do Estado brasileiro não somente a família Freire, mas a todos aqueles que ainda hoje sofrem com a incapacidade de ler sua Língua e seu mundo. Com esse perdão, uma memória dos Trabalhadores tem chances de se desenhar a partir de agora, nas mãos e pelas consciências de uma classe que reage a seus opressores e propõe um novo horizonte para todos.
Caravana da Anistia
Instituída em 2001, a Comissão de Anistia tem por objetivo principal apreciar os requerimentos de anistia de pessoas que foram vítimas de perseguição exclusivamente política no período entre 18 de setembro de 1946 a 05 de outubro de 1988, conforme regulamentação da Lei 10.559/2002. A Comissão promove semanalmente o julgamento de requerimentos de anistia política de pessoas que alegam terem sofrido perseguições políticas durante o período de repressão ditatorial no Brasil e, por conseqüência, graves violações dos direitos humanos. Atualmente, dezoito Conselheiros, membros da sociedade civil, nomeados pelo ministro de Estado da Justiça, julgam voluntariamente os mais de 63 mil processos protocolados na Comissão de Anistia.
Além do caráter indenizatório, o trabalho da Comissão atua para que a reparação seja simbólica, histórica e moral. A partir do ano de 2007, para além da tarefa constitucional de reparação aos danos impostos pelo Estado aos perseguidos políticos, a Comissão de Anistia tem-se dedicado ao trabalho de difusão, disseminação e promoção dos direitos humanos e da democracia, a partir da implementação de políticas públicas, com vistas a consolidar o tripé fundamental que compõe o processo de justiça de transição, a saber, a justiça, a reparação e a verdade.
Com a colaboração da Rede de Educação Cidadã