“Partido do agronegócio” invade escolas brasileiras
Por Maura Silva
Da Página do MST
Fundada em 1993 por empresários da cadeia produtiva, a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) foi criada com a missão de valorizar a imagem do agronegócio na sociedade civil e política.
Com discursos como “Agronegócio: sua vida depende dele”, a ABAG se insere dentro de escolas públicas para formar a “nova imagem” de um dos setores que mais lucra no país.
Por Maura Silva
Da Página do MST
Fundada em 1993 por empresários da cadeia produtiva, a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) foi criada com a missão de valorizar a imagem do agronegócio na sociedade civil e política.
Com discursos como “Agronegócio: sua vida depende dele”, a ABAG se insere dentro de escolas públicas para formar a “nova imagem” de um dos setores que mais lucra no país.
Para falar sobre a ABAG e sua inserção nas escolas públicas do país, conversamos com o professor doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e membro do Laboratório de Investigação em Educação, Ambiente e Sociedade, Rodrigo Lamosa.
Lamosa também é autor do artigo “A Hegemonia do Agronegócio: o capital vai à escola e forma seus novos intelectuais”.
Em sua opinião, os verdadeiros objetivos da ABAG estão mascarados dentro desse projeto de defesa do agronegócio?
O objetivo da ABAG, segundo eles mesmos anunciam em seus materiais, é defender os interesses daquilo que eles denominam como “agronegócio”, que na realidade é a unidade das frações da burguesia em torno do projeto agrário dominante.
Isto é realizado através da mobilização destas frações que ocupam os principais cargos na direção desta entidade. Ao longo dos últimos vinte anos a ABAG realizou um conjunto de ações no interior da Sociedade Civil, produzindo inserções na TV, projetos de valorização da imagem, articulações diversas, ao mesmo tempo em que inseriu seus intelectuais orgânicos no interior da Sociedade Política, ocupando espaços em ministérios, secretarias, comissões, agências, instituições públicas de pesquisa como a Embrapa e a própria USP.
E por meio do Programa Educacional Agronegócio na Escola, a associação incorpora os professores da Educação Básica enquanto intelectuais orgânicos de “baixa patente” como verdadeiros funcionários responsáveis por “valorizar a imagem do agronegócio”. Foi desta maneira que a ABAG se consolidou como o “Partido do Agronegócio” no Brasil.
Qual o papel dos docentes na difusão da realidade local da imagem do agronegócio?
Esta foi uma das principais questões tratada na pesquisa que resultou na tese de doutorado “Estado, Classe Social e Educação no Brasil: uma análise crítica da hegemonia do agronegócio”, defendida este ano.
Os docentes se inserem no programa de formas diversas, variando de acordo com o município e as escolas. Não é a ABAG que define os participantes. Ela faz o convênio com as prefeituras e envia um e-mail para as escolas convidando para participarem do programa.
Os diretores das escolas, então, definem o professor que será responsável, e este participa de uma “capacitação”. Entre os professores que entrevistei somente um afirmou ter sofrido assédio moral por parte da direção da escola para participar. Todos os demais professores afirmaram aderir voluntariamente ao programa da ABAG.
Estes profissionais são responsáveis por criarem nas escolas públicas os projetos de valorização da imagem do “agronegócio”, mediados pela cartilha “Agronegócio: sua vida depende dele”, pelas formações que recebem através de uma palestra com o ex-ministro Roberto Rodrigues e com funcionários das empresas associadas nas visitas programadas.
Estes projetos variam de acordo com as escolas, podendo resultar em feiras abertas à comunidade, jornais divulgados na cidade, elaboração de blogs, etc.
Qual o conteúdo dessa “capacitação” oferecida aos professores?
A “capacitação” realizada pela ABAG se divide em dois momentos. No primeiro momento os professores das redes de ensino conveniadas com a ABAG são convidados a assistir uma palestra com o ex-ministro Roberto Rodrigues, através da qual o “agronegócio” é apresentado como o modelo agrário moderno e sustentável, alternativo as demais formas de produção, apresentadas como arcaicas e símbolo do atraso.
