“A agricultura familiar tem que ter um tratamento diferenciado”
Por Maurício Thuswohl
Da Rede Brasil Atual
Pequenos agricultores respondem pela maior parte do alimento produzido no país, com preservação ambiental (Foto: Fabio.M/Arquivo RBA)
Os sucessivos adiamentos da votação do relatório que propõe alterações no Código Florestal brasileiro no Senado estão dando mais tempo para que setores ligados à agricultura familiar e ao movimento socioambientalista se articulem junto ao governo para pressionar os parlamentares a separar de forma mais clara, no âmbito das discussões ambientais, o que é pequena agricultura e o que é agronegócio.
A deliberada confusão entre esses dois setores da agricultura nacional, segundo os críticos, é umas das principais armadilhas do relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) aprovado na Câmara e mais tarde reapresentado com ligeiras alterações pelo senador Luiz Henrique (PMDB-SC) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
Um grupo de trabalho integrado por entidades como a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf), o MST e a CUT, entre outras, têm se reunido periodicamente no Ministério do Meio de Ambiente em busca de acordo quanto a uma proposta comum que deve ser anunciada em breve: “Estamos finalizando um documento que trata de um capítulo só de questões da agricultura familiar”, afirma Rosy dos Santos, secretária de Meio Ambiente da Contag. “A idéia é fechar esse documento nos próximos dias e entregar para a presidenta Dilma Rousseff”, adianta a coordenadora-geral da Fetraf Brasil, Elisângela Araújo.
O pilar da proposta a ser levada à Dilma, segundo as entidades, é o tratamento diferenciado entre a agricultura familiar e o agronegócio: “Nosso ponto de partida é que tem que ter uma diferenciação, já que existem dois tipos de agricultura no Brasil. Isso está mais do que consolidado, apesar de algumas pessoas ainda quererem passar a impressão de que a agricultura toda é uma só. Nós não entendemos isso, e achamos que a agricultura familiar no Código Florestal tem que ter um tratamento diferenciado, até por uma questão de justiça mesmo, pois o agricultor familiar já sofreu demais e precisa ser tratado como de fato merece pelo seu modo de vida e pelo que representa para o Brasil”, diz Rosy dos Santos.
Elisângela Araújo defende a mesma posição: “No Senado, a gente tem feito todo esse debate, procurando discutir separadamente a agricultura familiar, pois as questões relacionadas a isso têm que ser tratadas de maneira diferenciada. Vamos dizer claramente que temos de ser tratados de forma diferente nessas e naquelas questões. Esse tem sido o nosso debate, para ver se agora no Senado o governo tenta de fato resolver essas questões e dar um encaminhamento para que a agricultura familiar seja tratada como deve dentro dessa discussão do Código Florestal”.
Marcelo Durão, do MST, afirma a necessidade de se mobilizar o pequeno agricultor em todas as regiões do Brasil: “Desde a tramitação da Câmara, estamos mobilizados em todo o país. A pequena agricultura não concorda com as mudanças no Código Florestal. Elas representam uma abertura por completo do Cerrado e da Amazônia para o agronegócio”, diz.
Na visão da Contag, essa discussão abre também uma oportunidade para adequar a legislação ambiental à realidade da agricultura brasileira: “A diferenciação com o agronegócio é necessária para que se faça justiça na legislação ambiental, que muitas vezes pune em excesso nossos agricultores quando, na verdade, não existem políticas públicas para dar o apoio e o incentivo de que eles precisam. A assistência técnica é um dos exemplos. Ela não chega no campo e, quando chega, o faz com muita fragilidade. Os órgãos ambientais punem demais os pequenos agricultores e tratam todo mundo da mesma maneira”, diz Rosy.
Apoio político
Diversos parlamentares apóiam a iniciativa pela separação das discussões: “Para melhorar as nossas condições de travar essa batalha, é preciso que o governo, através da presidente Dilma, faça uma Medida Provisória atinente às questões da agricultura familiar e da pequena propriedade rural”, afirma o deputado federal Alfredo Sirkis (PV-RJ).
O deputado condena a mistura de discussões em torno do Código Florestal: “Não se pode misturar a vítima com o carrasco. O pequeno agricultor, aquele que produz a maior parte dos alimentos no Brasil, nada tem a ver, por exemplo, com os interesses da pecuária menos produtiva que existe na face do planeta Terra. São coisas completamente separáveis, mas a jogada do relator foi tentar proteger o interesse dos ruralistas usando a agricultura familiar como escudo”, diz.
O apoio político às ações desenvolvidas pelas entidades representativas da agricultura familiar tem ainda o peso de dois ex-ministros do Meio Ambiente: “Os pequenos agricultores não podem ser tratados sem que se leve em conta as suas especificidades. Nós estamos dispostos a ajudar a resolver isso. Nós concordamos com a permanência dos cafezais que estão lá há cem anos, concordamos com a permanência das parreiras, das macieiras nos topos de morro, até porque são espécies lenhosas, de ciclo longo, que, inclusive, ajudam a fixar os solos. Mas, eles querem abrir também para a pecuária, para a agricultura e para o plantio de pinus e eucaliptos. É preciso separar o joio do trigo”, diz Marina Silva.
Para Carlos Minc, atualmente secretário estadual do Ambiente do Rio de Janeiro, já existem exemplos de perfeita convivência entre o meio ambiente e a produção agrícola familiar: “Hoje, o Rio é o estado que menos desmata a Mata Atlântica e que mais cria Unidades de Conservação. Isso mostra que é possível criar empregos e produzir alimentos sem desmatar um hectare. Estamos fazendo pagamentos por serviços ambientais, pagando para os agricultores recuperarem matas ciliares. Isso desmonta o discurso dos reacionários de Brasília que dizem que nós que defendemos a legislação ambiental só queremos criar dificuldades”.