Ocupação com produção 100% agroecológica deve virar assentamento no PR
Por Setor de Comunicação e Cultura do MST-PR
Da Página do MST
Na cidade de Castro, localizada a cerca de 170 quilômetros da capital paranaense, cerca de 150 famílias Sem Terra fazem do acampamento Maria Rosa do Contestado um território de denúncia e transformação permanente. A denúncia começou no dia 24 de agosto de 2015, quando os agricultores e agricultoras ocuparam a área denominada fazenda Capão do Cipó.
Apesar de ser propriedade da União, a fazenda de aproximadamente 400 hectares estava sendo usada ilegalmente pela Fundação ABC, instituição de caráter particular que realiza pesquisas agrícolas e pecuárias, através da filiação com as cooperativas agrícolas Castrolanda, Batavo e Capal-Arapoti. Desde abril de 2014 havia um pedido de reintegração de posse contra a Fundação ABC, com multa diária de R$ 20 mil reais.
A partir da denúncia sobre a ilegalidade do uso da área, as famílias transformaram a forma de cultivar a terra: antes, a Fundação ABC usava a área para testes de venenos, de insumos agrícolas, fertilizantes, herbicidas, inseticidas, experimentos de interesse do agronegócio e de multinacionais. Com a ocupação, as pesquisas continuaram, no entanto, voltadas ao desenvolvimento da agroecologia e para o desenvolvimento comunitário e do município.
“É uma contradição muito grande ver uma situação dessa. Uma área pública com 440 hectares da União gerando pesquisa e riqueza para um grupo do capital internacional, enquanto milhares de castrenses vivem aqui no município de Castro sem ter o direito de morar, sem espaço para ter sua casa e produzir na terra”, questiona Celio Meira, integrante da coordenação do acampamento Maria Rosa do Contestado.
A comunidade chegou a ser ameaçada de reintegração de posse imediata em julho deste ano, mas em audiência realizada em setembro o juiz Antônio César Bochenek, da 2ª Vara Federal de Ponta Grossa, decidiu suspender a liminar de despejo por 60 dias. Os dois meses tem servido para o avanço na definição de saídas justas para a situação, em que as famílias sejam assentadas de forma definitiva no local ou em outra área próxima.
No dia 29 de outubro, uma reunião administrativa entre representantes da comunidade, integrantes da Advocacia Geral da União (AGU), da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e de órgãos estaduais resultou em um compromisso com a apresentação de uma resposta por parte do Poder Público. Uma nova reunião será realizada nesta terça-feira (26), quando o futuro da comunidade deve se confirmar.
Opção pela agroecologia
“Nós produzimos sem veneno porque é bom pra nossa saúde e porque o nome já diz, é um veneno”. Essa é a explicação do agricultor Roque Ferreira Paiva, enquanto mostra sua produção e conta, orgulhoso, que todas as famílias da sua comunidade “vivem da terra” e cultivam alimentos agroecológicos.
Paiva sempre trabalhou na lavoura e, a maior parte da vida, utilizando veneno. “Eu era doente”, resume. “Hoje estamos aí há 4 anos e pouco, vamos dizer assim, sem comer veneno, e a saúde já é outra. Eu tinha uns problemas, manchas pelo corpo, e hoje não tenho mais nada. Sem o veneno é muito bom”.
Em uma estufa de 3 metros por 8, o camponês colheu cerca de 180 quilos de tomate orgânico este ano, utilizados para consumo da família e comercializados dentro do próprio acampamento. A produção também garante milho crioulo e arroz, além de legumes e hortaliças. “Quem está aqui vive da produção e da terra, é uma luta, mas estamos conseguindo”.
A opção pela produção agroecológica acompanha a comunidade desde o início do acampamento. As famílias recebem apoio técnico do Laboratório de Mecanização Agrícola (LAMA) da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Guilherme Pedrollo Mazer é engenheiro Agrônomo vinculado ao LAMA e acompanha o desenvolvimento agroecológico da ocupação há 4 anos. “Isso é muito importante para a sociedade, não só para as famílias que estão envolvidas nesse processo, porque elas estão alimentando pessoas e famílias da cidade com alimento de qualidade, sem agrotóxicos, e conservando o meio ambiente”, avalia.
