Desafios da educação do campo é tema da Jornada da Juventude no Nordeste
Por Jamile Araújo
Da Página do MST
O tema da educação foi uma das bandeiras trabalhadas na 11ª Jornada Nacional da Juventude Sem Terra, realizada entre os dias 10 e 15 de agosto, com o lema “Juventude em luta, pela vida e por direitos”. Entre os principais objetivos da jornada estavam: construir estratégias de resistência ao projeto de morte em curso, seja através da retirada de direitos, da fome ou do avanço da contaminação do coronavírus, bem como ampliar a organização e enraizamento nos territórios, através de ações na área da produção de alimentos, agroecologia, cultura, arte e comunicação.
No que diz respeito à educação, entre as pautas estavam a volta às aulas, o fechamento das escolas do campo e os ataques ao Programa Nacional de Educação em Reforma Agrária (PRONERA). A partir da pressão aos estados e municípios pelo retorno de algumas atividades, entre elas o retorno às aulas presenciais, a Juventude Sem Terra também denunciou que esse retorno, sem haver o controle do avanço da contaminação e das mais de 100 mil mortes provocadas pela COVID-19 no Brasil, coloca em risco a vida da população pela maior possibilidade de proliferação do vírus, além do agravamento das desigualdades sociais.
Jailma Lopes, do Coletivo Nacional de Juventude do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), reitera que “a Juventude Sem Terra, reafirma seu compromisso em defender a vida e de denunciar, através da luta, que a volta às aulas na pandemia é crime”.
Lopes explica que, durante a jornada, diversas ações de solidariedade à população mais afetada pela COVID-19 e de denúncia às medidas do governo Bolsonaro foram realizadas, ampliando também a campanha do #ForaBolsonaro e a campanha nacional “Volta às aulas na pandemia é crime”.
Ela explica que, historicamente, o MST sempre lutou contra o fechamento das escolas do campo que, neste período de pandemia e suspensão das aulas presenciais, tem sofrido ainda mais golpes por parte do Estado, com o projeto do esvaziamento, precarização e desmonte da educação pública brasileira. Assim como a transferência dos investimentos públicos para as iniciativas privadas da Educação à Distância (EaD).
“A proposta de volta às aulas nada tem a ver sobre ‘salvar o ano letivo’, ao contrário, trata de um conjunto de medidas daqueles que vêm atacando a educação desde o golpe, ao aprovar a Emenda Constitucional – EC 95 que congela os investimentos em saúde e educação. Os ataques continuam e o Fundo de Financiamento da Educação Básica – FUNDEB, hoje a principal fonte de recursos da educação básica, respondendo por mais de 60% do financiamento de todo o ensino público básico do país, que vai do infantil ao ensino médio, corre o risco de ter o texto retalhado por emendas que retira a porcentagem mínima do Custo Aluno Qualidade (CAQ) da proposta inicial”, pontua Jailma.
No que diz respeito a continuidade das atividades formativas em tempos de isolamento social, Jailma afirma que no MST aprendeu que a educação, a escola e a formação, são mais do que espaços físicos ou um intervalo de tempo destinado a estudar e pressupõem a integração e intervenção com os territórios e as realidades vigentes no nosso país. Nesse período de crises generalizadas, em que o povo tem sofrido pelo vírus em meio a uma profunda crise econômica, política, social e ambiental, a escola de formação fundamental da Juventude Sem Terra é intervir nessa realidade.
“É por isso que, desde o início da pandemia, temos construído a política de solidariedade. Temos nos dedicado a tarefas do isolamento produtivo nos nossos territórios, dedicando a cultivar a vida, na construção do nosso Plano Nacional de Plantio de árvores, na produção de alimentos saudáveis; como também a tarefa de ser educadoras e educadores populares, combatendo a desinformação, a partir das ferramentas da comunicação popular, da arte, da cultura e das várias técnicas de agitação e propaganda, assim como temos nos dedicado a estudar em casa e entender o período que vivemos”, conclui Jailma.
Educação do campo na região Nordeste
O MST está presente em nove estados na região Nordeste, com aproximadamente 55 mil famílias acampadas e 70 mil assentadas. Várias escolas foram conquistadas ao longo dos seus 36 anos de história na luta pela construção da Reforma Agrária Popular, sendo o direito à educação pública e de qualidade, em específico a educação do campo, uma das
bandeiras trabalhadas pelo Movimento.
