“Nossa educação ensina a criança ser sujeito construtora de sua história”
Por Maura Silva
Da Página do MST
Todo mês de outubro, o MST realiza a Jornada Sem Terrinha, que já se consolidou no calendário de lutas do Movimento.
São encontros que acontecem desde 1994 nos estados onde o Movimento está organizado, em que as crianças se envolvem desde sua preparação até a realização da atividade.
Por Maura Silva
Da Página do MST
Todo mês de outubro, o MST realiza a Jornada Sem Terrinha, que já se consolidou no calendário de lutas do Movimento.
São encontros que acontecem desde 1994 nos estados onde o Movimento está organizado, em que as crianças se envolvem desde sua preparação até a realização da atividade.
São momentos de muita mística, em que as crianças levam seu jeito de lutar, brincando, aprendendo e reivindicando.
Nesse sentido, Márcia Mara Ramos, do setor de educação do MST, relata a experiência do MST com as crianças ao longo desses 30 anos, e explica que o Movimento não tem apenas uma concepção de educação infantil, mas sim uma perspectiva de infância.
Segundo a educadora, a preocupação do MST com a formação dos assentados, em especial de suas crianças, está presente desde a origem do Movimento.
Dentro dessa perspectiva, com o passar dos anos, do desenvolvimento do grupo e das experiências obtidas em torno das escolas e atividades desenvolvidas nos assentamentos, essa dinâmica foi aprimorada.
E hoje, 30 anos depois, os espaços educacionais do MST são reconhecidos por levar acesso à educação de qualidade e formar seres pensantes, inseridos no seio da luta de classes e aptos a transformarem socialmente o meio em que vivem.
Garantir atividades de formação e escolas para crianças oriundas das lutas, dos enfrentamentos, dos violentos despejos, se tornou um desafio que o Movimento fez questão de abraçar se empenhando na construção de uma proposta de educação própria, com elementos que contrapõem os objetivos da atual escola que se configura enquanto espaço de poder.
No tradicional mês das crianças, o Movimento prepara a Jornada Nacional Sem Terrinha, com dias inteiros de atividades voltadas para as crianças. O que essa jornada representa?
É importante que ciclos de atividades para as crianças sejam especialmente pensados em qualquer lugar que exista um acampamento ou assentamento do MST, durante todo o mês de outubro.
São aulas, palestras e brincadeiras que inserem a criança no seu espaço de maneira lúdica e com respeito à infância.
O nosso objetivo é acabar com a comercialização e materialização dessa data. Queremos mostrar que ser criança é mais do que ganhar um brinquedo, é trabalhar para que ela entenda e participe ativamente do meio em que vive e, com isso, fazê-la crescer de maneira saudável, respeitando o seu espaço e o seu entorno.
Esse ano seguimos com uma agenda de reivindicações que incluem a solidariedade ao povo palestino, em especial as crianças, que são as que mais sofrem com a ocupação ilegal e com as privações impostas pelo Estado de Israel.
Além disso, continuamos na luta contra o fechamento das escolas rurais. Esse é um dos nossos maiores problemas, precisamos garantir uma educação de qualidade. Com o fechamento massivo das escolas, muitas crianças acabam parando de estudar por não ter como se deslocar até a cidade. Não podemos permitir que isso aconteça, o maior legado que podemos deixar a uma criança é a educação, e essa é uma das maiores preocupação do Movimento.
E qual a perspectiva do Movimento no desenvolvimento das crianças nos assentamentos?
No MST as crianças fazem parte da luta pela terra desde a fundação do Movimento. Existe a preocupação concreta de fazer com que essas crianças tenham um espaço educativo.
Dentro dos acampamentos e assentamentos sempre existiu a ideia de deixar esses espaços agradáveis e educativos, mas a nossa grande luta foi conseguir trazer a escola, propriamente dita, para dentro dos assentamentos.
Essa se configurou na primeira luta direta pelas crianças do MST?
Sim. Essa foi a nossa primeira luta em prol das crianças, a construção de escolas dentro dos acampamentos.
Mesmo após 30 anos do Movimento, essas crianças ainda são discriminadas nas escolas da cidade. O nosso objetivo é para que a escola seja dentro do acampamento, dentro do seu círculo de convivência. É um direito de toda criança.
Qual a proposta pedagógica do MST?
A inserção nos espaços educativos se estabelece dentro da perspectiva educacional do Movimento. O processo educativo do MST é forjado pela negação dessa educação capitalista que é colocada para as nossas crianças hoje em dia.
Dentro disso, as crianças não são ensinadas a serem críticas, a pensarem o meio em que vivem. A nossa sociedade é construída dentro dos moldes de conquista, do mercado e da individualidade. E não é essa a sociedade que o MST projeta, não é essa a perspectiva do Movimento.
Na prática isso aparece em quais ações?
Temos a Ciranda infantil que é um espaço que atende as crianças de 0 a 6 anos. A Ciranda representa para o MST a conquista de dois pólos fundamentais para o Movimento. O primeiro é o direito da criança a ter uma perspectiva voltada exclusivamente pra ela.
O segundo é a luta pelo espaço na participação da mulher dentro do nosso contexto de luta. Isso fez com que se ampliasse dentro do próprio Movimento o diálogo de gênero. Na compreensão do MST não é possível pensar infância sem pensar na questão das mães que lutam por seus filhos. A infância, a mãe, a mulher e as questões de gênero são intrínsecas.
E de que maneira a Ciranda é inserida na vida das crianças do Movimento?
Nós temos a Ciranda Itinerante que funciona dentro das reuniões, marchas, congressos e encontros. Nelas são desenvolvidas atividades no campo educativo, formativo, cultural e de luta.
Outro momento importante é a jornada Sem Terrinha, feitas nos mês de outubro. Nesse mês todos os estados brasileiros organizam atividades lúdicas, culturais e educacionais para as crianças. E as Cirandas fixas que estão nas escolas e nas cooperativas do Movimento têm uma rotina de atividades e formação permanentes.
É importante ressaltar que procuramos sempre trazer a tona os problemas atuais enfrentados pelas comunidades do campo. Uma das pautas que temos levantado é o fechamento de 37 mil escolas no campo. Além de denúncias contra o descaso do poder público nos assentamentos e acampamentos espalhados por todo o Brasil.
Dentro dos três principais objetivos do Movimento – luta pela terra, pela Reforma Agrária e pela transformação da sociedade – a Ciranda cabe o papel de pensar essa convivência infantil.
Precisamos entender que a responsabilidade pela formação do individuo passa por todos aqueles que cruzam o seu caminho. Por isso, as nossas crianças Sem Terrinha são desde cedo inseridas permanentemente dentro do contexto de luta.
A partir de processos formativos junto da própria comunidade, certamente essa criança será um adulto diferente. Isso não é preparar para o mercado como o sistema faz, e não é ideológico no sentido da alienação. É você proporcionar um espaço onde ela se compreenda como sujeito da própria historia.
E qual o impacto que o Movimento espera ter na formação dessas crianças?
Não queremos dissociar a criança da sua história. Nós queremos que nossos pequenos se reconheçam enquanto filhos e filhas da classe trabalhadora do campo, mas que também tenham uma compreensão de mundo.
Qualquer criança deveria ter esse contato. Ser ensinado a ser sujeito e dono de sua própria história. Para o MST isso é fundamental no processo de formação de uma nova massa crítica. É nisso que acreditamos enquanto Movimento, e são nesses pilares que a educação dentro do MST é pautada.