Vila Santa Cruz, onde a união é a arma contra os estilhaços do autoritarismo
Por Regis Luís Cardoso
Da Página do MST
Eu nunca levei um tiro. E você? Lembro que no filme “A Guerra dos Pelados (Guerra do Contestado)”, de Sylvio Back, tem um trecho que diz: “bala de canhão só mata o corpo”. Confesso que não vou tentar tirar essa prova.
Mas a questão é: quem tem coragem de colocar sua alma na linha de fogo? Tem gente que acaba, mesmo que de forma involuntária, colocando.
Descobri essa história num sábado, 1º de agosto, durante União Solidária entre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Sindicato dos Petroleiros do Paraná e Santa Catarina (Sindipetro PR e SC), quando famílias de Curitiba e região receberam 28 toneladas de alimentos e 400 cargas de gás.
Tudo surgiu de uma forma espontânea. Dois personagens carismáticos e reais durante a ação em Araucária, mais precisamente na comunidade Santa Cruz. Lá pude presenciar a força do laço de sangue entre mãe e filho.
Trata-se de Sidneia Alves dos Santos e Adriano Alves.
Confesso que não imaginava, ao conhecer aquele jovem de 17 anos, que iria aprender de forma nua e crua a farsa da tal meritocracia, por exemplo.
Ou receber uma verdadeira aula de resistência da sua mãe, uma zeladora desempregada devido aos ferimentos ocasionados pela violência policial durante uma reintegração de posse.
Ela, ao contar o que lhe aconteceu, deixou claro o quanto a violência policial e a intransigência do estado prejudicam pessoas que correm pelo certo.
Cheguei ao Santa Cruz e logo vieram duas pessoas da comunidade perguntar sobre as doações de alimentos e do gás de cozinha. Houve um atraso em outra região e isso deixou os moradores um pouco apreensivos.
Estava curioso para saber mais sobre a região, foi quando Adriano convidou para uma caminhada pela comunidade. Ele me levou ao ponto mais alto daquele lugar. Lá onde o jovem vai para lembrar como o Santa Cruz cresce!
No papo, percebi que a força desse cara está no seu DNA. Isso porque ele falava orgulhoso da sua mãe, Sidneia. Se hoje ela está desempregada, é por culpa dos estilhaços deixados pela Guarda Municipal de Araucária.
Situação essa que uniu os moradores. Após o ato violento, se intensificou ações conjuntas, aumentou a solidariedade e o número de moradias. Detalhe: tudo que lá é construído vem dos próprios punhos das trabalhadoras e trabalhadores da região.
Vale lembrar que todos ali lutam por legalização dos terrenos. Já houve inclusive estudos sobre a questão ambiental no local. Eles contrataram um profissional para provar que as moradias não afetam a nascente de um rio que passa por lá.
E já na ‘finaleira’ daquele dia conheci um jovem do MST que estava militando na ação. Um morador do assentamento do Contestado, na Lapa. Lembrei disso, porque há semelhança entre a questão da regulamentação de terra e a reforma agrária, que ainda não foi resolvida em pleno 2020, com o que aconteceu com os pelados no início do século passado.
Por isso a referência do filme “Guerra dos Pelados”, pois há um trecho que diz:
“todos os irmãos se aproximem, não tenham medo, eles querem meter medo na gente, mas bala de canhão só mata o corpo. Esse chão enorme, todos vão ter o seu pedaço, por bem ou no muque. Os ‘coroné’ é tudo farinha do mesmo saco, por isso, temos que continuar juntos, não é por nós, é pelos ‘piá’”.
*Editado por Fernanda Alcântara