Professora sofre ameaças por ensinar Constituição a indígenas Munduruku
Por Luana Luizy
do Cimi
Emanuelle Limenza Barros tem 28 anos e é de Londrina, Paraná, mas mora no estado do Pará há quatro anos onde leciona história para os indígenas Munduruku da aldeia Missão São Francisco do Rio Cururu, próximo ao município de Jacareacanga, sudoeste do Pará.
Por Luana Luizy
do Cimi
Emanuelle Limenza Barros tem 28 anos e é de Londrina, Paraná, mas mora no estado do Pará há quatro anos onde leciona história para os indígenas Munduruku da aldeia Missão São Francisco do Rio Cururu, próximo ao município de Jacareacanga, sudoeste do Pará.
Acusada de organizar protestos e de aliciar os indígenas Munduruku, Emanuelle sofre hoje intimidações e ameaças por ensinar a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que prevê consulta aos povos sobre o impacto de grandes empreendimentos e que assegura aos indígenas o ensino da língua materna.
No entanto, a prefeitura de Jacareacanga menosprezou a determinação da Convenção 169 e o artigo 210 da Constituição Federal, ao demitir em massa 70 professores indígenas sob o argumento de que não tinham formação adequada para lecionar.
Após meses de impasses, a Justiça Federal ao acatar determinação do Ministério Público Federal, ordenou que a prefeitura restabelecesse a quantidade necessária de professores nas escolas indígenas do povo Munduruku.
A região é conhecida por ter grupos econômicos ligados ao garimpo e que são aliados da prefeitura local. Intimidações aos indígenas são frequentes. No dia 13 de maio uma manifestação promovida por garimpeiros, comerciantes e membros do Poder Público contra a presença dos indígenas no município terminou com dois munduruku feridos nas pernas depois de atingidos por rojões e bombas de gás lançados pelos manifestantes anti-indígenas.
Durante o ato, o secretário de Assuntos Indígenas, Ivânio Alencar proferia palavras de ódio contra os Munduruku. “Nós não estamos pra briga. Nós temos os nossos direitos garantidos. Se vocês quiserem vir pro pau vai ter pau nessa p*. Vamos tocar o pau. Vou rasgar o meu diploma de secretário e não quero nem saber. Vamos acabar com essa palhaçada agora, vocês vão sair agora seu bando de baitolas. Nós temos o direito, nós temos o direito”.
Porém o caso não é isolado, ele procede de ataques orquestrados e programados. O Poder Público na região promove constantemente ódio contra os indígenas e também é responsável por coordenar golpe em antiga associação representativa indígena, a Pusuru a fim de fragmentar e desmobilizar os Munduruku.
O movimento Ipereg Ayu dos Munduruku em assembleia geral decretou a extinção da Pusuru por considerarem uma série de desvios de conduta, citando inclusive a polêmica tentativa de acordo com a multinacional irlandesa, Celestial Green para venda de créditos de carbono em 2012.
Cimi – Emanuelle, qual tipo de trabalho que você desenvolve com os Munduruku da aldeia da Missão do rio São Francisco?
Emanuelle – Bem, eu aprendi a língua dos Munduruku, embora a prefeitura da região alerte aos funcionários para não se comunicarem na língua dos indígenas e não estabelecer contato mais assíduo e próximo, mas eu fiz o contrário aprendi a linguagem deles e acabei criando certo vínculo. No momento estou produzindo um projeto que visa alertar o “modus operande” do governo para conseguir estabelecer seus mega-projetos, o principal deles é a divisão de etnias e culturas tradicionais, para que percam o poder de luta.
O projeto pretende mostrar aos indígenas que já passaram pela mesma fase ou todas, e principalmente daqueles que na época inicial dessas fases se envolveram e foram manipulados aderindo à farsa que o governo propunha a eles, pensando que seria melhor pro seu povo.
Esses hoje sabem que foram manipulados, quem melhor do que eles para unificar as etnias, e mostrar que a verdade está ao lado sempre do que aprenderam com seus antepassados, isto é, a união faz a força.
Quando e por que você sofreu intimidações?
A prefeitura da região demitiu em massa 70 professores em fevereiro deste ano foi quando os Munduruku me pediram orientações sobre o caso.
A partir desse momento os indígenas começaram a se unir para terem seus empregos de volta, foi quando grupos econômicos e políticos tentaram me pintar de divisora de etnia e de influenciadora do anarquismo.
E qual foi o motivo que a prefeitura alegou sobre a demissão em massa?
A explicação da prefeitura foi a de que os indígenas não tinham nível suficiente para dar aula, que os indígenas ainda não haviam terminado o “Ibourebu”, o magistério indígena realizado pela Funai, mas os Munduruku ensinam a língua materna deles de 1° a 4° série, também arte, cultura e identidade.
Todos os alunos da aldeia ficaram sem aula e a Prefeitura contratou professores que ainda estavam cursando ensino médio, alguns “pariwat”, não-indígena na língua Munduruku e outros indígenas.
Se você demite professores alegando que não possuem experiência suficiente e contrata outros que cursam o ensino médio e que não falam a língua Munduruku, existe uma coisa errada aí.
Me acusaram de estar fazendo parte do movimento “Ipereg Ayu”, que na língua Munduruku significa “uma coisa que não se ultrapassa”, mas nunca cheguei a falar para os indígenas que eles precisavam se manifestar.
Só disse o que existia dentro da constituição para os professores indígenas tentarem reconquistar a vaga deles e dos artigos 210 e 213 que assegura aos indígenas poderem estudar enquanto lecionam. Como posso aliciar indígenas se estava ensinando a Constituição?
O que acha ter sido a verdadeira razão para a demissão em massa?
A demissão pra mim não foi em nível de estudo, mas sim para fragmentar os indígenas e acentuar o “modus operandi” dos reais interesses políticos existentes na região.
O secretário de Assuntos Indígenas de Jacareacanga afirmava que eu era uma ativista branca. E me recomendou fugir da casa dos professores, pois ela ia ser queimada, curiosamente após uma hora de eu ter ido embora a casa foi queimada, eu inclusive cheguei a escutar relatos na região de pessoas afirmando que iam queimar as casas.
No dia seguinte, 13 de maio, aconteceu uma manifestação de 500 pessoas contra os indígenas, a maioria das pessoas presentes no ato era composta de garimpeiros e comerciantes. O secretário de Assuntos Indígenas dizia durante o ato que os indígenas eram um bando de bêbados, deslegitimando o movimento.
Não me deixei intimidar. Só em um momento que tive de me esconder no dia da manifestação dos garimpeiros, isso porque eles estavam atacando a mando do secretário. Também no dia recebi informações de que dois homens estavam tentando me encontrar, aí eu tive que me esconder.
Você tomou alguma atitude perante essas ameaças?
Logo que cheguei em Itaituba (PA), fui a televisão falar sobre o caso, já que estes estavam expondo minha foto e dizendo o que queriam, também fui à delegacia, porém disseram que eu teria de fazer o Boletim de Ocorrência no município em que ocorreu o caso.
Iisso quer dizer, voltar à Jacareacanga mesmo que tendo sido ameaçada, então esperei a reunião com o Ministério Publico e passei meu relato ao procurador, Luiz de Camões Boaventura, com a assinatura dos indígenas que estavam presente, além de publicá-lo no site do Combate ao Racismo Ambiental.
As denúncias continuam e continuarão, infelizmente não consegui entrar com processo contra eles ainda, espero que o Ministério Público faça alguma coisa.