Enegrecendo novembro pelas mãos da menina Carolina Maria de Jesus
Por Simone Magalhães*
Da Página do MST
Carolina, novembro de 2020 chegou enquanto eu lia tuas lembranças de menina em seu Diário de Bitita. Sim, já foram muitos novembros sob meus olhos. Outrora, o novembro chegava anunciado pelas homenagens às almas. Lá na casa de Vó Anete, se esperava a tarde chegar para acender as velas aos finados, espiar a chuva, tida como certa nesta data e aguardar pelo delicioso prato rápido da carne do sol frita e farofa d’ água quando a energia faltava.
Mas agora a espera é outra, Carolina. Quando novembro chega, nem lembro mais que vai chover na certa, lembro agora que com ele temos o Dia da Consciência Negra. Sim, é no dia 20, data em que é lembrado o assassinato de Zumbi dos Palmares, que neste 2020 completa-se 325 anos de sua morte.
O dia 20 de novembro assumiu tal importância no Brasil porque carrega com ele o significado da luta do povo preto por liberdade, contra o sistema colonial-escravocrata e a exploração do trabalho. É o dia em que reconhecemos a nossa história, a nossa cultura, a nossa ancestralidade.
Aquele 13 de maio, que é contado na escola como o símbolo da Abolição da escravatura representa apenas uma formalidade, Carolina, que, na prática, favoreceu apenas às elites agrárias deste país, que a utilizaram para barganhar mais privilégios junto ao Estado.
Lélia Gonzalez nos conta que o 13 de maio foi transformado pelo povo negro como o Dia Nacional de Denúncia do Racismo: “trabalhador negro de hoje não pode misturar Zumbi de Palmares (20/11) com Princesa Isabel (13/5): O primeiro tem a ver com aquilo por que estamos lutando, uma sociedade justa e igualitária, ao passo que a segunda só tem a ver com aquilo contra o que lutamos. Não é por acaso que o vinte de novembro tenha sido assumido, por nós, como o Dia Nacional da Consciência Negra. Treze de maio, na verdade, é ‘festa de branco'”, explica ela.
Por sua libertação, Carolina, os negros tiveram de lutar muito, fazer rebeliões, levantes, fugir das fazendas… Você mesma nos conta, com suas palavras: “os brancos, que eram os donos do Brasil, não defendiam os negros. Apenas sorriam achando graça de ver os negros correndo de um lado para o outro. Procurando um refúgio, para não serem atingidos por uma bala”. É por isso, Carolina, que o Dia da Consciência Negra é importante e precisa ser um momento de reflexão, pois a pobreza, a discriminação, a exploração e as violências continuam a atingir principalmente o povo preto em nosso país.
É bem verdade que não se deve refletir sobre esta situação só no mês de novembro, mas denunciar as desigualdades sociais e raciais e fazer a resistências o ano inteiro. Não temos como sair dessa luta, Carolina, enquanto não destruirmos o sistema do capital, patriarcal e racista! Mas é também verdadeiro que enegrecer o novembro é mais um momento para soltar o grito de pavor e de resistência do povo preto no Brasil.
O novembro negro, Carolina, é um pouco daquelas noites do mês de agosto, quando vocês se agrupavam ao redor do seu avô para ouvi-lo falar sobre a escravidão e Palmares: “Falava dos Palmares, o famoso quilombo em que os negros procuravam refúgio. O chefe era um negro corajoso de nome Zumbi. Que pretendia libertar os pretos. Houve um decreto: quem matasse o Zumbi ganharia duzentos mil-réis e um título nobre de barão”, contou ele.
Acho que é um pouco disso, Carolina, desse lugar de memórias e resistências que o novembro negro pode ser ou nos oferecer…
Texto inspirado pelas lembranças de Carolina Maria de Jesus, em Diário de Bitita.
São Paulo, 03 de novembro de 2020.
*Militante do MST e membro do coletivo Terra, Raça e Classe do MST.
*Editado por Solange Engelmann