“Precisamos de políticas para desenvolver assentamentos”
Por Thais Arbex
Do Poder Online / Último Segundo - IG
Por Thais Arbex
Do Poder Online / Último Segundo – IG
Coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e responsável pela relação do movimento com o governo, José Batista de Oliveira nega que o Bolsa Família tenha sido um dos fatores que levaram à redução do número de acampamentos de sem terra.
Nesta entrevista, por email, ao Poder Online, ele afirma que o efeito do programa social foi justamente o contrário: “Sem perspectiva de conquistar a terra, as famílias buscam alternativas para a sobrevivência. O Bolsa Família é um elemento pontual, que em determinadas regiões contribui com a mobilização do movimento”.
Abaixo, leia a entrevista completa, sem edição.
O MST deve intensificar as ocupações para pressionar o governo?
Já fizemos atividades em todos os estados onde estamos organizados em defesa da Reforma Agrária, como ocupações de terras, protestos no Incra e secretaria de agriculturas, marchas, audiências públicas e distribuição de alimentos sem agrotóxicos. Mais de 70 latifúndios foram ocupados, e a jornada segue até o final do mês. O 17 de Abril é dia nacional de luta pela reforma agrária, assinado em decreto pelo Fernando Henrique, que se estende pelo mês inteiro, com lutas do conjunto do movimento camponês pela reforma agrária e contra a impunidade do latifúndio e do agronegócio.
João Pedro Stédile avaliou que 2010 foi o pior ano para a reforma agrária e apontou o Bolsa Família como um dos fatores que levaram à redução do número de acampamentos. Concorda?
O motivo central para a diminuição do número de famílias acampadas é a lentidão do processo de criação de assentamentos. Sem perspectiva de conquistar a terra, as famílias buscam alternativas para a sobrevivência. No entanto, elas continuam querendo entrar em um projeto de assentamento e vão voltar para os acampamentos se a reforma agrária avançar. O Bolsa Família é um elemento pontual, que em determinadas regiões contribui com a mobilização do Movimento. Em anos eleitorais, todos os órgãos públicos trabalham em velocidade mais reduzida. No caso da Reforma Agrária, que já anda devagar, a situação ficou pior ainda.
Quais são as reivindicações do movimento para 2011?
O governo precisa resolver a situação das famílias acampadas. Algumas estão há mais de cinco anos vivendo embaixo da lona preta. Por isso, cobramos que o governo crie um plano emergencial para assentar as 100 mil famílias acampadas até o final deste ano. Queremos também que o governo construa um plano de reforma agrária, com metas anuais até 2014. A partir disso, deve construir as condições orçamentárias do Incra para fazer a obtenção de terras, fazer as desapropriações e criar os assentamentos.
Precisamos também de políticas do governo para desenvolver os assentamentos mais novos, com política de crédito agrícola e assistência técnica, além de medidas para a construção de casas, posto de saúde, escolas, estradas para viabilizar a produção.
Para os assentamentos consolidados, propomos a criação de um programa de agroindústrias em cooperativas de assentados, para que se agregar valor à produção e gerar renda às famílias. Vendendo matéria-prima o assentado melhora de vida, mas tem um teto muito baixo, que precisamos ampliar para avançar com a reforma agrária.
Queremos também que o governo criar um plano para a renegociação das dívidas dos assentados, que estão inadimplentes, querem regularizar a situação, mas precisam de apoio de governo.
Estamos proponto também um programa do governo para reflorestamento dos assentamentos, que quando são conquistas estão em desmatados e degradados pelo latifúndio, e queremos recuperá-las.
Durante seu discurso de posse no Incra, Celso Lacerda afirmou que o governo qualificará a gestão do Incra “nos padrões da iniciativa privada, com gasto cada vez menor e produtividade cada vez maior”. O orçamento para reforma agrária caiu de R$ 600 milhões para R$ 380 milhões. Como o movimento vê esse corte?
João Batista de Oliveira – Em vez de cortar o orçamento das áreas sociais, o governo tinha que cortar o superávit primário e a taxa de juros do Banco Central, que só remuneram o capital financeiro e os bancos. Um das nossas reivindicações é a recomposição do orçamento do Incra. Se o governo quer enfrentar o problema da pobreza, precisa fazer a reforma agrária. Para isso, tem que disponibilizar recursos necessários para fazer as desapropriações e assentar as famílias acampadas, que vivem numa situação muito difícil anos e anos na beira das estradas. Em relação ao Celso Lacerda, é um homem sério, honesto e tecnicamente preparado. Esperamos que ele consiga fazer do Incra um órgão ágil e eficiente para a realização da reforma agrária.
Há uma previsão de quando será o primeiro encontro do MST com a presidenta Dilma?
Não tem previsão. Nós queremos fazer uma audiência com a presidenta Dilma e apresentar nossa proposta de reforma agrária, que além da criação de assentamentos tem uma demanda de políticas públicas para desenvolver as áreas de reforma agrária, com educação, produção, ciência e tecnologia para a pequena agricultura.
Eldorado do Carajás completa 15 anos. A Comissão Pastoral da Terra divulgou o relatório Conflitos no Campo Brasil 2010, que mostra um aumento de assassinatos em conflitos de 26 em 2009 para 34 em 2010. Como analisa esses dados?
A indignação com o massacre não é só do MST, mas de toda a sociedade brasileira. O massacre é um exemplo de como o Estado funciona quando os trabalhadores se organizam e lutam pelos seus direitos. Em primeiro lugar, a polícia reprime e mata. Depois, o Poder Judiciário se omite e mantém em liberdade os responsáveis pelas mortes. Não mudaram as condições por trás do massacre: a concentração da terra, a violência do latifúndio, do agronegócio e Estado e a impunidade dos ricos e poderosos. Por isso, continuamos a nossa luta, porque o massacre não pode cair no esquecimento para não acontecer de novo.
O senhor acredita que o governo Dilma pode trazer mais alento contra a impunidade?
Esperamos que o governo federal utilize seus instrumentos para fazer justiça. Mas não depende apenas da Dilma, mas de toda a sociedade brasileira. Só com pressão do conjunto da sociedade se fará justiça aos familiares dos 21 mortos no massacre de carajás, além de outros trabalhadores que perderam a vida na luta pela reforma agrária, nas mãos do latifúndio e do agronegócio. De qualquer forma, esperamos que a Dilma tome medidas para avançar a reforma agrária, diminuindo os conflitos no campo e o número de mortes de trabalhadores em luta pela terra.
Quais são as principais críticas ao projeto do Código Florestal?
Viabilizar a diminuição da área de Reserva Legal e das Áreas de Preservação Permanente, para ampliar o espaço de expansão da fronteira do agronegócio, desmatando a Amazônia e o Cerrado para implementar a monocultura da soja, cana, eucalipto e do gado. O conjunto dos movimentos sociais do campo e a maior parte do movimento sindical dos trabalhadores rurais estão contra as mudanças propostas por Aldo Rebelo. Essa é a pressão do capital internacional, aliado com os fazendeiro brasileiros, que está por trás do relatório do Aldo Rebelo. Em relação ao passivo da pequenos agricultura, muito utilizado para justificar as mudanças, o governo poderia fazer um programa específico para resolver essa questão, em vez de devastar o Código Florestal. O problema central da pequena agricultura não é o Código Florestal, mas a domínio do modelo de produção do agronegócio, que tem crédito do BNDES, do Banco do Brasil e perdão de dívidas, enquanto o pequeno agricultor tem dificuldades para garantir o custeio e fazer os investimentos para ampliar a produção.
(Foto: Verena Glass/ Arquivo MST)