Organizações latino-americanas realizam debate sobre incentivos aos agrotóxicos

Com participação de ex-relator da ONU, atividade virtual ocorre logo após a fala evasiva do governo brasileiro na 45ª sessão da ONU às denúncias do ex-relator.

Da Página do MST

O cenário latino-americano de desregulamentações e flexibilizações em relação aos agrotóxicos, com destaque para o Brasil, é tema de debate online realizado nesta quinta-feira (24), às 10h (horário de Brasília). A atividade, desenvolvida pela Terra de Direitos e Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, conta com a participação de organizações e movimentos populares do Brasil, Argentina e México para relatos e reflexões sobre as conjunturas presentes nos diferentes territórios.

A atividade conta com a participação de Baskut Tuncak, ex-relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre substâncias e resíduos tóxicos, e de organizações sociais e movimentos populares da América Latina. Na atividade o ex-relator deve abordar as recomendações feitas ao Brasil.

Os cenários mexicanos e argentino de uso dos agrotóxicos serão relatados por Fernando Bejarano, da Red de Acción sobre Plaguicidas y Alternativas e Fernando Cabaleiro, advogado na organização Naturaleza de Derechos, respectivamente.

A complexa conjuntura brasileira será abordada por pesquisadores, lideranças sociais e integrantes de organizações sociais e movimentos populares. A professora na área de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Cariri (UFCA), Ada Pontes Aguiar, deve trazer aspectos vinculados aos impactos à saúde pelo consumo e exposição aos agrotóxicos. Karen Friedrich, biomédica e pesquisadora, integrante da Rede Irerê de Proteção à Ciência, também aborda a necessidade da valorização científica e de apoio aos pesquisadores e pesquisadores, especialmente no tema dos agrotóxicos.

Já a integrante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Antônia Ivoneide, aborda a adoção de uma política favorável ao agronegócio – de uso intenso de agrotóxicos, em detrimento de apoio à pequena agricultura e de base agroecológica.

O uso de agrotóxico como arma química será um dos pontos abordados por Nilce Pontes Pereira, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, e Graciene Munduruku, Liderança indígena do CITA, Conselho Indígena Tapajós Arapiuns.

A atividade será conduzida pela assessora jurídica da Terra de Direitos e integrante da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Naiara Bittencourt.

“O objetivo do debate é contribuir com uma ponte regional de organizações de direitos humanos, movimentos sociais e pesquisadores para a denúncia de violações de direitos humanos causadas por agrotóxicos na América Latina, indicando trabalho em rede. O foco prioritário é desdobrar as discussões promovidas com a visita do ex relator especial da ONU sobre direitos humanos e substâncias e resíduos tóxicos, Baskut Tuncak, ao Brasil, dando visibilidade e acesso às recomendações para a sociedade civil brasileira”, destaca Naiara.

Recomendações ao Brasil

Após visita ao Brasil em dezembro do último ano, o agora ex-relator entregou ao organismo internacional na semana passada um contundente relatório sobre como o país tem flexibilizado normativas e estimulado o uso dos agrotóxicos no Brasil, mesmo os de alta toxidade e proibido nos países de origem. “O enorme uso de agrotóxicos está resultando em graves impactos sobre os direitos humanos no Brasil”, destaca um trecho do documento. Acesse aqui o relatório (documento em inglês).

Na ocasião da vinda ao país, a Campanha Permanente entregou um dossiê para Baskut sobre a grave problemática dos agrotóxicos no país. O documento sistematiza um conjunto de medidas recentes adotadas pelo governo e dados de intoxicação à população e contaminações ambientais. O material também relatava a obstrução de canais institucionais de diálogo entre a sociedade e o poder público, como o Consea, e a ocupação de assentos responsáveis pelo tema. Sob atual comando de Teresa Cristina, ruralista e ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) tem usado dos seus expedientes para avanço do registro desses produtos químicos.

Com mandato encerrado em meados deste ano, o relatório foi apresentado aos Estados-membros nesta segunda-feira (21) por Marcos Orellana, novo relator designado para o tema, durante a 45º sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Orellana voltou a recomendar a abertura de um inquérito de investigação sobre o país e a realização de uma sessão especial sobre proteção à Amazônia.

Evasivo, o governo não respondeu ao conjunto de denúncias sobre a política de estímulo ao uso dos agrotóxicos. A embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo presente na sessão e representando o país declarou que o Brasil possui “regulações fortes” para a proteção do meio ambiente.

“Não é possível afirmar, como fez o governo brasileiro, que temos uma forte legislação de proteção ambiental. Só no caso de agrotóxicos, não são poucos os instrumentos de flexibilização que avançaram amplamente nos últimos anos, como é o caso das Resoluções Colegiadas da ANVISA de 2019 que alteram a classificação toxicológica dos agrotóxicos ou mesmo da Portaria 43/2020 do MAPA que visava o registro “tácito de agrotóxicos”. Somente neste governo tivemos o registro de 818 produtos, muitos destes proibidos na União Europeia”, declara Naiara. Destes mais de 800 registros liberados durante o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) mais de 300 novos registros ocorreram durante a pandemia, momento em que a atenção está fortemente dirigida para questões relacionadas à saúde e o papel do Estado.

“Esperava-se do governo brasileiro que trouxesse dados e elementos concretos que contrapusessem os dados de envenenamento da população por agrotóxicos. No mesmo sentido, o governo não foi capaz de contestar as recomendações elencadas, demonstrando o que tem feito para garantir a saúde e segurança da população contra a aprovação desenfreada de agrotóxicos”, sublinha Naiara.

Ela ainda contesta a fala da embaixadora de que o relatório apresentado por Baskut não possui um caráter técnico, portanto, invalidando-o. “Desqualificar o documento, acusando-o de político ou questionando o seu inegável caráter técnico, é uma maneira equivocada que apenas demonstra a falta de compromisso do governo com direitos humanos das populações afetadas, especialmente agricultores familiares, trabalhadores rurais, indígenas e quilombolas”, complementa.


Webinário Agrotóxicos e violações de direitos humanos na América Latina

Dia 24 de setembro, das 10h às 12h (horário de Brasília)

A atividade será em português e terá tradução simultânea para o inglês e o espanhol.Participe!

Inscrições pelo formulário:

https://zoom.us/webinar/register/WN_aJdgXchHShKOihvftyEn_g

*Editado por Fernanda Alcântara