“Reforma agrária exige vontade política do governo e lutas dos movimentos sociais”
Por Vanessa Ramos
Da Página do MST
Leia a íntegra da entrevista com Jaime Amorim, da coordenação nacional do MST.
Como você avalia a eleição de Dilma Rousseff para a presidência da República?
Inicialmente, para a gente do Movimento Sem Terra, a conjuntura continua a mesma. Não haverá grande alteração na correlação de forças. A derrota de Dilma, sim, mudaria a correlação de forças. Por isso que o Movimento se integrou nessa grande campanha da militância a nível nacional para garantir, em primeiro lugar, a derrota do grupo de Serra, que representaria uma derrota muito grande para a militância e aos grupos de esquerda.
Mas, a vitória de Dilma mostra apenas que o Brasil tem uma militância disposta a lutar e a defender os direitos conquistados, disposta a continuar a luta pela democracia e a luta efetiva pela mudança da sociedade.
Agora, no que diz diretamente respeito à Reforma Agrária, vamos aguardar para ver como é que se compõe o governo e continuar a luta. A nossa tarefa é massificar a luta pela Reforma Agrária, mobilizar permanentemente a nossa base para que, a partir da pressão dos trabalhadores e do povo, possa existir alteração.
Como será a relação do MST com o governo de Dilma Rousseff?
Nós sempre trabalhamos a ideia do Movimento ter autonomia sobre todos os aspectos, mesmo quando nós apoiamos um candidato a prefeito, que vence as eleições, ou a nível estadual, como também a nível nacional. Mesmo que o Movimento participe do processo eleitoral – como foi agora -, nós mantemos autonomia.
Então, nossa relação é de continuar mobilizando trabalhadores, pressionando, fazendo as negociações. Governo é governo e nós somos um movimento social e temos uma pauta de reivindicação e uma agenda de luta e de mudança do ponto de vista, especificamente, da operação da propriedade da terra no Brasil.
Nós manteremos o nosso princípio da autonomia, sendo que, é claro, há uma expectativa de que haja uma relação diferente, principalmente no processo de estruturação do Incra. Vamos propor novas metas para a Reforma Agrária, afinal de contas, há um entendimento de que ouve uma participação efetiva de todos que lutam pela Reforma Agrária, de todos que fizeram esse processo. Isso, efetivamente, conta na hora de apresentarmos uma pauta de negociação, apresentar as reivindicações e, principalmente, nas mesas de negociações. Isso deve ser levado em consideração.
O que pode se esperar da presidenta eleita? O MST pretende entregar alguma plataforma ao novo governo?
Nós não somos um Movimento isolado. Nós fazemos parte de um conjunto de movimentos, como a Via Campesina, e lutamos pela Reforma Agrária e por mudanças no campo no Brasil no conjunto. O MST vai apresentar, especificamente, pautas, reivindicações que diz respeito às duas coisas: alteração da estrutura agrária e da propriedade da terra.
São coisas que nós já tínhamos discutido há muito tempo, que é a mudança ou alteração dos índices de produtividade. Agora, vamos apresentar também a necessidade de delimitação do tamanho máximo da propriedade, que o governo estruture o órgão que vai fazer a Reforma Agrária, a partir das metas determinadas para que possa ser cumprido e que, principalmente, em relação a desapropriação.
O governo tem que desapropriar terra pelo não cumprimento da função social e tem que ter uma determinação política. Nós vamos apresentar isso para o governo, para que façam alteração no marco da sociedade da terra e determinar metas a ser cumpridas nesses quatro anos e, ao mesmo tempo, a pauta voltada para questão do modelo de desenvolvimento.
O país não consegue mais sobreviver com esse modelo agroexportador que vem cada vez mais destruindo as riquezas naturais, o solo e degradando toda a nossa riqueza. É necessário que haja uma alteração no modelo de desenvolvimento e a agroecologia, como base dos modelos de desenvolvimento.
Para isso, é claro, que vamos continuar fazer o que sempre fazemos: apresentar demanda do ponto de vista da assistência técnica, de um crédito específico para a Reforma Agrária e para a mudança da matriz tecnológica.
Vamos apresentar demanda do ponto de vista da pesquisa, enfim, vamos apresentar efetivamente uma pauta de reivindicação e propostas concretas, tanto do ponto de vista da estruturação da Reforma Agrária como do ponto de vista do modelo de desenvolvimento.
