Sem Terra LGBT lutam por uma sociedade sem preconceitos
Por Joana Tavares*
Da Página do MST
Fotos: Joka Madruga, Oliver Kornblihtt e Pilar Oliva
Jarbas era acampado em Alagoas e viajou ao Rio Grande do Sul para fazer um curso. Lá, conheceu Nilton Cordeiro, do Paraná. A paquera virou namoro, o namoro ficou firme e o casal resolveu morar junto. Escolheram o sul, onde os dois trabalham e pretendem se casar ainda este ano.
Por Joana Tavares*
Da Página do MST
Fotos: Joka Madruga, Oliver Kornblihtt e Pilar Oliva
Jarbas era acampado em Alagoas e viajou ao Rio Grande do Sul para fazer um curso. Lá, conheceu Nilton Cordeiro, do Paraná. A paquera virou namoro, o namoro ficou firme e o casal resolveu morar junto. Escolheram o sul, onde os dois trabalham e pretendem se casar ainda este ano.
Lucas Santos Souza tem 19 anos e gosta de se vestir como mulher à noite. Ele se define como “transformista”, está sem namorado, mas diz que “está na pista para negócio”.
Já Naiara prefere o nome que escolheu do que o de batismo – Tiago Rodrigues – e conta que é respeitada em sua identidade no acampamento onde vive, em Goiás. Lucas da Silva, o Luquete, tem 28 anos e “muito orgulho da sua classe”.
Talles Reis, mineiro hoje em Pernambuco, pretende casar no papel com Rogério Castro e adotar uma criança em 2014. Mariana Arantes e sua esposa já concretizaram o sonho e vão ter um filho por fertilização in vitro.
Jarbas, Nilton, Lucas, Naiara, Lucas, Talles e Mariana são militantes do MST. Atuam em diferentes frentes do Movimento e contam que não tiveram grandes problemas em viver sua sexualidade dentro da organização.
“Muita gente no MST tem essa opção. As relações no Movimento são mais próximas, aí a gente acaba se descobrindo mais e se aceitando também, né? A vivência no MST permite a gente ter uma aceitação melhor, tanto pessoal quanto coletiva”, acredita Nilton, que atua na secretaria estadual do Paraná.
Mariana achou que enfrentaria mais preconceito, especialmente na base. “Mas em todos os lugares onde moramos, assentamentos e acampamentos, a relação foi ótima”, conta. “Muita gente torceu por nós e apoiou nossa união”, lembra Rogério, que conheceu Talles quando ele atuava no escritório do MST no Rio de Janeiro.
“Eu nunca me senti discriminado dentro do Movimento, mas já peguei muita piadinha machista, homofóbica, que também são atitudes preconceituosas. Essas piadas são gerais, mas te atingem. E isso é muito comum”, afirma Talles, que milita há 14 anos no MST.
Talles, que já passou pelo Paraná, pela Escola Nacional Florestan Fernandes, Rio de Janeiro e Pernambuco, explica que agora não decide mais as coisas sozinho, e precisa da opinião e aprovação de Rogério. “Acho que para os casais acaba sendo mais fácil, tem mais respeito”, pontua Rogério.
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Jarbas e Nilton também relatam que foram apoiados na decisão de morar juntos. “Por ser um movimento camponês, a gente pensava que teria mais dificuldade. Mas para nós até que não tem tido não”, diz Nilton.
Jarbas concorda: “Desde a escola, a gente andava de mão dada, todo mundo sabia que a gente estava junto. Não sinto olhares diferentes não”. “Acho que todo mundo tem que apoiar mesmo, porque estamos lutando pela mesma causa. Mas isso não quer dizer que todos tem que ser iguais, cada um pode ter sua opção, seu jeito. O importante é se unir para o mesmo objetivo”.
Mais banheiros e debates
Naiara, de 17 anos, é bonita e vaidosa. Assentada há 10 anos, ela diz que pouca gente percebe – “assim, só de olhar” – que ela não nasceu mulher: Naiara é transexual.
Apesar de se definir como mulher, ela reclama do assédio que sofreu nos banheiros coletivos do VI Congresso.
“Não deixaram eu tomar banho no banheiro de mulher. A gente não pode entrar no feminino nem no masculino. Eles não respeitam”, reclama.
Ela defende que deveria haver mais espaços para discutir a homossexualidade.
“Na escola, tem palestra sobre um monte de coisa, mas não se fala do homossexual. Deveria ter, para conscientizar as pessoas que a gente respeita para ser respeitado”, defende.
“Minha mãe vai te adorar”
Rogério trabalhava como ator no Rio de Janeiro e conta que não dava muita importância para discussões políticas. “Minha cabeça era meio como do Caetano, essa coisa de que não existe esquerda e direita hoje em dia”.
Aí ele conheceu Talles, que começou a contar do MST, de Cuba e de outras experiências de luta. “Eu perguntei pra ele, ‘você ainda acredita nessas coisas?’ E ele respondeu, ‘por quê, você não?’. Na hora pensei; minha mãe vai te adorar”, diverte-se Rogério, filho de uma militante da Associação José Martí.
“Quando fui conhecendo o MST, achei que todas as questões, todos os vícios do capitalismo, estavam resolvidos nesse grupo. Mas aí vi que não, que ainda tem machismo e discriminação”, diz Rogério, que já fez um trabalho de teatro junto às crianças do MST do Nordeste.
Talles afirma que o MST está inserido em uma sociedade machista, homofóbica e é também produto dela. “Acho que tem que avançar, porque o movimento tem cada vez mais o objetivo de expandir as lutas, o debate da Reforma Agrária Popular quer incorporar outros conceitos de melhoria da qualidade de vida. A luta não é só por terra; vai ter um momento que o MST vai ter que encarar mais profundamente esse debate”, pontua.
Mariana concorda: “Nesse tema o MST tem muito que avançar, a partir da aproximação com organizações que tem acúmulo sobre o tema”.
Construir desde já novos valores
Ela ainda apareceu tímida, mas lá estava a bandeira arco-íris da causa LGBT na mística de abertura do VI Congresso do MST. O tema da diversidade sexual foi colocado como um dos desafios para o próximo período, nos apontamentos de Gilmar Mauro, da coordenação nacional do Movimento.
“É uma bandeira importante porque somos seres humanos, independente da condição de cada um, e não podemos discriminar ninguém. Se queremos de fato construir uma nova sociedade, é preciso plantar aqui e agora esses valores”, defende o dirigente.
“Não tem essa de pensar sobre isso só lá na frente. É agora que se planta as sementes da nova sociedade. Se a gente quiser colher abacate, precisa plantar abacateiro, se a gente quiser uma sociedade libertária, onde todos e todas possam participar com igualdade, tem que plantar aqui e agora”.
Gilmar reforça que todas as formas de violência – contra mulheres, crianças, racistas, homofóbicas ou de qualquer espécie, têm que ser duramente combatidas. “É uma linha política do nosso Movimento”, reforça.
* Colaborou Geanini Hackbardt