Filho de Kátia Abreu assume secretaria de regularização fundiária no Tocantins
Da CPT
Sob críticas de movimentos sociais, o deputado federal Irajá Silvestre Filho, mais conhecido como Irajá Abreu (PSD/TO), foi empossado, na semana passada, secretário da recém-criada pasta de Desenvolvimento Agrário e Regularização Fundiária do Governo do Estado de Tocantins. Leia em anexo a Nota Pública divulgada pelos movimentos.
Em nota conjunta, Via Campesina, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) criticaram a escolha do governador Siqueira Campos (PSDB) e manifestaram preocupação com a maneira como o processo de distribuição de títulos vem sendo conduzido no Estado, que classificam como “oficialização de grilagem” de terras públicas.
Leia mais:
Movimentos denunciam que nova secretaria oficializa grilagem de terras
Representantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT) também apontam problemas e se dizem apreensivos com a nomeação do deputado para tratar da questão. Irajá Abreu é filho da senadora Kátia Abreu (PSD/TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura e uma das principais lideranças da Bancara Ruralista, a assim chamada frente de parlamentares ligados a latifundiários no Congresso Nacional.
A reportagem procurou Irajá Abreu, mas sua assessoria informou que, por estar no interior do Estado, com celular fora de área, ele não poderia se posicionar. Sobre as críticas, a assessoria de comunicação do governo estadual afirmou, em nota, que os movimentos sociais “são livres para lutar pelas bandeiras, seus ideais e objetivos”, mas defendeu que o parlamentar “possui excelente trânsito no Congresso, um bom acesso ao governo federal, além de ser conhecedor dos problemas enfrentados pelo Estado nessa área”, e que, por isso, tem”confiança” para cumprir a meta de regularizar dois milhões de hectares, distribuídos em mais de cinco mil títulos.
Entre as principais reclamações dos movimentos sociais está o fato de a família Abreu ter sido beneficiada por uma das mais polêmicas disputas fundiárias do Estado, a desapropriação e expulsão de pequenos camponeses de uma área de mais de 100 mil hectares em Campos Lindos, no norte do Estado. A área foi declarada de utilidade pública em 1997 por Siqueira Campos, que também governava o Estado na época, e repassada para fazendeiros para a criação de um polo produtor de soja. Entre os beneficiados, estão a senadora Kátia Abreu, mãe de Irajá Abreu, e Luís Alfredo Abreu, seu tio. O caso, detalhado no estudo “Do Sertão à periferia: expropriação camponesa pela expansão da soja”, está longe de ser concluído.
Em 5 de fevereiro, o Ministério Público Federal promoveu uma audiência pública em que, além da expulsão dos moradores, também foram debatidos outros problemas relacionados ao projeto de monocultivo de soja na região, incluindo o alto índice de uso de veneno nas plantações e os impactos sociais da concentração de terras. O município de Campos Limpos tornou-se conhecido nacionalmente ao assumir em 2009 o topo dos rankings de produção de soja e de pobreza ao mesmo tempo.
Reforma agrária “às avessas”
“A indicação nos deixa muito apreensivos. Muitas das terras que precisam regularizar são de pequenos agricultores e a forma como essa regularização acontece nos deixa preocupados. É possível que o governo passe a tirar a terra dos pequenos para entregar para os grandes, como aconteceu em Campos Lindos”, aponta o frei Xavier Plassat, integrante da Comissão Pastoral da Terra baseado em Aragominas (TO), cidade próxima da área de disputa em questão.
“Até defensores públicos da União dizem que o que aconteceu foi uma reforma agrária às avessas. Ficamos imaginando o que é capaz de acontecer com o governo Siqueira Campos tendo Irajá como braço direito da regularização fundiária”, completa o frei. Ele cita como outro exemplo de regularização fundiária problemática episódio recente em Palmeirante (TO). “Conseguimos barrar um despejo que é resultado de regularização fundiária do programa Terra Legal. A área era para ser regularizada para as pessoas, mas acabou ficando regularizada para uma só pessoa que não vivia no local. Mesmo quando as ações são realizadas pelo governo federal temos visto bastante corrupção, decisões ilegais em benefício de grileiros. Temos bastante apreensão em relação ao que vai acontecer”, ressalta.
