Fórum de Direitos Humanos repudia fala racista de procurador do MP/PA

Em nota, entidades que compõem o Fórum repudiam atitude preconceituosa do Procurador Ricardo Albuquerque da Silva

Da Página do MST

Um áudio vazado esta semana nas redes mostra um procurador do Ministério Público do Pará, Ricardo Albuquerque da Silva, afirmando que a escravidão de negros no Brasil aconteceu porque “o índio não gosta de trabalhar. Até hoje”.

A fala racista foi realizada durante uma palestra a alunos de Direito de uma universidade em Belém. Na palestra, o procurador ainda afirma que não há “dívida nenhuma com quilombolas”. Diversos movimentos sociais demonstraram indignação às falas do procurador. Confira a nota emitida pelas diversas entidades do Fórum Estadual de Direitos Humanos.

NOTA DO FÓRUM ESTADUAL DE DIREITOS HUMANOS

O Fórum de Entidades de Direitos Humanos do Pará, que luta pela garantia de direitos fundamentais definidos pela Constituição Federal Brasileira de 1988 e por tratados internacionais, vem a público manifestar a indignação coletiva de entidades, movimentos, organizações, ativistas e frentes populares contra as declarações escancaradamente racistas proferidas pelo Procurador e Ouvidor Geral do Ministério Público do Pará, Ricardo Albuquerque. Em evento formalmente agendado com estudantes no prédio do MPPA, o procurador proferiu posicionamentos pessoais que geram suspeição sobre sua conduta e imparcialidade no judiciário do Estado.

Sua fala evidencia que o racismo institucional em nosso judiciário, tão denunciado por organismos de defesa da população negra e indígena no Brasil, não apenas existe como se personifica, através de posicionamentos tão preconceituosos que fazem duvidar de haver imparcialidade na atuação do procurador junto a Ouvidoria do MP.

Afirmar que acredita não haver dívida alguma com quilombolas significa não reconhecer que essas pessoas só formaram quilombos no Brasil porque foram sequestradas e trazidas para trabalhos forçados, sem remuneração, impostos com absoluta brutalidade e finalmente em 1888 expulsas destes mesmos locais, sem nenhuma condição de moradia ou subsistência, bem como não reconhece que muitos dos locais para onde foram ainda hoje representam muitas das áreas favelizadas nas cidades e comunidades. Após 300 anos sendo exploradas de todas as formas, descendentes destas pessoas estão a meros 130 anos esperando que a riqueza gerada pelo seu trabalho resulte no atendimento de seus direitos básicos e fundamentais.

Ao Ministério Público, cuja missão é defender os interesses da sociedade e garantir os direitos de cidadãs e cidadãos, não é admissível que coadune com o desrespeito, o preconceito e a ignorância total demonstrada pelo procurador em relação às pautas realmente defendidas pelo povo negro no Brasil.

O povo negro não precisa de seu dinheiro ou patrimônio pessoal senhor Ricardo Albuquerque, nunca reivindicou isso, nem atribui a sua pessoa qualquer relação presencial com fatos que a história registra para antes de seu nascimento. As cobranças feitas, que por serem acertadas passaram a fazer parte do ordenamento jurídico nacional, existem para obrigar o Estado brasileiro a cumprir o seu papel de forma igualitária para todas e todos cidadãos deste país. O que não ocorre justamente para com a população negra no Brasil.

É a coincidência que faz locais com maioria de pessoas negras terem os piores índices de investimentos públicos, maiores taxas de violência, piores indicadores sociais e maior precariedade nos serviços públicos? Ou há relação direta entre serem os descrentes desta população escravisada os que mais sofrem com a precarização da vida nos dias atuais?

Ao procurador é necessário explicar que a escravidão não foi um problema gerado pela recusa do indígena em trabalhar escravisado. A escravidão foi uma ação objetiva de portugueses que financiaram expedições de sequestro, encarceramento e comercialização de pessoas que até então não tinham nenhuma intenção de vir criar quilombos no Brasil.

Navegadores que chegaram armados até os dentes nestas terras, onde moravam milhares de pessoas que também não tinham motivo nenhum para passarem a trabalhar ostensiva e gratuitamente para tais invasores. A tal contingente populacional indígena a acusação de “não gostar de trabalhar” trata-se de uma fala que reproduz o discurso do colonizador, que considera “preguiça” a luta dos povos originarios contra a sua submissão e a defesa pelo seu modo de vida, sua cultura. É um discurso da elite branca contra indígenas e negros para justificar a exploração e a opressão contra o povo brasileiro, ainda hoje.

Portanto a escravidão só é culpa do povo escravizador, não dos povos escravizados.

Por terem sido trazidos a força e obrigados a trabalhar de graça, gerando o patrimônio que seguiu sendo administrado por descendentes destes portugueses, bem como outros europeus, seus agregados e associados, a população negra e indígena brasileira cobra receber do Estado os direitos civis que lhe são até agora negados, na forma de educação, moradia, saneamento, infraestrutura, segurança, soberania, direito a terra e equidade de oportunidades.

O Ministério Público do Pará é uma das instituições que existe para garantir que injustiças não ocorram por descumprimento da nossa Constituição e tem mais que obrigação de reconhecer a direta relação entre as injustiças sociais atuais e a pobreza imposta ao povo trazido contra sua vontade para trabalhar aqui e aos povos originários.

Afirmar que não existem dívidas para com as pessoas negras no Brasil é evidenciar uma posição que justifica a desigualdade social dos dias atuais, desvinculando-a dos mais de 300 anos de escravidão, oficialmente encerrada há poucos 130 anos, como se não fosse o modo de produção escravocrata a origem não apenas de quilombolas mas de toda uma população periférica de cidades brasileiras como Belém do Pará, da grilagem de terras rurais e urbanas, dos ataques a reservas ambientais e territórios indígenas.

É preciso explicar que nem este procurador, que deveria trabalhar sob a égide da função social do MPPA, nem nenhuma pessoa individualmente é cobrada pelos flagelos sofridos pela população negra e indígena, mas que como esta população construiu o país ao longo de mais de 300 anos de sua história e nunca foi paga tampouco ressarcida por estes anos de trabalho, sua argumentação sem base histórica, serve apenas para demonstrar o racismo com que analisa tudo o que passa por suas mãos.

Acreditamos que esta é uma posição isolada do Procurador e Ouvidor Geral do MPPA, Ricardo Albuquerque, e não da instituição Ministério Público do Pará, e exigimos apuração e responsabilização exemplar para combater o racismo institucionalizado.

Fórum Estadual de Direitos Humanos/Pará