O mandato da Rosi
Por Renato Simões
Rosi é a vereadora Rosimeire Pan D’Arco de Almeida Serpa. Exerce seu segundo mandato na Câmara Municipal de Iaras, município de cerca de 3 mil habitantes localizado na região central do Estado de São Paulo, a uns 100 km de Bauru. Criado em janeiro de 1990, portanto uma cidade jovem de apenas 20 anos de idade, Iaras é palco, desde 1995, de um dos maiores conflitos agrários do estado de São Paulo. É lá que, neste momento, trava-se a batalha pelo mandato da companheira Rosi, do PT. E do MST…
Conheci Iaras pela ação do MST. Foi a primeira ocupação de terras de que participei na qualidade de deputado estadual, em 1995. Conheci Iaras, portanto, em sua infância, com apenas cinco anos de idade, e dela não me separei nestes anos. Como presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa e como coordenador da Frente Parlamentar Estadual pela Reforma Agrária, fui tantas vezes a Iaras que perdi a conta. Ali, desde os primórdios da primeira ocupação de terras, verifica-se um caso exemplar da criminalização dos movimentos sociais, em especial agrários, que marca a “redemocratização” do país.
Rosi é uma das assentadas pelo Incra em terras públicas de Iaras, pertencente à União e arrecadadas para reforma agrária pela Justiça Federal ainda no governo FHC. Iaras é o epicentro de um terremoto agrário causado por essa ocupação pioneira.
Originalmente, seu território está em pleno Núcleo Colonial Monção, um projeto de colonização desencadeado pelo governo federal há exatos 100 anos. Nos idos de 1909, 1910, o governo federal adjudicou terras de inúmeras fazendas daquela região, com o objetivo de desenvolver o interior do estado de São Paulo com pequenas propriedades de colonos. Essas fazendas foram, portanto, transformadas em propriedade da União, e perfazem uma área de – pasmem! – mais de 50 mil hectares de terra. Hoje, terras federais, em território maior que o famoso Pontal do
Paranapanema, palco das lutas históricas do MST e outros movimentos agrários por terras devolutas do governo do Estado de São Paulo desde os anos 1990.
Os projetos de colonização, infelizmente, nunca se efetivaram. O centenário Núcleo Colonial Monção foi sendo, no começo do século 20, rateado entre fazendeiros e, mais recentemente, empresas rurais,que, com base em títulos falsos, usurparam ao longo de décadas patrimônio público da União destinado à reforma agrária. Entre essas terras, encontram-se as terras da fazenda Capivara, onde Rosi e sua família estão assentadas. E também as terras da antiga fazenda Turvinho, grilada pela Cutrale, em cuja área origina-se a fazenda Santo Henrique, de cuja ocupação Rosi é acusada de participar.
A vereadora Rosi, do PT, em função de acusações absolutamente falsas, foi presa juntamente com lideranças do MST regional. Libertada para responder as acusações em liberdade, enfrenta agora Comissão Processante instalada na Câmara Municipal de Iaras, por quebra de decoro parlamentar. Seu crime? Ter comparecido, como dezenas de parlamentares do PT de todo o país, a uma ocupação de terras. Suas testemunhas de acusação, já ouvidas, entre muitas contradições, afirmaram tê-la visto dentro de um carro no dia da ocupação, em local próximo à fazenda. Por isso, pedem novamente sua cassação. Novamente? Sim, não é a primeira tentativa de cassação da vereadora Rosi, pedra no sapato das elites e da administração municipal local dentro do Legislativo de Iaras.
O Incra, desde o início do governo Lula, intensificou as ações judiciais para retirar das áreas do antigo Núcleo Colonial Monção todas as empresas e fazendeiros que ocupam irregularmente aquelas terras. Já conseguiu vitórias importantes, por decisão judicial ou por negociação.
Diferentemente da Cutrale, uma das famosas grileiras que sustentam a luta contra os sem-terra, a Lwarcel Papel e Celulose entregou já ao Incra, em acordo judicial, 2.600 hectares de terra para
assentamentos, e o próprio Governo do Estado de São Paulo também já reconheceu a propriedade da União sobre as terras que ocupava, mais de 2.300 hectares. São favas contadas, depois de todos os obstáculos colocados pela má vontade de setores do Poder Judiciário e Prefeituras da região, a arrecadação dessas terras pela União.
A ação dos sem-terra foi a grande responsável por jogar luz sobre o esbulho promovido contra a União, portanto, contra o povo brasileiro, através da grilagem do Núcleo Colonial Monção. Ao custo da criminalização de seus dirigentes, e também de seus apoiadores, como a vereadora Rosi e o presidente do PT de Iaras, Edilson Grangeiro Xavier.
Contra os interesses populares, a Cutrale movimentou o governo do Estado de São Paulo e seu aparato policial, o Ministério Público, o Poder Judiciário, toda a grande mídia privada, uma “respeitável” bancada de 55 deputados federais que receberam contribuições da empresa para suas campanhas – quatro dos quais integrantes da CPI do MST – e, agora também, a maioria dos vereadores da Câmara Municipal de Iaras que quer cassar o mandato da companheira Rosi.
A Secretaria Nacional de Movimentos Populares e Políticas Setoriais do PT lançou um chamado nacional aos vereadores e vereadoras do PT para que manifestem, através de moções nas suas Câmaras Municipais, seu apoio e sua defesa do mandato da vereadora Rosi. Para nós, do PT, a origem e a relação fraterna do PT com os movimentos sociais deve ser cláusula pétrea.
Solidariedade não vai faltar em defesa dos defensores e das defensoras de direitos humanos do povo sem-terra. E ação política para efetivar a reforma agrária neste grande pedaço do chão brasileiro hoje usurpado por grupos econômicos privados, e que pela ação do governo federal começam a retornar a seus verdadeiros donos e donas, o povo brasileiro.
RENATO SIMÕES é Secretário Nacional de Movimentos Populares e Políticas Setoriais do PT.