STJ mantém condenações, mas culpados estão em liberdade até decisão do STF

 

Por Vivian Fernandes
Da Radioagência NP

 

Por Vivian Fernandes
Da Radioagência NP

O Massacre de Eldorado dos Carajás (PA), ocorrido em 17 de abril de 1996, é um símbolo de como a violação dos direitos humanos e a impunidade persistem no Brasil. Neste confronto entre policiais e trabalhadores do campo, foram assassinados 19 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Outras dezenas ficaram feridas e sofrem com sequelas até hoje.

Na tarde do último dia (14/04), mais um julgamento relativo ao processo do Massacre ocorreu no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A defesa do coronel Mário Colares Pantoja e do major José Maria Pereira Oliveira, únicos policiais condenados pelo crime, havia apresentado um recurso especial. Nele continha o pedido de embargos de declaração, que foi rejeitado por unanimidade pela terceira seção do STJ.

Esses embargos tentavam retomar o pedido de anulação do julgamento que condenou os militares, e que também foi negado em 2009. Isso significa que fica mantida a decisão de declarar os dois policiais como culpados pelo assassinato dos 19 trabalhadores sem terra.

Com o STJ negando esse recurso, ainda é possível recorrer no Supremo Tribunal Federal (STF), como explica o advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Pará, José Batista Afonso.

“Dessa decisão do STJ, ainda pode caber recurso ao STF, então nós não temos nenhuma previsão de quando esse processo terá fim”.

Enquanto não termina a tramitação de todos os recursos, os culpados podem aguardar em liberdade por força de um habeas corpus concedido pelo STF.

Histórico do caso

Dois meses após o massacre, a ação coletiva teve início na Justiça. Esse processo é considerado o maior da história criminal brasileira em número de réus, no total são 155 policiais militares. Ocorreram dois julgamentos conturbados, que envolveram retirada de provas técnicas da acusação, solicitação de afastamento de juízes do processo e uma série de recursos de ambos os lados.

O advogado da CPT relata que essas dificuldades acabaram levando à absolvição da maioria dos acusados no último julgamento.

“Nesse período nós tivemos, por exemplo, mudanças de juízes seguidamente do processo, que foram retardando e criando um clima favorável para absolvição da maioria dos acusados. Quando o julgamento aconteceu, no último júri, porque o primeiro teve a absolvição dos acusados – que teve uma batalha pela anulação desse primeiro julgamento. Quando ocorreu o segundo julgamento, foi em condições, infelizmente, muito favoráveis à absolvição de quase todos eles”.

Em 2002, saiu a decisão da Justiça: dos 155 acusados, 142 acabaram absolvidos, 11 foram retirados do processo e apenas dois condenados. O coronel Mário Colares Pantoja recebeu pena de 228 anos de prisão, e o major José Maria Pereira Oliveira, 154 anos. Ambos foram os comandantes da operação violenta contra os sem terra.

Em novembro de 2004 os oficias foram presos. Porém, em 2005, foi concedido habeas corpus aos dois militares, pelo ministro do STF Cezar Peluso, e eles passaram a aguardar em liberdade o julgamento dos recursos apresentados pela defesa.

Os movimentos sociais reivindicam que as condenações sejam mantidas e que os criminosos realmente cumpram a pena estabelecida, como comentou Batista.

“Não é possível que um julgamento ocorrido em 2003, com praticamente oito anos de tramitação de recursos nos tribunais superiores. Isso é uma declaração de falência do Poder Judiciário. É preciso que os recursos sejam definitivamente julgados e que de fato os dois únicos responsáveis condenados cumpram suas penas, de acordo com o que foi definido pelo tribunal do júri”.

Na época do Massacre, o governador do Pará, Almir Gabriel (PSDB), autorizou a ação da Polícia. O governador nunca foi indiciado pelo caso. Assim como o seu secretário de Segurança Pública, Paulo Sette Câmara, e o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Fabiano Lopes.

Julgamento na OEA

O caso do Massacre de Eldorado dos Carajás também foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA). O MST e o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) entraram com a ação contra o Estado brasileiro, em razão da demora da Justiça na resolução do caso.

A petição para a Comissão foi apresentada em 1996, mas só em fevereiro de 2003 ela foi aceita. Foi a partir desse momento que o Estado brasileiro se dispôs a fazer uma solução amistosa. Isso significa que todas as partes envolvidas podem entrar em um acordo e o Estado não será mais responsabilizado internacionalmente.

Dentro da solução são incluídas políticas públicas para mudar as condições que possibilitaram o ocorrido e a reparação às famílias da vítima. A diretora do CEJIL, Beatriz Affonso, comenta o que foi proposto para o Estado.

“A gente fez várias indicações do que deveria ter nesse acordo de solução amistosa no que diz respeito às mudanças estruturais: [resolução] do conflito no campo, reforma agrária, contenção de pistoleiros, justiceiros. Estas coisas que, infelizmente, estão bastante presentes no conflito no campo”.

Em relação aos familiares dos mortos e às demais vítimas, muitas delas com problemas graves de saúde e mutilações, também foram feitas propostas de indenização. Para as famílias dos trabalhadores assassinados, foi indicado o valor de aproximadamente R$ 80 mil para cada uma.

De acordo com Beatriz, o Estado brasileiro não se manifestou positivamente sobre o acordo.

“A solução amistosa, por hora, está suspensa. E nós encaminhamos, há três semanas atrás, um pedido para Comissão Interamericana. Vamos aguardar uma resposta. Que seja uma resposta definitiva. Porque sem o pagamento das indenizações para as viúvas e para os sobreviventes, nós não seguiremos com a solução amistosa”.

Não há data prevista para a resposta ao pedido. Passados 15 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, nenhum responsável pelo crime cumpre a sentença de prisão, reparações para o caso ainda estão em aberto e sem previsão de término, tanto no processo penal, quanto nas violações de direitos humanos.