A produção orgânica e agroecológica é feita a partir das sementes crioulas, aquelas que foram sendo adaptadas e conservadas durante gerações de agricultores e agricultoras. Para o engenheiro, esse trabalho é muito importante para biodiversidade, “porque hoje no Brasil há algumas poucas empresas que detêm todo o patrimônio genético que é da nação”.
Célio Meira, da coordenação do acampamento, vê o resultado da produção com prova da viabilidade da agroecologia: “Nós acreditamos e provamos que é possível produzir muito sem utilizar o pacote tecnológico que o agronegócio impõe. Nesses quatro anos, centenas de famílias conseguiram um espaço para morar e desenvolver a vida na sua plenitude, em parceria com o meio ambiente e também reivindicando que se cumpra a Constituição”.
O Coletivo de Mulheres da comunidade faz da produção agroecológica uma ação coletiva no momento da comercialização dos alimentos. “A coordenadora liga pra gente. Cada uma colhe e limpa, e depois um grupo faz a entrega na cidade”, descreve Sandra de Jesus, acampada que integra o Coletivo. As mulheres também se organizam para a produção conjunta de panificados, produtos de higiene pessoal, produtos de limpeza, e remédios naturais.
“Nós queremos ficar aqui. Tudo que nós precisamos para nossa sobrevivência, para alimentação, temos aqui. Nós somos muito felizes aqui”, resume a agricultora, mãe de três filhos.
Apoio da sociedade
Durante a 2ª Festa da Semente Crioula da comunidade, realizada em setembro deste ano, representantes de dezenas de organizações da sociedade social, de igrejas e setores do Poder Público manifestaram apoio à permanência da comunidade. Para Maurício Kusdra, vereador do município de Castro, o acampamento é um marco para a cidade e pode ajudar a suprir a demanda urbana por alimentos sem veneno, uma vez que não há produção expressiva deste tipo de produção na região.
“Poucos castrenses conhecem esse acampamento. Essas pessoas fazem parte da nossa cidade, fazem parte da nossa história, e elas não podem ser esquecidas, não podem ficar à margem dos direitos, elas também são cidadãos, também são seres humanos, que estão aqui lutando pelo direito à terra, e sobretudo pelo direito à vida”, garante o vereador. “O objetivo é encontrar uma conciliação para que fique bom para todas as partes, mas garantindo sobretudo o direito do ser humano que é o direito à terra, o direito à moradia e à alimentação, que está garantido na nossa Constituição”, completa.
“Nós estamos aqui nesse acampamento Maria Rosa onde as famílias são bastante humildes, que vieram de lugares diferentes, mas que trazem no coração, trazem na mente, uma ideia maravilhosa de produzir essa alimentação sem agrotóxico. Essa alimentação que é pura, saudável. Eles carregam dentro deles uma ideia maravilhosa, extraordinária. Em muitos lugares se perdeu essa ideia de cultivar os alimentos de maneira natural. Por isso eu sempre digo, ninguém segura o poder de uma ideia. Ela é pequena, mas vai se transformando e chega uma hora que vai contaminar o planeta inteiro”, diz o Frei Luiz Antonio Frigo, que atua em Ponta Grossa.
Rosângela Rigone, integrante da Cáritas, afirma que a igreja e as pessoas cristãs devem estar junto com as famílias, “porque essa é a função social da igreja, e é a real função de um verdadeiro cristão, levar ao próximo ao bem comum. A igreja é fundamental nesse sentido”. “É na agroecologia que vamos conseguir fazer uma alimentação sem agrotóxico, consiga ter uma vida saudável. A função social nossa, de todo o ser humano, é a vida, e aqui no Maria Rosa eles geram sementes e geram vida”, afirma.
Na avaliação do professor da UEPG Armando Silva, a ocupação Maria Rosa do Contestado é uma experiência que permite compreender as relações sociais: “A concentração de renda e de terra não é bom para a sociedade de maneira geral. Você tem um espaço onde as pessoas vivem, trabalham, retiram a tensão do centro urbano, recuperem sua dignidade no trato com a terra, produzam alimentos que são saudáveis, orgânicos, que vão retornar para cidade. Nós não podemos perder isso”.
*Editado por Fernanda Alcântara