Finapop mobiliza a captação de recursos para a agricultura camponesa nordestina
Por Lays Furtado/MST
Da Página do MST
Após a primeira operação de lançamento do Financiamento Popular (Finapop) – que beneficiou a produção agropecuária cooperativa do Rio Grande do Sul –, em uma segunda operação é a vez da região Nordeste receber linhas de crédito financeiro para aprimorar sua cadeia produtiva e de distribuição de alimentos da Reforma Agrária Popular.
O anúncio foi feito no final do último mês, durante transmissão ao vivo, contando com a presença do investidor Eduardo Moreira, os governadores Rui Costa (Bahia), e Flávio Dino (Maranhão); além do dirigente nacional do MST, João Pedro Stédile; e as representantes das primeiras cooperativas contempladas pelo Finapop na região nordeste, Sheila Rodrigues, Maria Alzerina Carneiro e Lucineia Durães.
Os projetos já aprovados somam investimentos de R$5 milhões na região nordeste, que serão aplicados principalmente nas áreas de fruticultura, caprinocultura, ovinocapricultura, produção de mel, entre outras atividades. A ideia é beneficiar as principais cadeias produtivas de alimentos típicos da região, onde já existe um acúmulo de experiências, mas poucas formas de acesso à investimentos de forma desburocratizada.
Eduardo Moreira afirma que, em um terceiro lançamento do Finapop, seja realizada a captação de um montante de R$25 milhões, que beneficiará outras 10 cooperativas. As primeiras propostas aprovadas no nordeste contemplam a Cooperativa Regional dos Trabalhadores Apícolas Assentados e Assentadas da Reforma Agrária (Cooperamel), no Ceará; a Cooperativa dos Cacauicultores Familiares do Estado da Bahia; a Cooperativa Mista das Áreas (Coopecaba) de Reforma Agrária do Vale do Itapecuru (Coopevi), no Maranhão; e a Associação de Pequenos Produtores Rurais do assentamento Barra da Onça, em Sergipe.
Com o lançamento do Finapop Nordeste, as cooperativas de todos os estados nordestinos aguardam análise de seus projetos para concessão de créditos para investimentos, em meio a um cenário onde se buscam soluções para a crise econômica e de subsistência alimentar acentuada durante a pandemia.
Sobre as propostas aprovados
“Se Deus quiser, a cooperativa vai andar, igual as cooperativas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, porque os cooperadores lá tem recursos. Com essa cooperativa nós queremos nos livrar dos atravessadores, porque o atravessador ganha tudo e nós não ganhamos nada”, declara Valdeci de Souza, assentado e integrante da Cooperamel.
Sheila Rodrigues, representante da Cooperamel, assinala que “esse financiamento vem mais que financiar, vem multiplicar. Nós vamos ter um impacto de mais de 40% na renda das famílias e vamos ter um número de trabalho direto de mais de 200 pessoas, isso sem falar dos beneficiários diretos, que são os apicultores”. O projeto inclui garantir certificação orgânica ao produto, e ampliar o Entreposto do mel no sertão central do Ceará, que poderá instalar equipamentos necessários para expandir a capacidade produtiva do mel de 1 tonelada/dia para 6 toneladas/dia.
Na região sul da Bahia, a representante da cooperativa Coopecaba, Lucineia Durães, afirmou durante o lançamento da operação que esse investimento, no ponto de vista de recuperação da lavoura, vai colocar o cacau com maior produtividade “onde a gente possa investir na formação de agricultores e agricultoras; então sem dúvidas, vai ser possível sair de uma renda de R$6.300 de hectares/ano, para uma renda R$9.000 hectares/ano.”
Em defesa da iniciativa, ela comenta: “Na nossa perspectiva, é lutar contra as cercas. As cercas do medo, da fome, do latifúndio, da ignorância, da falta de acesso. É por isso que acessar essa possibilidade que o Finapop nos oferece é fundamental para a gente brindar e concretizar esse nosso sonho de uma região cacaueira com mais rentabilidade e com mais sorrisos no rosto de quem produz e de quem consome.”