O segundo momento ocorre nas visitas às associadas da ABAG, onde recebem novamente uma “capacitação” do que vem a ser o “agronegócio”, sua importância estratégica para o país e, destacadamente, para a valorização daquela região.
A distribuição desse material é pedagógico é legal?
Isto chegou a ser debatido no Conselho Municipal de Educação (CME) da cidade de Ribeirão Preto alguns anos atrás, mas não foi adiante. Esta questão também foi levantada no interior do Fórum Social de Ribeirão que organizou por algum tempo diversos setores de luta da região.
O Fórum chegou a ter deliberação contrário ao programa, mas não tenho nenhum relato sobre questionamento judicial. Ao longo das entrevistas realizadas pela pesquisa, esta possibilidade foi levantada por alguns entrevistados, mas até onde sei a denúncia ao programa se limitou ao CME de Ribeirão.
Você cita que após uma pesquisa de opinião, realizada em 2000, foi identificado que a imagem do agronegócio estava vinculada ao trabalho escravo e às queimadas. Após o projeto da ABAG foi criada uma nova imagem do agronegócio?
Segundo a própria ABAG sim. Eles fizeram recentemente uma nova pesquisa que mostra mudanças. A ação deles nos últimos anos se intensificou muito. Eles mobilizaram uma grande campanha nacional “Sou agro” com forte impacto nas emissoras de televisão, mobilizando inclusive muitos artistas, que tem grande penetração no senso comum.
O que acontece com o professor que se recusa a participar do projeto?
No início da pesquisa o primeiro professor que entrevistei havia tido um contrato temporário de trabalho com uma prefeitura que possuía convênio com a ABAG. Ele foi o único dos entrevistados que levantou a existência de um processo de assédio moral contra os professores contratados para que estes participem do programa.
Segundo este professor, muito docentes concursados não aceitavam participar do programa e as diretoras “empurravam” para os contratados. Estes, receosos com a avaliação no relatório que determina a prorrogação ou não do contrato temporário, acabavam aceitando.
No entanto, não entrevistei nenhum outro professor que confirmasse esta situação. Todos afirmaram terem aderido voluntariamente. A questão é que a ABAG precisa de apenas um único professor para inserir seu programa na escola, e isto torna a tarefa da diretora mais fácil.
Mesmo que muitos professores não queiram participar, ela precisa que ao menos um participe. Sobre esta questão, duas situações identificadas pela pesquisa merecem ser destacadas. A primeira é que a ABAG consegue entrar nas escolas com relativa facilidade, dentre outras razões, algumas das quais, inclusive, mais relevantes, pois encontra nas redes de ensino profissionais que experimentam condições precárias de trabalho e se iludem com a possibilidade de participar de um programa na crença de que encontrarão melhores condições para o exercício de sua função.
A segunda é que estas mesmas condições que favorecem a entrada da ABAG nas escolas públicas são as mesmas, segundo as entrevistas realizadas na pesquisa, que dificultam que muitos professores participem do programa até culminância, quando os projetos das escolas são avaliados e premiados. O limite do capital é o próprio capital.
O que a sociedade, movimentos sociais e organizações podem fazer para barrar o Projeto Político Pedagógico do Partido do Agronegócio?
Acho que a primeira coisa é mobilizar estas forças e resgatar as históricas bandeiras de luta da classe trabalhadora em torno da “reforma agrária” e da “escola pública, laica e gratuita”, entre outras.
Somente neste contexto poderemos avançar no sentido de barrar a ofensiva do capital. Esta luta é fundamental, pois ataca o cerne do projeto de reprodução ideológica da classe dominante.
É fundamental articular a luta sindical que se encontra completamente fragmentada e com a recomposição interrompida. De outro lado, precisamos avançar na formação de nossos militantes. A constituição de espaços como a escola Florestan Fernandes, empreendida pelo MST, e as parcerias com as universidades são exigências colocadas para a organização da luta.
Em Ribeirão Preto é urgente que esta articulação se realize. Vejo que há um momento propício naquela conjuntura para a rearticulação do movimento crítico ao programa da ABAG nas escolas.