“Aquisição de terras no governo Dilma é uma tragédia”, afirma dirigente


Por Samir Oliveira
Do Sul 21


Fotos: Vinícius Roratto/Sul21

Em três anos de governo, a presidenta Dilma Rousseff (PT) assentou cerca de 76 mil famílias  integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) – 22 mil em 2011, 23 mil em 2012 e 30 mil em 2013. De acordo com informações do INCRA, apenas nos dois primeiros anos, os governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC) e Lula (PT) assentaram 105 mil e 117,5 mil famílias, respectivamente.

Diante desta realidade, é recorrente, por parte de lideranças do MST, a crítica de que o governo Dilma paralisou a política de reforma agrária no país. Na semana passada, dos dias 10 a 14 de fevereiro, o movimento realizou seu 6º Congresso Nacional, em Brasília. Durante uma semana, 16 mil sem terra debateram os rumos da luta pela terra, realizaram uma marcha pela Esplanada dos Ministérios e foram recebidos pela presidenta – algo que ainda não havia ocorrido desde o início de seu governo, embora o pedido já tivesse sido feito em 2011.

A reportagem do Sul21 foi até o assentamento Filhos de Sepé, em Viamão, conversar com o militante Cedenir de Oliveira, que representa o Rio Grande do Sul na direção nacional do movimento. Ele avalia que o governo Dilma Rousseff sustentou um dos piores índices de aquisição de terras para reforma agrária na história do MST. “Se pegar os números do que foi a aquisição de terras no governo Dilma, é uma tragédia. É um dos piores na história do MST”, lamenta. Entretanto, Cedenir acredita que não se deva diferenciar tanto os governos Lula e Dilma neste aspecto, já que, no seu entendimento, ambos “fizeram uma opção por fortalecer o agronegócio”.

O líder do MST critica o fato de o Palácio do Planalto apostar no agronegócio como modelo para a agricultura brasileira. “É um modelo altamente dependente de insumos estrangeiros, com alto grau de intoxicação, que produz veneno e crimes ambientais. Não é verdadeiro acreditar que essa seja a agricultura do futuro, pois não tem sustentabilidade econômica, social e muito menos ambiental”, observa.

Para Cedenir, a existência de assentamentos como o Filhos de Sepé – onde são plantados 1,3 mil hectares de arroz orgânico, sem nenhum tipo de agrotóxico ou adubo químico – é a prova de que é possível produzir alimentos em grande escala sem se submeter a um modelo ecologicamente destruidor e prejudicial à saúde humana.

Reforma Agrária Popular

O 6º Congresso Nacional do MST tirou a definição de que é preciso lutar por uma reforma agrária popular, diferente do pleito clássico do movimento, que é a democratização do acesso à terra. Cedenir de Oliveira explica que esse conceito envolve o entendimento de que apenas a posse da terra não supre os problemas dos colonos, que, agora, precisam enfrentar a reconfiguração do capitalismo no ambiente rural.

“Há uma superação política da reforma agrária clássica, que envolve somente o processo de democratização da terra. Nesse atual estágio, o capitalismo se reconfigurou e hoje desenvolve outros mecanismos. O agronegócio é um exemplo claro de como o capitalismo está inserido na agricultura”, comenta.

Para ele, a garantia do acesso à terra precisa vir acompanhada de um sólido plano que envolva a produção de alimentos orgânicos, a utilização de tecnologias ecológicas nos cultivos e a melhoria da qualidade de vida da população do campo. O 6º Congresso do MST também cravou o entendimento de que esse projeto não sairá do papel se depender apenas dos esforços do movimento. “A reforma agrária não depende apenas da vontade política dos sem terra. Ou a sociedade brasileira assimila isso como modelo de desenvolvimento, ou ela não terá condições de ser implementada. É mais do que um projeto do MST, é um projeto de sociedade”, assinala.


Perfil do movimento

Criado há 30 anos, o MST enfrenta o problema de lidar com o fenômeno de que parte de seus militantes têm abandonado a luta pela terra para viver – ainda que em condições precárias – nos centros urbanos. Cedenir de Oliveira avalia que isso tem ocorrido, em parte, devido às políticas sociais dos governos petistas e de uma efetiva melhora na situação econômica do país, com abundância de ofertas de emprego nas cidades, principalmente em áreas como a construção civil.

Entretanto, ele pontua que isso também ocorre por conta do descaso dos governos com a reforma agrária no país. “Se você fica dez anos esperando uma política que não chega… Entre esperar algo que não vem, e o que existe no dia a dia, você opta por comer e viver. O abandono do tema da terra afastou as pessoas dessa luta. Se a questão do assentamento tivesse na ordem do dia, a pessoa poderia optar entre ir trabalhar na cidade ou ir para a terra. Mas ir para a terra não está colocado. A não realização da reforma agrária foi o principal fator para que as pessoas fossem procurar outras coisas para fazer”, lamenta.

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Por outro lado, ele pontua que a militância do MST vem sendo revigorada pela juventude criada e educada nos assentamentos já existentes e pelas mulheres do movimento, que travam lutas para além das relacionadas à terra. “Não crescemos em termos de novas famílias acampadas, mas temos uma militância nova surgindo, uma juventude com acesso a estudo, com novas culturas. Junto com a luta das mulheres, estão trazendo uma oxigenação muito forte para o movimento”, anima-se.