Maria Alzerina Carneiro, representante da Coopevi, diz que ao longo de 4 anos de existência a cooperativa tem se desafiado a produzir alimentos saudáveis e agroecológicos, e o Financiamento Popular possibilitará o aumento da produção de farinha para fazer que ela chegue na mesa de todos os trabalhadores e trabalhadoras, do campo e da cidade. “Estamos falando de uma cooperativa que trabalha não só com a mandioca, mas também com a produção de grãos, hortaliças; tendo como principal produto a farinha Terra e Vida, produzida aqui no assentamento. Estamos falando de uma cooperativa que beneficia diretamente 1.000 famílias no Vale do Itapecuru, no assentamento Cristina Alves.”
No alto sertão sergipano, o investimento será na produção de laticínios do assentamento Barra da Onça, onde há 221 famílias que atuam de forma cooperativa na produção de 25 mil litros/dia de processamento. Além do leite, produzem e comercializam queijo coalho, iogurte, entre outros derivados.
É o que assinala Francisco Souza, presidente da associação e um dos trabalhadores locais. “Nossa produção de leite aumentou muito nos últimos anos, pois incorporamos tecnologias para a reprodução de gado e aumentamos a capacidade de armazenamento. Além disso, nosso leite é de alta qualidade e tem distribuição garantida”.
Como funciona?
Antes do Finapop, as cooperativas já contavam com a opção de aquisição de créditos via o Financiamento a Agricultores e Produtores Rurais Familiares (PRONAF – Agroindústria), veiculado ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com taxas de juros parecidas com as do Finapop. Porém, o grande diferencial entre um e outro parece concentrar-se na desburocratização no processo de aprovação desses projetos, que via PRONAF pode demorar até 4 ou 5 anos.
Isso porque os bancos tradicionais dão prioridade de investimentos aos grandes produtores/as e seus projetos, mesmo sabendo que 75% dos alimentos que estão na mesa do povo brasileiro advém da produção da agricultura familiar, de pequeno porte.
Alexandre Conceição, dirigente nacional MST, defende a ação. “O Finapop é um grande movimento daqueles que querem investir na saúde, na vida, no alimento saudável; o movimento popular que não conseguem ter, neste momento, nenhuma brecha com os bancos, porque os bancos não financiam a agricultura familiar, financiam apenas o agronegócio e os agrotóxicos.”
João Pedro Stédile, dirigente nacional do MST, conta que as cooperativas que tiverem seus projetos aprovados pelo Finapop terão 1 ano de carência, enquanto estiverem estruturando a execução do investimento creditado. E após o beneficiamento desses produtos, esses/as produtores/as terão um prazo de até 5 anos para devolver o dinheiro do investimento à agência emissora de crédito.
Por outro lado, a vantagem para pequenos/as e médios/as investidores/as, é que terão uma aplicação em dinheiro que pode render 2 ou até 3 vezes mais do que uma caderneta de poupança, realizando um investimento seguro. Considerando que a taxa de inadimplência desses pequenos/as agricultores/as via PRONAF, por exemplo, é irrisória. Isso comprova que mais do que ninguém em meio à cadeia econômica, que esses/as pequenos/as produtores/as são geradores/as de riquezas de forma concreta e que atendem as expectativas do mercado de investimentos, alimentando uma economia rentável e sustentável.
“Ele (o investidor) vai receber de retorno cerca de 4 a 5% e a agência vai repassar esse dinheiro na forma de empréstimo à uma taxa de juros também de 4 a 5 %. De maneira que quem empresta o dinheiro vai receber mais do que se aplicar na poupança e as cooperativas terão um mecanismo mais desburocratizado e flexível” – explica Stédile.
Expectativas de aprovação de novos projetos
Entre os outros estados ainda não contemplados pelo financiamento, agricultores/as acumulam expectativas. Na região do sertão pernambucano, no município de Santa Maria da Boa Vista, um dos projetos construídos possibilitaria apoio à implantação de uma central de abastecimento de produtos, como a manga, melancia, acerola, cebola, feijão, banana, melão e uva.
“Esse centro de distribuição irá beneficiar e agregar valor aos produtos dos agricultores, como também é uma forma de divulgarmos o papel da Reforma Agrária para o país e para as pessoas, e reconhecer que quem coloca o alimento na mesa das pessoas é sim a agricultura familiar camponesa, dando vida digna pras pessoas do campo e da cidade ”, declara Adailton Cardoso, que faz parte da comissão elaboradora de projetos.