Quando as pautas serão apresentadas?
Nós não pré-definimos nada ainda, vamos conversando no processo. Vamos ver se efetivamente é melhor apresentarmos a pauta antes da Dilma assumir o governo, durante o processo de montagem do novo ministério, na transição, ou se é conveniente apresentarmos depois, quando ela já estiver como presidenta da República.
Esperamos ainda que o próprio governo Lula possa tomar algumas decisões, algumas medidas antes de sair, principalmente uma que é o compromisso dele de muito tempo com todos os movimentos e a sociedade: a atualização dos índices de produtividade. Isso é claro, joga uma responsabilidade maior para frente, porque propõe que o governo Lula tome essa medida. O governo de Dilma deve propor metas mais avançadas tanto do ponto de vista da desapropriação quanto também na alteração do modelo de desenvolvimento.
Quais questões emergenciais devem ser tratadas pelo próximo governo?
Ela tem o compromisso, primeiro, de fazer mudanças rapidamente nos índices de produtividade. Se o governo Lula não fizer, embora eu ache que vai fazer nesse processo de transição, ela tem a tarefa imediata de resolver essas questões, que enterram qualquer processo de desapropriação. A segunda medida é o que nós chamamos de “entulho autoritário”. É remover aquelas veias que enterram a desapropriação de terras, principalmente que enterram a desapropriação das terras ocupadas. E deve haver alteração rápida nos procedimentos de aplicação dos créditos feitos pelo Incra.
Você acha que o governo de Dilma dará condições de avançar a Reforma Agrária?
Isso depende de algumas condições. Primeiro, depende de duas condições especificamente. Uma delas é vontade política deles, do PT e do governo entender que a Reforma Agrária é importante para o desenvolvimento do país, como o projeto do desenvolvimento. A segunda é da nossa capacidade de movimentação, de organização, enfim, essas duas coisas são fundamentais. Eu acho que nós saímos de um período grande de desmobilização da luta pela Reforma Agrária, da luta do trabalhador no Brasil. Eu acho que essa eleição foi um novo ânimo para a militância. Eu acho que a militância deve se manter organizada e cobrando e propondo.
Você acha que se a Dilma fizer apenas Reforma Agrária será suficiente para resolver os problemas do campo?
Entendemos a Reforma Agrária como um conjunto de medidas. Se ela fizer só desapropriação, não será suficiente. Mas, se ela entender Reforma Agrária como um conjunto de medidas, alterar a estrutura agrária no país e, ao mesmo tempo, alterar o modelo de desenvolvimento, eu creio que sim. Ela não só é suficiente como efetivamente é a bandeira de luta principal da classe trabalhadora hoje no Brasil.
A questão da Reforma Agrária, que diz respeito a democratização da terra, a resolver o problema da grande concentração da terra, a resolver o problema da estrutura e da infraestrutura no campo (do ponto de vista da educação, saúde, estrada, energia, água), enfim, a Reforma Agrária traz no bojo esse conjunto de coisas.
Ao mesmo tempo, assistência técnica, pesquisa, garantia de preço, garantia de comercialização, garantia de estoque da produção agrícola, enfim. A Reforma Agrária, quando nós falamos, esse é o sonho da classe trabalhadora, esse é o sonho do Movimento Sem Terra, por isso que nós lutamos.
Em uma coletiva de imprensa, Dilma afirmou que é necessário fazer uma revolução no campo. O que você pensa sobre essa declaração?
É isso que nós queremos que ela tenha como sentimento. Fazer revolução no campo é enfrentar o latifúndio atrasado, enfrentar a monocultura e enfrentar o agronegócio e resolver, definitivamente, os entraves que há muito tempo atrapalham o processo de desenvolvimento no interior do país. É como diria os mais teóricos, remover os resquícios e sobra do feudalismo no Brasil.
Esses resquícios do feudalismo no Brasil têm que ser removidos e, ao mesmo tempo, deve ser proposto um novo modelo de desenvolvimento baseado na produção de alimentos, da pequena propriedade, baseado em uma matriz tecnológica menos perversa. Isso é fazer uma revolução agrária. Se ela estiver disposta a fazer essa revolução no campo, nós seremos parceiros e estaremos com ela.
Como você avalia o quadro atual da agricultura brasileira?
