“Pantanal não é visto como espaço onde vive gente”, avalia agricultora Miraci
Por Campanha permanente contra os agrotóxicos e pela vida
O Pantanal tem sofrido com o avanço do agronegócio a tentativa de excluir sua porção seca dos limites do bioma. A maior planície inundável do planeta, que abrange 2% do território brasileiro, tem sido diariamente atingida pelo uso intenso de agrotóxicos na região. Esses impactos vão além da biodiversidade, afetando não somente animais, mas também as pessoas que vivem ali.
É nesse sentido que a animadora de sementes tradicionais do Grupo de Intercâmbio em Agroecologia – GIAS e assentada da reforma agrária do MST em Mato Grosso, Miraci Pereira Silva, critica a forma como a sociedade vê esse território, durante a conversa ao vivo, mediada por Fran Paula, da FASE e da Campanha Contra os Agrotóxicos. “O Pantanal não é visto como um espaço que vive gente. Parece que o Pantanal é um espaço onde só tem tuiuiu, onças, animais e uma grande criação de gado. Não se fala que tem uma imensidão de pessoas, de povos com sua cultura e seus costumes que, há séculos, vivem nessa região e tiram dela seu sustento, a vida, de geração em geração”, avalia ela.
Os povos indígenas e comunidades quilombolas têm uma importância extremamente estratégica para manter a biodiversidade no Pantanal. Portanto, destruir estes povos e seus conhecimentos é ameaçar a existência de um bioma que tem impactos diretos na vida de toda a população brasileira.
O biólogo Leosmar Antonio, pertencente ao Povo Terena e à Organização Coletivo Ambientalista Indígena de Ação para Natureza, Agroecologia e Sustentabilidade – CAIANAS, no Mato Grosso do Sul, criticou diretamente o atual modelo de agricultura que tem colocado em risco uma região que desempenha um papel importante na conservação dessa biodiversidade e dos povos que ali vivem. “Os povos indígenas têm uma importância extremamente estratégica para manter a biodiversidade no Pantanal. Muitas das nascentes e das fontes que abastecem esse território alagado estão nos territórios indígenas. Somos importantes para a preservação da biodiversidade pantaneira”, afirmou.
Porém, o que vemos são governantes direcionando seus esforços e políticas públicas para beneficiar grileiros, garimpeiros, madeireiros, o latifúndio e o agronegócio na região. Inclusive, no início deste ano de 2020, o presidente em exercício, declarou em alto e bom tom seu pensamento que reflete a ideologia nazifascista e afirma o genocídio e omissão de seu governo com esta parcela da população.
Declarações essas que incentivam ações de violência contra territórios indígenas e quilombolas. Segundo dados do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 21 terras indígenas com registros da presença de povos isolados foram invadidas por madeireiros, garimpeiros, grileiros, caçadores e extrativistas vegetais. “Se no passado sofremos ataques pelas armas biológicas, atualmente, o coronavírus nos impõe o mesmo risco. E os agrotóxicos vêm como mais uma arma para se somar a estes mecanismos que também tentam aniquilar os povos indígenas”, denunciou.
O Mato Grosso do Sul é campeão de assassinato de povos indígenas, seguido pelo Amazonas e Maranhão. Segundo dados da CPT, desde o início de 2020, indígenas e quilombolas tem sido vítimas de assassinatos e ataques que deram continuidade à escalada de violência que atingiu os povos tradicionais e originários no ano passado. O número de lideranças indígenas mortas em conflitos no campo, por exemplo, foi o maior em pelo menos 11 anos.
Em meio a esse cenário, mais uma vez, os povos constroem a resistência e a sobrevivência. E é dessa partilha do fruto do trabalho, de uma outra forma de produzir alimentos sem veneno que a Miraci abordou na conversa. “Os povos tradicionais têm uma forma bonita de fazer a festa da semente, reúnem várias comunidades da região e cada um leva a semente que cultiva. E aquelas sementes que com o tempo haviam perdido, conseguimos resgatar, é um compromisso que nós temos com a vida. Se a gente não fizer isso, vamos perder a riqueza e o patrimônio que é a semente”, afirmou. As sementes crioulas são um patrimônio da humanidade, é tarefa e responsabilidade de cada uma/a cuidar desse patrimônio cultural.
Para acompanhar a conversa na íntegra, acesse a live gravada no canal da Campanha permanente contra agrotóxicos e pela vida!
*Editado por Luciana G. Console