Pronera inaugura segunda turma de Direito para camponeses na Bahia
Por Cícero Araújo e Marília Mercês
Do Brasil de Fato
Por Cícero Araújo e Marília Mercês
Do Brasil de Fato
No dia 11 de dezembro de 2012, no campus da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), foram realizadas as matrículas da segunda turma do Curso de Direito para beneficiários da Reforma Agrária pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), com 40 estudantes provenientes do campo, de várias regiões do país e de diversos movimentos sociais camponeses, como MST, Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento de Luta Camponesa (MLC), Movimento das Comunidades Populares (MCP), Associações de Pequenos Agricultores, Fatres-Bahia e Pastoral Rural (PR).
Esta concretização, antes de tudo, significa uma conquista esperada pelos trabalhadores e trabalhadoras rurais em todo o país, que em constante luta por justiça social abrem a possibilidade de que seus filhos e filhas adentrem de maneira legítima nas universidades públicas brasileiras. Especialmente em cursos como o de Direito, que se dá de forma elitizada e excludente no ensino superior no país.
Outro significado que a abertura da turma da Uefs carrega é o de ser o resultado do acúmulo de forças de anos de embates políticos travados pelos sujeitos sociais do campo contra a mídia e o judiciário conservador brasileiro, que tentaram impedir que se consolidasse o projeto da turma de Goiás (Turma Evandro Lins e Silva), a qual diplomou em agosto 58 novos advogados e advogadas, dois quais cerca de metade já foi aprovada na prova da OAB. A turma da UFG foi a primeira desse gênero e surgiu de uma parceria entre a Universidade Federal de Goiás, a Via Campesina e o Pronera.
Por estas questões, a nova turma de direito avança na elevação da democratização do ensino superior e formação acadêmica para preparação de advogados e advogadas populares que poderão atuar no campo dos direitos humanos, dos camponeses e na advocacia popular em todo o Brasil.
“A turma especial de Direito de assentados da Reforma Agrária representa um momento histórico da Universidade Estadual de Feira de Santana. Nós temos assumido um compromisso para que essa universidade seja cada vez mais democrática, cada vez mais sociorreferenciada e tenha uma formação de uma turma dessas. Nós entendemos que a universidade cumpre seu papel ao promover esta possibilidade de que pessoas oriundas de um movimento tão importante como o de Reforma Agrária possam estar aqui e se formar para continuar a sua luta por transformação social”, afirma o reitor da Uefs, José Carlos Barreto.
Em seu discurso na aula inaugural, o reitor ainda afirmou que “a Uefs é um espaço de lutas e conquistas” e que “está em curso um projeto diferenciado do que a universidade viveu em mais de 30 anos”, desde a sua fundação.
Histórico
O curso foi demandado pelo conjunto dos movimentos sociais do campo, especialmente o MST, desde 2009. Foi apresentada a demanda ao colegiado do curso de Direito, que aprovou e constituiu uma comissão para elaborar o projeto com base nas prerrogativas do Pronera. A Comissão foi composta pelos professores da Uefs, Cloves dos Santos Araújo e Paulo Torres, que elaboraram e apresentaram o projeto ao Pronera/Incra. O processo seletivo se deu de forma transparente, com edital publicado e divulgado amplamente. O vestibular envolveu todas as disciplinas das ciências humanas, exatas e da natureza, e o processo foi coordenado por meio do Setor de Seleção da Uefs mediante inscrição dos candidatos que apresentaram legitimidade nos requisitos previstos nas normativas do Pronera.
O curso será ministrado por meio do método da Pedagogia da Alternância, dividido em tempo-escola e tempo-comunidade. Os professores serão oriundos do próprio quadro da Uefs, contando com a seleção de novos professores, assim como colaboradores eventuais em parceria e cooperação com outras instituições de ensino superior, a exemplo da Universidade Estadual da Bahia (Uneb), que já atua nestes termos de parceria.
Além da efetivação das matrículas dos quarenta educandos no dia 11 de dezembro de 2012, houve também na noite do dia 13 do mesmo mês a aula inaugural do curso, que contou com a participação da comunidade acadêmica da Uefs, principalmente dos alunos do curso de Direito e representados no Diretório Acadêmico e Diretório Central dos Estudantes da Uefs. Também contou com a presença do ex-reitor da Universidade Nacional de Brasília (UNB), o professor José Geraldo de Sousa Junior, que conduziu uma aula sobre o tema “Universidade e Inclusão Social”.
Também participou da inauguração Ney Strozake, dirigente do Setor Nacional de Direitos Humanos do MST e advogado popular da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap). Ney Strozake, em sua fala, chamou a atenção da turma para que não se distanciem dos vínculos orgânicos com os agricultores e agricultoras. “Como futuros advogados, devem direcionar sua prática profissional na defesa dos direitos humanos e dos camponeses em todo o Brasil, bem como na luta pelos direitos do conjunto da classe trabalhadora”, afirmou.
Indagado sobre o significado que este curso vem a ter no ambiente político–jurídico brasileiro, José Geraldo respondeu: “Eu diria que este curso, pelo impacto que ele traz e pelos antagonismos que ele suscitou, mobiliza duas dimensões muito grandes e que se combinam: a primeira é perceber que no processo social há novos protagonistas que ganharam força com a revolução da questão democrática, que na questão da terra, por exemplo, na capacidade assídua dos movimentos sociais, é simbolizada pelo MST.
Esse protagonismo gerou nos movimentos sociais uma interpelação dos modos de organização da política, da economia e da vida da sociedade. É claro que isso implicou em sair da organicidade do movimento a qualificação dos seus atores, e essa qualificação se deu nos vários níveis a que me referi, entre eles o nível técnico, no papel de exercitar a capacidade de atuar no campo da formação do ambientário da política e do judiciário”.
José Geraldo também apontou a importância da participação dos alunos ligados ao movimento de Reforma Agrária na consolidação de um outro tipo de universidade e ensino. “A entrada de vocês na universidade é uma expressão desse protagonismo, que abre espaço de inclusão. O positivismo tem reduzido o conhecimento à ciência, o poder ao Estado, o Direito à lei. Este curso pode contribuir noutra significância”, apontou.
A aula inaugural não foi apenas uma aula, mas um marco na construção do próprio curso que se inicia, e uma certeza de que as lutas dos trabalhadores e trabalhadoras rurais por justiça social e democracia também se dão no campo da academia, de abrir o caminho para que milhares de outros jovens possam encontrar no acesso ao ensino superior mais uma ferramenta para contribuir na construção de outra sociedade possível e diferente da que vivemos.