Entrevista com João Paulo Rodrigues após MST ser premiado na Espanha


Da Página do MST


Confira a entrevista de João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do MST, ao jornal espanhol La Voz Digital sobre o prêmio Guernica para a Paz e Reconciliação de 2013, na cidade de Guernica, na Espanha.

Na última sexta-feira (26), o MST ganhou o prêmio espanhol pelo reconhecimento da luta do Movimento pela busca da paz e justiça social.

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Da Página do MST

Confira a entrevista de João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do MST, ao jornal espanhol La Voz Digital sobre o prêmio Guernica para a Paz e Reconciliação de 2013, na cidade de Guernica, na Espanha.

Na última sexta-feira (26), o MST ganhou o prêmio espanhol pelo reconhecimento da luta do Movimento pela busca da paz e justiça social.

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MST é premiado em Guernica pela luta da Reforma Agrária

Por Gerardo Elorriaga
Da Voz Digital
 
Entrevista com João Paulo Rodrigues Chaves dirigente do MST

Contexto econômico do país.
Exportações agrícolas. Brasil ocupa o terceiro lugar no mundo, apenas atrás dos Estados Unidos e da União Européia.

Controle de terras. 50% dos 65 milhões de hectares de terras agrícolas está nas mão de grandes grupos econômicos e 54% dos cultivos são transgênicos.

MST. Conta com 2,5 milhões de pessoas e há 500 mil famílias assentadas.
As vítimas. Desde 1985, 1.566 pessoas foram assassinadas no Brasil por defender seu direito a terra. 8% destes crimes foram julgados.

Ao longo das enormes estradas brasileiras se encontram mais de 150 mil famílias camponesas acampadas, que aspiram por um pedaço de terra. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) apóia esta demanda dos Sem Terra desde sua criação, há três décadas.

Hoje, convertida numa das organizações sociais mais importantes da América Latina, mantendo sua luta num cenário ainda mais complexo, globalizado, onde confluem interesses econômicos de enormes dimensões, João Paulo Rodrigues Chaves, membro da coordenação nacional do MST, acaba de receber o Prêmio Guernica pela Paz e pela Reconciliação, um reconhecimento de uma luta dificultada pela repressão oficial e o assassinato de muitos Sem Terra.
 
O conflito social permanece no campo brasileiro. Nos últimos trinta anos se tem progredido ou a situação tem piorado?

O Movimento foi fundado num período ditatorial e, para nós, supõe um avanço importante a consolidação de um processo democrático e as conquistas econômicas e de direitos sociais para o camponês, como a política de créditos agrícolas, a introdução da energia elétrica ou a educação.

Mas a concentração da propriedade tem crescido nas últimas décadas.

Apareceu um novo fator, as transnacionais que adquiriram terras para se dedicarem a monocultivos para exportação. Passaram a cultivar cana de açúcar e produzir etanol no estado de São Paulo e no nordeste, eucalipto para pasta de celulose, graças ao capital finlandês ou sulasiático, ou a soja no centro oeste. São empresas coo a Monsanto, Bunge, Bill Gates y George Soros, entre outros.   

A agricultura brasileira é um exemplo de globalização comercial.

O capital internacional tem migrado para o nosso país como uma forma segura de inversão nos tempos de crise. Toda a exportação de grãos se leva a cabo por cinco ou seis empresas, e a produção de carne se canaliza por alguns frigoríficos. Esse fenômeno nos deixa numa situação muito complicada, porque o inimigo já não é o latifundiário local, mas a grande empresa internacional com sede em Nova Iorque ou em Helsinki. 

Os governos progressistas de Lula e Dilma apóiam esta expansão?

Lula foi o pai dos pobres e a mãe dos ricos. O modelo de desenvolvimento brasileiro está baseado no apoio ao investidor estrangeiro. Para os camponeses, foram destinados dois bilhões de dólares para empréstimos, subsídios para infraestrutura ou incentivos, enquanto as empresas do agronegócio contaram com 120 bilhões. Por exemplo, a soja para exportação não paga impostos, só a voltada para o consumo interno.

Ao longo desse ano três militantes foram assassinados. Quem é que mata no Brasil?

Mata quem detém a terra. As grandes empresas são muito modernas, e suas plantações em São Paulo dispõem da mais alta tecnologia, mas o mesmo grupo pode possuir uma fazenda no Maranhão completamente atrasada, com sistemas de escravidão e milícias armadas. Também temos problema com a polícia local, radicalmente contra nós.

Sofremos sua perseguição e criminalização, porque o agronegócio é hegemônico e o camponês sem terra, o indígena, o sindicalista e o ambientalista é visto como os malvados.

Ainda persistem situações de escravidão e trabalho infantil?

Permanecem, pois há dois tipos de agricultura, a moderna e aquela que se baseia no trabalho barato, da mão de obra sem direitos, que destrói a floresta e pressiona os pequenos proprietários para que vendam suas terras. Nas fazendas isoladas os trabalhadores têm que pagar a cama, a comida e a roupa. O ano passado foram libertadas duas mil pessoas que estavam nesta situação.

Há consciência no país dos riscos deste monocultivo industrial, não só no plano econômico, mas na saúde, pelo seu elevado uso de agrotóxicos?

Não. Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, com uma média de 5 litros por pessoa, o que supõe quase um bilhão de litros anuais. O fenômeno é muito grave porque são jogados por aviões, afetando a saúde das pessoas. Contaminam os pastos e os cultivos de soja, milho, eucalipto, mas não há crescimento da produção de feijão, mandioca ou de frutas como a manga. Os preços dos alimentos no Brasil são os mais altas da América Latina, o tomate tem aumentado 150%, chegando a ser mais caro que a carne.

Este modelo de desenvolvimento é viável?

Não é sustentável, os países emergentes precisam de novos processos. Não se investe em tecnologia que não seja biodiesel, estamos perdendo a soberania alimentar, os campesinos migram para as áreas urbanas e os grandes capitalistas querem explorar a Amazônia para a extração de ferro. Vamos ter enormes problemas sociais e ecológicos.

A classe política parece carecer de consciência sobre os riscos assumidos, mas o que se passa com a sociedade?

Existe a consciência de que o país se enriquece frente a um mundo decaído e uma crescente classe média que pede por uma boa casa, carro, televisão e geladeira.

A população brasileira se concentra em cinco cidades: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Fortaleza e Salvador, e não se importa com o que pode acontece no Mato Grosso ou na Amazônia, ainda que o grande motor econômico do país seja o campo.

Agora existe muita preocupação pelo aumento dos casos de câncer, mas não existe um debate sobre sua causa. Pensa-se no crescimento econômico, mas não no social nem nos riscos que esse crescimento carrega.