Pronera reconstruiu e ressignificou sonhos de camponeses, afirma dirigente do MST na Bahia
Por Solange Engelmann
Da Página do MST
Após ter garantido o direito à educação pública para cerca de 167 mil alunos na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e formado 5.300 alunos em cursos superiores e outros 9 mil no ensino médio tradicional, em 21 de fevereiro deste ano o governo de Jair Bolsonaro publicou o Decreto 10.252, que extinguiu o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera).
O Pronera foi uma conquista dos movimentos sociais do campo e se transformou em política pública de educação do campo, em 16 de abril de 1998, por meio da Portaria nº. 10/98, vinculado ao gabinete do Ministério Extraordinário da Política Fundiária. Em 2001 foi incorporado ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
O programa funcionava em parceria com as instituições públicas de ensino, federais e estaduais, e com os movimentos e organizações sociais do campo na luta pela educação pública, gratuita e de qualidade, como um dever do Estado brasileiro.
Com o programa jovens e adultos de assentamentos de Reforma Agrária e comunidades rurais tiveram acesso a cursos de educação básica (alfabetização, ensinos fundamental e médio), técnicos profissionalizantes de nível médio, cursos superiores e de pós-graduação (especialização e mestrado).
Também atuava na capacitação de educadoras e educadores para atuar nos assentamentos e coordenadores locais – multiplicadores e organizadores de atividades educativas comunitárias na educação do campo.
Nesta última quinta-feira (16/4), o Pronera completa 21 anos e tem muito a comemorar, como pontua em entrevista a dirigente nacional do MST na Bahia, Lucineia Durães.
Confira a entrevista na íntegra:
Com a extinção Pronera pelo governo Bolsonaro, por meio do Decreto nº 10.252 como fica o direito à educação da população e comunidades do campo?
Com o decreto a educação da população do campo fica ameaçada. Nós trabalhadoras e trabalhadores rurais que abastecemos a mesa da população brasileira, uma vez que mais de 70% do que se come no Brasil é produzido pela agricultura camponesa, ficamos historicamente à margem da educação do nosso país. E o Pronera foi uma das medidas de reparação desse crime com a população camponesa. Esse Decreto criminoso do presidente Bolsonaro coloca mais uma vez a população rural à margem do latifúndio da educação, na condição de ser ignorantes.
Nesses 21 anos, o Pronera pode comemorar a esperança que foi semeada nas pessoas, que puderam aprender a ler e escrever e saber o quão libertador é esse processo. Nós temos condições e queremos escrever e reescrever a nossa própria história. Por isso, temos esperanças que como donos do nosso destino, vamos reestabelecer o processo democrático no país, onde toda a população tenha direito à educação e a todos os direitos básicos.
Como o Pronera mudou a vida de milhares de agricultores e filhos de trabalhadores do campo?
O Pronera atendia a população da Reforma Agrária [famílias assentadas e acampadas] e camponeses e camponesas. E foi um programa que teve a capacidade de ajudar as pessoas a reconstruir e a ressignificar os seus sonhos. Mudou a vida de muitos trabalhadores e muitas trabalhadoras rurais, porque trabalhava com a educação desde a alfabetização até o ensino superior e a pós-graduação. E isso é fundamental porque dentre os processos que nos deixam à margem, enquanto população do campo, é que na nossa educação tradicional é impossível dar seguimento a escolaridade.
Nesse aspecto, mudou a nossa condição que era de quem só poderia chegar até os anos iniciais e, por isso, grande parte da população camponesa permanecia analfabeta. O Pronera também contribuiu para mudança na vida das pessoas, e que o campo passasse a ser povoado por trabalhadores rurais, com identidade camponesa, professores e professoras, engenheiros agrônomos, advogados, jornalistas, diversos profissionais que agora compõem a população camponesa.
Qual o legado do Pronera para os movimentos sociais do campo e as comunidades rurais?
É a luta, porque é a luta que nos faz conquistar direitos. A motivação, sabendo que essa possibilidade não é mais uma possibilidade remota. Nós dos movimentos sociais e das comunidades aprendemos que é possível sonhar e que é possível concretizar esses sonhos, num momento tão difícil que estamos vivendo no país. Pois vemos a cada dia nossos direitos sendo saqueados.
Reafirmamos o nosso sonho e a firmeza ideológica de que é possível construir uma sociedade melhor. E essa sociedade, sem dúvida, se desenha a partir das letras e do conhecimento. Enquanto sujeito coletivo, os movimentos sociais reafirmam a nossa luta, em busca de educação do campo, que é um direito fundamental para uma sociedade civilizada, humana, justa e igualitária.
*Editado por Wesley Lima