O modelo adotado nos últimos anos, eu diria, tanto no governo Fernando Henrique Cardoso, como também durante o governo Lula, é um modelo histórico da agricultura agroexportadora, que privilegiou o crédito, que privilegiou o custeio, a infraestrutura para o grande negócio da agricultura. E isso, sem os pequenos agricultores. Nós passamos praticamente oito anos sem grandes desapropriações de terras, temos bastantes pequenos agricultores em situação de inadimplência. Nós temos uma situação muito difícil. Há uma expectativa, há uma esperança de que essa situação se altere. E a alteração para nós seria muito importante, inclusive, para a sobrevida dos pequenos agricultores no Brasil.
Como você avalia a atuação da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e quais são suas expectativas em relação à companhia no próximo governo?
A Conab foi um dos principais órgãos estruturados durante o governo Lula. Dos 235 armazéns que existiam no início do governo Fernando Henrique Cardoso, quando o Lula assumiu só tinha 25. Desses, 18 ainda estavam sendo privatizados. O governo Lula pegou a Conab totalmente desestruturada, praticamente inexistia.
Hoje a Conab é um instrumento importante para a comercialização e para a questão de equilíbrio de preço, para equilíbrio de estoque. Nós apostamos efetivamente que a Conab seja estruturada, fortalecida com mais crédito, fortalecendo o Programa de Aquisição de Alimentos, que é a principal política utilizada hoje pela Conab, como um órgão efetivamente capaz de dar suporte, garantia de preço e comercialização para todos os pequenos agricultores e assentados do Brasil.
Você espera que a presidenta eleita tome alguma atitude para controlar o uso de defensivos agrícolas, os agrotóxicos?
Nós esperamos sim. É até por isso que estamos propondo alteração no modelo de desenvolvimento. Alteração no modelo de desenvolvimento pressupõe um novo modelo de pesquisa, um novo modelo de assistência técnica e com isso, também, alteração em todo o processo de utilização de insumos e de adubação, de mecanização. Enfim, nós esperamos que efetivamente possa haver essa alteração.
Para isso, primeiro, tem que alterar o modelo de desenvolvimento. Enquanto o governo mantiver a ideia de que a agricultura baseada na monocultura agroexportadora seja suporte da economia brasileira para pagamento da dívida externa, para aumentar a reserva interna em dólar, aumentar a exportação, certamente o Brasil vai continuar sendo refém do mercado internacional e das condições internacionais.
De que forma o MST pretende pressionar o governo para acabar com o trabalho escravo ainda existente em algumas fazendas?
Primeiro, garantir que a legislação, que vai permitir que o governo exproprie sumariamente todas as fazendas, usinas e empresas que utilizam o trabalho escravo seja aprovada. Tem que ser colocado em vigor e utilizar esse instrumento como punição ao latifúndio que se utiliza de trabalho escravo, que é uma situação mais perversa existente, que é um atraso para o Brasil.
Nós esperamos que, para qualquer governo, essa deva ser a primeira postura: combater efetivamente, com todas as forças, com todos os instrumentos que tem todos os tipos de trabalho escravo ou coisa similar que ainda persiste no Brasil.
Infelizmente, enquanto não se alterar o modelo de desenvolvimento, baseado na monocultura agroexportadora, não haverá valorização do trabalho. Ao contrário disso, haverá valorização da mecanização e da alta tecnologia. Enquanto isso, o homem e a mulher serão desprezados e levados a situação de escravo. Há necessidade de fazer toda uma alteração. Não basta apenas a punição do latifúndio, tem que efetivamente alterar o modelo de desenvolvimento.
Quais são as principais medidas, de médio e longo prazo, a serem tomadas pelo novo governo a fim de beneficiar os assentados e pequenos agricultores?
A médio prazo, o governo tem que propor metas audaciosas de desapropriação e de assentamento de famílias, que altere essa estrutura agrária que está ai e, ao mesmo tempo, que seja aplicada essa meta nas regiões onde estão as famílias acampadas, especificamente, priorizando o Nordeste e o Sul do país, onde tem a maior parte das famílias acampadas.
Diferente do que o governo vem fazendo: Reforma Agrária na Amazônia, desapropriação na Amazônia, onde não é necessariamente região prioritária para essa ação. Na Amazônia tem que se regularizar as famílias que são posseiras para impedir que continuem esse desmatamento desenfreado. E agora, Dilma está propondo acabar com 80% de desmatamento. Então, essa é a primeira medida. A segunda é em relação às condições de desenvolvimento, como permitir melhores condições e acesso ao crédito.