“Economia Verde é o novo rosto do capital financeiro do campo”
Por Natasha Pitts
Da Adital
A ‘Economia Verde' vem sendo colocada como uma âncora de salvação para o mundo e como modelo mais correto de desenvolvimento.
Em contraponto a esta lógica desenvolvimentista e de fundo totalmente capitalista, movimentos sociais que agregam organizações de diferentes regiões da América Latina, como a Via Campesina, rebatem essa proposta mascarada e renomeiam a economia verde de ‘capitalismo verde'.
Por Natasha Pitts
Da Adital
A ‘Economia Verde’ vem sendo colocada como uma âncora de salvação para o mundo e como modelo mais correto de desenvolvimento.
Em contraponto a esta lógica desenvolvimentista e de fundo totalmente capitalista, movimentos sociais que agregam organizações de diferentes regiões da América Latina, como a Via Campesina, rebatem essa proposta mascarada e renomeiam a economia verde de ‘capitalismo verde’.
Para falar mais sobre o assunto, a ADITAL, direto da Cúpula dos Povos, conversou com Lourdes Vicente, da Via Campesina e do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
Adital – Como a Via Campesina entende o conceito de economia verde?
LourdesVicente – Nós fizemos um amplo debate em âmbito internacional. Foi todo um processo para chegar a essa conclusão de que a economia verde nada mais é do que uma falsa solução para os grandes problemas que a gente enfrenta hoje. Nós tivemos na década de 60 a Revolução Verde, uma possível saída para fome no mundo, que não se resolveu durante todo esse tempo. O que nós estamos chamando de economia verde nada mais é do que o novo rosto, uma nova configuração do capital financeiro do campo.
Sabemos que a economia verde por vir das grandes empresas, das transnacionais, dos governos, não têm interesse nenhum com o meio ambiente, ela vêm como forma de maquiar o que está por trás, que é exatamente uma ofensiva do capital industrial no campo, essa é o verdadeiro sentido da economia verde. É você utilizar os recursos naturais, como eles chamam, porque nós chamamos de bens naturais – terra, água, as sementes – como mercadoria, que vai cada vez mais acumular para as empresas e para o grande capital. Essa lógica destrói o planeta e ele não aguenta, por isso essa preocupação dos movimentos sociais de dizerem que essa economia não nos serve.
Adital – Quais as implicações desse modelo que está sendo vendido para a sociedade como a melhor e mais correta forma de crescer e se desenvolver?
Lourdes Vicente- Um exemplo forte é a exploração de urânio em Santa Quitéria, no Ceará, enquanto o mundo todo está contra, eles veem isso como uma coisa boa. É um absurdo. É uma lógica atrasada que eles veem como se fosse uma coisa boa. Também o fim da biodiversidade, das sementes, das nossas riquezas naturais. Outro exemplo é a contaminação do aquífero Jandaíra. A 100 metros da Chapada do Apodi já tem agrotóxicos. Estamos vendo o desaparecimento de comunidades, e esses são os aspectos sociais. Existem três campos de implicação, você tem implicações no ambiente, em segundo lugar implicações no trabalho e no modo de vida das comunidades camponesas que desaparecem e são expulsas. Aonde chega um grande projeto a primeira atitude é a expulsão das famílias das proximidades. E o terceiro aspecto são os problemas sociais. A chegada de empresas transnacionais rouba as terras das comunidades que moram em torno dos grandes projetos. E esse capital tem uma mobilidade. Usa os recursos locais e quando acaba vão para outro canto. Na Chapada do Apodi vimos um aumento na gravidez precoce, na prostituição, no alcoolismo e na violência. Com a chegada do agronegócio esse pacote veio junto.
Adital – Em contraposição à Economia Verde o que a Via Campesina defende como proposta de desenvolvimento?
LourdesVicente – Nós defendemos o que os campesinos já defendem há mais de dez mil anos. Uma agricultura camponesa que tenha uma base que hoje nós estamos chamando de agroecológica, de soberania alimentar, com reforma agrária, que dê direito para os trabalhadores decidirem o que produzir, de que forma produzir. Nós estamos defendendo, em primeiro lugar, uma agricultura que produza comida e não mercadoria. Não queremos utilizar nossas terras, nossos recursos e ver essas riquezas indo embora do país e temos um projeto de agricultura muito amplo que vai desde uma articulação com os campesinos do mundo à socialização de saberes tradicionais, à visibilização, por exemplo, do trabalho das mulheres. O que nós fazemos de alternativo é o que já existe, o que as comunidades vêm desenvolvendo há milhares de anos, que é uma agricultura extremamente integrada com o meio ambiente. Você não separa como acontece no agronegócio.
Adital – Mobilizações como a Cúpula são formas significativas e eficazes de se combater e desmascarar a tal Economia Verde?
LourdesVicente – O que a Cúpula veio dizer é que há uma unidade política entre os camponeses do mundo e que esse modelo não serve. Isso é unânime aqui. Há uma diversidade de movimentos, de experiências. E se torna o espaço bonito para você socializar as lutas locais articulando elas com as lutas globais. Por exemplo, a luta pelos territórios indígenas é uma luta de todos os camponeses. A luta em defesa das sementes, a luta em defesa da água, da terra, elas são bandeiras globais de interesse dos camponeses. Esse espaço ele é importante por que a Via [Campesina] tem colocado suas energias na articulação entre os camponeses e na luta nas ruas, pois só o debate não vai a lugar nenhum, então nós estamos fazendo o esforço de estar aqui articulando diferentes formas de mobilização com campanhas em nível local, como em nível internacional, contra os agrotóxicos, contra os transgênicos.
A Via está colocando peso nesse aspecto da mobilização e da construção de alianças e todos aqueles que querem não só falar contra o modelo, mas fazer ações concretas de denúncias, de resistência e proposição também no sentido de fazer mais ocupações de terra, pressionar os governos para soluções como reforma agrária.