Para o assentado e produtor, Evandro de Carvalho, do município de São João, no Piauí, o crédito poderia beneficiar todas as 200 famílias do assentamento Lisboa, com uma ação dentro da cadeia produtiva da apicultura, tendo em vista que esse é um dos estados que mais produzem mel à nível nordeste. Segundo ele, “esse projeto reacende o compromisso das famílias assentadas, tendo em vista que esse grupo já desenvolve a ação há mais de 15 anos. Hoje tem aproximadamente mais de 250 colméias produzindo, dentro de um grupo de 20 famílias, e com o projeto a gente se propõe a adquirir mais 200 colméias para ampliar a linha de produção, bem como a aquisição de alguns itens e indumentárias essenciais para a produção do mel.”
No município de Ceará Mirim, Rio Grande do Norte, Márcio Mello, responsável pelo setor produção, explica que com o acesso ao crédito, a cooperativa investirá em um dos principais produtos da região, a mandioca, alimento que é muito presente na cultura gastronômica regional. Dessa forma, irão adquirir máquinas e equipamentos para implantar uma agroindústria, a fim de realizar o processamento da macaxeira a vácuo, pré-cozida e congelada; beneficiando o produto, favorecendo a comercialização local e institucional.
A proposta foi debatida com as famílias agricultoras, prevendo o beneficiamento entre 8 associações produtoras cooperadas. O resultado esperado é que além de proporcionar treinamento para 80 trabalhadores/as do campo, a renda mensal dos/as mesmos/as sairia de R$550 para R$1800, com a expansão da produção para 6,6 toneladas/mês, o que poderia gerar um faturamento anual até 5 vezes maior do que o atual.
Além do mais, todos esses agricultores acreditam que a proposta do Finapop irá abrir um espaço para a implantação de novas práticas organizacionais e produtivas nas comunidades rurais. Por isso, a vêem como uma oportunidade que irá contribuir para o fortalecimento do associativismo e do cooperativismo.
Que mundo você quer financiar com seu dinheiro?
O Financiamento Popular conhecido como Finapop, surgiu no início da pandemia, como uma proposta alternativa de acesso ao crédito destinado aos agricultores/as camponeses/as de assentamentos e acampamentos do MST. A iniciativa é tomada pelo movimento em parceria com o investidor Eduardo Moreira, e é inspirada em experiências já consolidadas baseadas na sustentabilidade de uma economia ética – onde pequenos/as e médios/as investidores/as são provocados/as a realizar investimentos de forma consciente, levando em consideração para que fins serão empregados.
“Você já parou pra pensar que o dinheiro que você coloca no banco financia alguma coisa? Porque o dinheiro não pára no banco, ele é um meio, mas não é um fim. Então o dinheiro vai para o banco, e de lá ele vai pra outro lugar.” – salienta Eduardo Moreira.
Este modelo de serviços financeiros, tem como exemplo, o Banco Triodos, com sede na Holanda, que só concede crédito para empresas e instituições de atuam em beneficiamento de cunho social, ou que operam em favor ao meio ambiente – como é o caso, de empresas nas áreas de energia solar, agricultura orgânica, e assim por diante. Sendo assim, oferece créditos para associados/as que passam pelo crivo de uma análise de impacto “positivo”. Só em 2018, o Banco Triodo gerou receita de 266,2 milhões de euros, destacando publicamente com transparência os detalhes de todas as organizações para as quais investem recursos financeiros.
Ciente sobre como funciona a especulação financeira, o ex-banqueiro Eduardo Moreira alerta sobre as armadilhas do capital financeiro, da qual devemos nos preservar e contrapor: “Tem dinheiro seu no Itaú, no Bradesco, nesses bancos, que pode estar financiando uma fábrica de armas. Tem dinheiro seu que pode estar financiando uma empresa de agrotóxico.”
Segundo Eduardo, a busca de investidores/as para o Finapop já está garantida, e que agora, os próximos passos devem ser voltados em conceder créditos também a outros/as agricultores/as camponeses/as, não só do MST, privilegiando a produção de alimentos saudáveis e agroecológicos. Para mais informações, dispõe do email: [email protected].
*Editado por Fernanda Alcântara