No Rio Grande do Sul

As especificidades da configuração agrária e das lutas travadas no Rio Grande do Sul fazem com que, no estado, o MST tenha um perfil diferente de outras regiões do país. Cedenir de Oliveira informa que, aqui, o movimento é composto majoritariamente por militantes já assentados ou que nasceram em assentamentos.

O estado possui, atualmente, cerca de 320 assentamentos e 150 famílias acampadas embaixo da lona preta, aguardando para receberem um lote de terra – especialmente na região norte, em cidades como Sarandi, Júlio de Castilhos e Vitória das Missões. Ao todo, são cerca de 13 mil famílias que militam no MST no Rio Grande do Sul.

Para Cedenir, a luta pela terra em solo gaúcho apresenta dificuldades do ponto de vista político e jurídico que outras regiões não enfrentam. “No Paraná, temos 72 acampamentos que estão produzindo em cima das áreas ocupadas. No Rio Grande do Sul, é impensável ocupar uma área e ficar em cima dela produzindo, pela configuração do estado, do Judiciário e da polícia”, compara.

Por outro lado, ele observa que o estado está mais avançado no que diz respeito à educação no movimento. “Temos duas escolas de formação, o Instituto Educar e o ITerra, que ajudam a formar jovens para atuar nas áreas de assentamento. Temos dificuldade maior no conflito agrário, mas temos capacidade de construir outras forças”, afirma. Ele lamenta, porém, que o governo gaúcho ainda não tenha cumprido a promessa de construir seis escolas de Ensino Médio em assentamentos.

Contexto de mobilizações

O ano de 2013 foi bastante intenso no cenário urbano do país e tudo indica que 2014 – com a Copa do Mundo e as eleições nacionais – tende a ter o mesmo caráter. Milhões de pessoas saíram às ruas de diversas cidades, marchando contra o aumento nas tarifas do transporte público e cobrando uma série de demandas de forma difusa e descentralizada.

O tema da reforma agrária não esteve presente na agenda das mobilizações, mas o MST avalia o saldo dos protestos como positivo para o país. “O pior dos mundos é uma sociedade apática, sem perspectiva de mobilização. As mobilizações foram um recado aos governos, que achavam que existia conciliação de classes, que estava tudo uma maravilha, sem contestação nenhuma”, avalia Cedenir de Oliveira.

Para ele, é preciso haver uma profunda reforma política, sob pena de o sistema atual “comprometer o avanço do processo democrático, transformando o país em uma ditadura econômica, com os grandes grupos definindo seus representantes“. Ele acredita, entretanto, que não é de forma desorganizada que essas conquistas se tornarão realidade. “A mobilização por si só, se não se transformar em projeto, bandeiras claras e processo de organização, cumpre um papel importante de agitação, mas não vai pra frente”, entende.

Postura diante do governo

O MST vive a contradição de ser visto, pela direita e pelos setores conservadores, como um movimento radical de esquerda. Por outro lado, parte da extrema esquerda acredita que o MST tenha se aliado ao governo federal petista e abrandado o discurso e as cobranças.

Para Cedenir de Oliveira, o movimento mantém um tom crítico em relação aos governos petistas e apresenta críticas profundas a suas decisões políticas. Mas, por outro lado, entende que, por mais que seja um governo de coalizão com setores conservadores, não se trata de um governo liderado por um projeto “extremamente neoliberal, privatista e antissocial”, como qualifica as gestões do PSDB.

“(O PT) poderia ter avançado mais. O governo trabalhou numa perspectiva de governabilidade dentro do Congresso, não com a população. Se tivessem feito alianças com as massas, poderíamos ter avançado mais. O governo optou pela governabilidade no Congresso e ficou amarrado. Se quiser avançar, vai ter que romper com esses acordos. Se a esquerda quiser avançar, vai ter que criar propostas que dialoguem com a necessidade das massas, se não vai ser apenas mais do mesmo”, resume.

O assentamento Filhos de Sepé

Localizado próximo à parada 72 da ERS – 040, em Viamão, o assentamento Filhos de Sepé, onde ocorreu a conversa entre Cedenir de Oliveira e a reportagem do Sul21, foi criado há 15 anos. Seus 9 mil hectares pertenciam à família Caldas Júnior, antiga proprietária do jornal Correio do Povo, e foram entregues a 374 famílias de colonos sem terra oriundos da região das Missões – daí o nome que homenageia o herói da resistência indígena Sepé Tiaraju.

O assentamento possui um centro de formação política com refeitório, auditório, alojamento e uma imensa figueira que fornece sombra para o local, que recebe movimentos sociais de todo o país e da América Latina.

Cedenir informa que o assentamento é responsável pela maior fatia da produção de arroz orgânico no estado. São 1,3 mil hectares dedicados ao cultivo. “Não gastamos nem um real com veneno”, explica o agroecólogo Martin Zang, que trabalha no Filhos de Sepé.

O assentamento possui, ainda, cultivo de diversos tipos de hortaliças e de frutas como cáqui, uva, pêssego e abacate, além do cultivo de abelhas para extração de mel e de cabeças de gado para corte e leite. O Filhos de Sepé guarda, ainda, um ecossistema extremamente preservado. Pelo menos 2,3 mil hectares são intocáveis para utilização agrícola.

Trata-se do Banhado dos Pacheco, uma área extremamente rica em sua biodiversidade. Conforme Martin Zang, o local possui espécies de pássaros ameaçadas de extinção, 36 espécies de peixes – seis das quais descobertas e catalogadas em suas águas –, capivaras e cervos do pantanal. “É o único lugar do Rio Grande do Sul que tem cervos do pantanal”, assegura.