O problema em Palmeirante não foi o único recente. Em Esperantina (TO), município na região conhecida como Bico do Papagaio, no norte do Estado, 250 famílias ligadas ao MST têm procurado resistir a ameaças de despejo e reclamam o direito a permanecer e cultivar áreas improdutivas. Na nota conjunta, que tem entre os signatários o MST, os movimentos sociais reclamam do processo de reforma agrária no Estado. “Enquanto o programa deveria regularizar as terras de milhares de pequenos posseiros e comunidades tradicionais e enquanto há vários acampamentos com milhares de famílias nas beiras das estradas que aguardam um pedaço de terra, o governo gasta milhões de reais dos recursos públicos para beneficiar os grileiros de terra públicas”, afirmam as entidades.
Motoniveladoras e retroescavadeiras
O ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Pepe Vargas, esteve presente na cerimônia em que Irajá Abreu foi empossado. Na ocasião, ele entregou em nome do governo federal 34 motoniveladoras e retroescavadeiras para serem repassadas a municípios com menos de 50 mil habitantes. Os equipamentos têm sido distribuídos pelo novo secretário, que posta fotos da entrega no seu perfil pessoal público na rede social Facebook.
Segundo os movimentos sociais, a aproximação com o MDA preocupa porque o governo do Tocantins busca a transferência definitiva de terras da União tituladas de maneira irregular pelo Estado no passado, o que pode resultar na expulsão de mais pequenos agricultores posseiros em terras até então consideradas devolutas.
Além das disputas fundiárias, os movimentos sociais apontam embargos ambientais como outro sinal de que Irajá Abreu não é o mais indicado para cuidar do desenvolvimento agrário no Estado.
A propriedade que ele possui em Aliança do Tocantins sofreu dois embargos por parte do Ibama, decorrentes de infrações ambientais. Um por “destruir, desmatar, danificar florestas ou qualquer tipo de vegetação nativa ou de espécies nativas plantadas” e outro por “destruir ou danificar florestas, cortar árvores ou demais formas de vegetação natural, em área considerada de preservação permanente”. Entre os interesses do político como fazendeiro estão o cultivo de eucalipto, produção que tem consideráveis impactos ambientais.
Trabalho escravo e a família Abreu
Não é a primeira vez que Irajá Abreu sofre críticas por parte de movimentos sociais. Em abril de 2011, ele envolveu-se em outra polêmica por questionar o conceito de trabalho escravo e desqualificar o combate à prática no Brasil, atrapalhando-se com as definições legais. A família é uma das que mais faz críticas à fiscalização.
Sua mãe, a senadora Kátia Abreu, esteve entre os senadores que questionaram ação na Fazenda Pagrisa, que culminou no resgate de mais de 1.000 pessoas em 2007. Em função da manifestação, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) chegou a suspender as fiscalizações.
Na ocasião, a própria senadora reclamou do fato de a Repórter Brasil ter divulgado a informação, e chegou a discursar contra a organização na tribuna. Seu tio, André Luiz de Castro Abreu, irmão da senadora Kátia Abreu, foi apontado em 2012 como um dos proprietários de uma empresa que explorava trabalhadores em regime de escravidão na produção de carvão no Tocantins. Ao todo, 56 pessoas foram resgatadas.
Marãiwatsédé
Irajá Abreu não é o único da família a se envolver em polêmicas fundiárias. Seu tio, Luiz Alfredo Feresin de Abreu, irmão da senadora Kátia Abreu, representou, como advogado, a Associação dos Produtores Rurais da Suiá Missu em meio à disputa por terras com índios Xavante em Marãiwatsédé, no Mato Grosso. Ele questionou na Justiça o direito dos Xavante às suas terras e, de acordo com denúncia protocolada pelos indígenas em 2011 no Ministério Público Federal de Mato Grosso, ofereceu dinheiro a indígenas de outras regiões para que eles se manifestassem publicamente em favor da proposta de transferência dos índios para o Parque Estadual do Araguaia.