O hip hop da juventude Sem Terra e a música como ferramenta política
Por Camilla Hoshino
Da Página do MST
Muito popular entre os jovens da periferia das grandes cidades, o hip hop é utilizado como um instrumento de contestação social. Violência, pobreza, resistência e injustiças sociais, em geral, são alguns dos principais temas cantados por meio de versos, que rimam arte e política.
Mas apesar de originalmente urbana, essa cultura tem se apresentado cada vez mais como uma ferramenta de diálogo entre a juventude do campo e da cidade. A banda Veneno H2, formada por jovens assentados, é um exemplo real deste vínculo.
Já faz oito anos que os músicos Carlos Cesar, Paulo Eduardo Pinheiro e John Miller Souza montaram o grupo de rap, no Assentamento 17 de Abril, do MST, em São Paulo.
Segundo Carlos Cesar, mais conhecido como Cesinha, a visibilidade que o grupo traz dos problemas do campo através da música também é uma oportunidade de apresentar o MST para além daquilo que as pessoas vêem na mídia tradicional.
“Queremos mostrar como o MST é de verdade. Muitas pessoas, interessadas pela nossa música, nos procuram para conhecer os assentamentos”, afirma.
Formação Política
Antes de começarem a militar no MST, Paulo Eduardo, o Mano Fi, e Cesinha moravam na favela da Mangueira, em Ribeirão Preto (SP). “A juventude dos assentamentos também vem da periferia, são aqueles que migram novamente para o campo. Então, o hip hop está enraizado neles”, diz Cesinha. Por isso que, segundo ele, a juventude do MST também tem se identificado com as letras de protesto.
John Muller, também chamado de John Doido, conta que as músicas foram ganhando um caráter mais politizado na medida em que os integrantes do grupo foram participando mais de encontros de formação política e inserindo novos elementos de debate nas letras.
Para ele, a proposta é fazer com que o rap sirva como ferramenta de formação política para os jovens tanto do campo quanto da cidade. “A ideia é pegar o rap da cidade, trazer para a nossa realidade do campo e devolver para eles”.
Para além dos palcos
Para músicos militantes, o trabalho ultrapassa o cenário dos shows e eventos culturais. Também no dia-a-dia da enxada, dentro do MST, os integrantes da banda contribuem com trabalhos de formação. “Tentamos unir as duas coisas, mas nosso trabalho tem muitas dificuldades, pois a gente vive da roça e não da música”, diz Cesinha.
Os rappers aproveitam o talento para incentivar e motivar a juventude. “Fazemos oficinas de estêncil, muralismo e de teatro. Fazemos a juventude se envolver com trabalho e depois encerramos com rap”, conta John Muller.
Apesar do ânimo no trabalho de base, os músicos sabem que enfrentaram limites dentro do próprio MST, em virtude da cultura camponesa. Mas se inicialmente o hip hop não foi bem aceito, principalmente pelos mais velhos, o ritmo logo ganhou espaço entre a juventude, que “abraçou a idéia”, segundo John Doido.
“É muito emocionante quando você desce do palco e vê um moleque gritar, pedir um abraço, uma foto e até mostrar o caderno com letras e versos. Isso ajuda a juventude do MST a se organizar”.
Juventude organizada
A intimidade com as letras de protesto e com a juventude também pode ser identificada no grupo LPJ MC’s. Reunidos desde maio de 2012, os integrantes trazem a proposta de discutir a música através de um viés político, como ponto de partida para a sua própria formação.
Levi de Souza, baterista do grupo, conta que o LPJ MC’s surgiu pela necessidade de levar para a periferia de Curitiba a mensagem de jovens que já estavam organizados no Levante Popular da Juventude.
“A aceitação está sendo ótima e a intenção é fazer com que a molecada saque que vive em condições sociais que não escolhe, que foram impostas, mas que também podem ser mudadas”, diz.
Na opinião do baterista, a cultura do hip hop, que traz consigo as letras de protesto, o grafitti, o break dance, entre outras manifestações artísticas, tem sido a melhor maneira de alcançar esse objetivo e incentivar a organização dos jovens.
Além de Levi de Sousa, integrante do MST, o LPJ MC’s é formado pela guitarrista e vocalista Jane Joffre e pelo vocalista Diego Zamura, também integrantes do Levante Popular da Juventude do Paraná. A própria formação do grupo, segundo os músicos, já demonstra um pouco a união entre os movimentos sociais do campo e da cidade.
Resistindo em Rimas
Durante a 12ª Jornada de Agroecologia, que aconteceu entre os dias 7 e 10 de agosto, em Maringá, o grupo estreou o primeiro EP: Resistindo em Rimas. Com uma mistura de viola caipira e guitarra elétrica, reforçando o diálogo entre o campo e a cidade por meio de elementos musicais, o grupo consegue dar vazão a seus anseios políticos enquanto militantes e artistas.
“São injustiças, são mazelas, são favelas. São heranças malditas que nos obrigam a herdar. O LPJ não canta só porque é bonito, mas porque a realidade nos põe a pensar”, recita Levi de Souza.
O projeto musical, que traz faixas produzidas de maneira cada vez mais coletiva pelo o grupo, está sendo disponibilizado pela internet.