A professora Kamila Karine, do Coletivo de Educação MST da Paraíba, afirma que o cenário da educação do campo é extremamente preocupante. Segundo a professora, foram 80 mil escolas fechadas no campo brasileiro em 21 anos, entre 1997 e 2018, o que representa quase 4 mil escolas fechadas por ano. A situação na região nordeste é mais agravante ainda.
“O levantamento foi atualizado com base nos dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP. O problema é especialmente mais grave no Nordeste, onde foram fechadas mais de 40 mil escolas, isto é mais da metade do total de escolas fechadas no campo no país, sendo que a Bahia foi o estado que mais fechou escolas no campo no período, com 12.815 mil escolas fechadas”, destacou ela.
Kamila explica que no início de 2020 houve mais um ataque do governo Bolsonaro aos movimentos populares e aos trabalhadores do campo, através do ataque direto ao PRONERA, por meio do decreto nº 10.252, publicado no Diário Oficial de 21 de fevereiro de 2020, que reorganizou a estrutura do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), enfraquecendo programas importantes para o desenvolvimento dos Sem Terra e Quilombolas.
“Nessa reestruturação, o governo extingue a coordenação responsável pela Educação do Campo. Assim, ficando inviabilizada a continuidade do PRONERA, voltado para a formação superior de estudantes do campo”, pontua a professora.
Há o entendimento, por parte dos membros do Movimento, de que não é de hoje que a política pública voltada para melhorias de vida no campo vem sendo sucateada. “Recentemente, avançamos minimamente diante deste decreto, avançamos como conquista importante, o retorno da Educação do Campo por meio do PRONERA como atribuição do INCRA. No entanto, percebe-se que, tal como aparece: ’promover, articular e apoiar a educação formal aos jovens e adultos beneficiários do PRONERA, em todos os níveis de ensino’, abre margem para interpretação de que tem direito aqueles que já estão nos cursos em andamento, uma vez que o termo ’beneficiários do PRONERA’ substitui o termo ‘beneficiários da Reforma Agrária’”, ressalta ela.
De acordo com Kamila, entre as estratégias construídas em torno da defesa da educação do campo e do PRONERA estão:
– Ampliar e proteger o PRONERA: Atualmente são 39 projetos/cursos com instrumentos vigentes, ou seja, em andamento no Brasil. Sendo que 12 destes têm previsão de finalizar no ano corrente.
– Articulação com o Fórum Nacional de Educação do Campo (FONEC) tem sido um importante espaço para assegurar o PRONERA, para se manter vigilante e assumir uma posição firme contra a implementação do EaD no momento atual, contra as medidas burocráticas e padronizadas que se limitam a pautar o calendário escolar durante a pandemia, ao invés de criar condições materiais necessárias para proteger a vida e os direitos dos sujeitos educativos, para minimizar os impactos do distanciamento social.
Campanha “Volta às aulas na pandemia é crime” e Audiência Pública com secretários estaduais
Na última quinta-feira (20), o MST lançou a campanha “Volta às aulas na pandemia é crime”, se posicionando contra o retorno das aulas presenciais nas escolas. Em trecho de uma carta em defesa da educação e da vida, o MST reitera: “Nós, do MST, somos contra o retorno das aulas e entendemos que este é o momento de priorizar a vida e os cuidados em suas várias dimensões. Neste sentido, temos realizado diversas ações solidárias como doação de máscaras, produtos de higiene e alimentos saudáveis (totalizando mais de 3.100 toneladas) e marmitas solidárias (mais de 50.000 até o momento)”.
Para atender as especificidades da região Nordeste, o MST está chamando uma Audiência Pública, na próxima segunda-feira (24), com a presença de secretários de educação estaduais, parlamentares e trabalhadores da educação, para debater e construir um plano estratégico de educação em tempos de pandemia. Ela será transmitida das 10h às 12h pelo Canal do Centro de Formação Paulo Freire.
“Terá como objetivos socializar o Plano Emergencial de Educação nas áreas de Reforma Agrária no Nordeste e discutir a situação educação com relação a volta às aulas e como estão pensando em encarar as questões de avançar no acesso da educação básica (infantil ao ensino médio) nos territórios da Reforma Agrária. Não é hora de salvar o ano letivo, é hora de salvar vidas”, finaliza Kamila.
*Editado por Luciana G. Console