Em 2020, camponeses da Palestina foram ameaçados por ‘acordo de paz’ e fizeram ações de solidariedade
Por Ludmilla Balduino
Da Página do MST
O 29 de novembro foi instituído, pela ONU em 1947, como o Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino. Nesta mesma data, há 73 anos, a ONU aprovava o Plano de Partição da Palestina ou a Resolução nº 181, que decidiu pela partilha do território da Palestina histórica para o estabelecimento de um estado judeu e um árabe, sem qualquer consulta aos habitantes locais.
A criação do estado de Israel sobre o território palestino gerou uma histórica opressão aos palestinos chamada pelos árabes de “Nakba”, cuja tradução literal é “tragédia”. Comunidades inteiras foram despejadas de seus territórios originais, forçadas a migrar para outras áreas. Reações à migração forçada foram (e continuam sendo) respondidas com violência por parte de Israel.
O ano de 2020 começou com uma grande ameaça aos territórios palestinos: em janeiro, o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e seu aliado, o primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, fizeram uma espécie de festa para celebrar um acordo de paz entre Israel e Palestina. A “festa” do acordo de paz não teve participação de palestinos, e entre os projetos, estava a anexação israelense do Vale do Jordão, que representa 30% da Cisjordânia.
O território da Cisjordânia foi ocupado por Israel desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967, mas, tomando como base o direito internacional, a maioria dos países considera ilegais os assentamentos judeus que existem até hoje na região, originalmente pertencente à Palestina. Hoje, esses assentamentos ilegais, não reconhecidos como legítimos pela comunidade internacional, abrigam 600 mil judeus israelenses.
Com a pandemia de coronavírus, as negociações sobre a anexação pareceram esfriar. Mas, de acordo com Moayyad Bsharat, diretor de projetos da União dos Comitês de Trabalho Agrícola (Union of Agricultural Works Committees – UAWC, em inglês), a pandemia não retardou o processo de anexação, e as ameaças de militares e colonos israelenses continuam ocorrendo, afetando mais de 40 aldeias de agricultores, camponeses e trabalhadores palestinos na região.
Fundada em 1986 por um grupo de agrônomos palestinos, a UAWC é uma das maiores organizações não-governamentais para o desenvolvimento rural da Palestina. Desde a sua criação, a instituição vem formando comitês na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, trabalhando junto aos camponeses e implementando programas e atividades comunitárias. Leia a entrevista com Moayyad Bsharat, diretor de projetos da UAWC, na íntegra:
MST — Qual é a luta prioritária da UAWC hoje em dia?
Moayyad Bsharat — Temos muitas prioridades, porém a mais urgente está relacionada com as políticas de ocupação israelenses, que são iguais ao plano de anexação. Os israelenses anunciaram que querem anexar 43 aldeias e áreas da Cisjordânia ao Estado de Israel. A UAWC fez todo um trabalho para apoiar essas comunidades a lidar com esse problema e para que continuem firmes e resilientes nessas áreas. Outras prioridades estão em dar continuidade sempre à defesa dos direitos dos agricultores, apoiá-los em todos os níveis, desde o cultivo de suas terras até o melhoramento, para garantir o acesso deles à terra. Para as mulheres, a UAWC trabalha de forma contínua para empoderá-las econômica e politicamente, especialmente nas comunidades agrícolas e pastoris. A UAWC começou com uma prioridade e trabalha até hoje, que é de atingir o seu objetivo principal: a soberania alimentar dentro dos territórios palestinos.
Que tipos de ameaças o ano de 2020 trouxe para a UAWC? Parece que os militares israelenses aceleraram suas ações aproveitando o momento de pandemia. Como foi isso?
Os israelenses enviaram muitas mensagens aos diplomatas europeus, pedindo para interromper o trabalho com a UAWC. Nós, desde 1986, trabalhamos com os agricultores e trabalhamos no apoio e fortalecimento da luta dos pequenos agricultores. A UAWC também trabalha para empoderar as mulheres, os jovens e para defender os direitos dos agricultores. Nós, a União dos Comitês de Trabalho Agrícola, como uma organização registrada em acordo com o Ministério do Interior Palestino, denunciamos que as ocupações israelenses são falsas. Eles não trabalham na terra, mas protegem as áreas da colonização dos assentamentos por meio das autoridades de ocupação israelenses. Por outro lado, as autoridades israelenses aceleraram sua ocupação militar na Área C, especialmente no Vale do Jordão, fazendo demolições, despejos e confisco de terras nas bases diárias.
Que conclusões a UAWC tirou sobre a eleição de Joe Biden como presidente dos EUA? Na perspectiva palestina, considerando sua luta, você acha que a situação pode mudar agora que Trump não será mais presidente?
Os presidentes mudam, mas a administração dos Estados Unidos permanece a mesma. Os Estados Unidos da América consideram Israel o policial guardião de seus interesses na região árabe. É fato que nem todos os governos anteriores fizeram o que Trump fez a Israel. Como palestinos, não esperamos que o apoio dos EUA a Israel pare. Por exemplo, a Cisjordânia está completamente ocupada e sob regime militar de ocupação. Da mesma forma, Israel continua implementando o plano de anexação de 43 comunidades palestinas, e esse plano foi aprovado pelo governo dos Estados Unidos. Mesmo que Biden seja pressionado para impedi-lo, na prática ele está sendo implementado em um ritmo muito rápido.
Parece que este foi um ano difícil para os palestinos e especialmente para aqueles que vivem na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Como vocês se organizaram durante esses meses de pandemia?
Na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, o estado de emergência da Autoridade Palestina começou em março de 2020, e durante esse período, a partir de 2 meses, a Cisjordânia foi fechada e o movimento foi restringido entre as províncias, para evitar e reduzir o número de infecções por Covid-19. Durante esse período, nossa equipe trabalhou em conjunto para apoiar a maioria dos pequenos agricultores e famílias para enfrentar fortemente esta pandemia, e apoiá-los em geral. A UAWC implementou muitas campanhas para apoiar os agricultores locais. As ações da UAWC na Cisjordânia e na Faixa de Gaza abrangeram mais de 225 locais, especialmente em áreas na Cisjordânia.
Você pode nos contar um pouco mais sobre como foram essas ações?
A UAWC implementou muitas atividades. A primeira foi apoiar as famílias, especialmente os pequenos agricultores e as famílias mais pobres, com kits de higiene para evitar e reduzir o alto número de infecções por Covid-19. Durante esse período, a UAWC distribuiu mais de 1.500 kits de higiene para as famílias em mais de 225 localidades, especialmente na Área C, na Cisjordânia. Além disso, a UAWC, através da campanha “Unidos contra a Covid-19”, distribuiu mais de 570 mil mudas de hortaliças para apoiar os agricultores a cultivar as áreas ao redor de suas casas para ter alimentos saudáveis o suficiente, que é uma das principais coisas para atingir o nosso objetivo principal, que é o da soberania alimentar. A UAWC também distribuiu mais de 2500 cestas básicas para famílias na Cisjordânia. Ainda este ano, fizemos ações de solidariedade. Nossos fazendeiros e nossas cooperativas agrícolas enviaram alimentos para a cidade de Belém, que ficou muito tempo fechada por causa da Covid-19.
Em 2021, a ONU dá início à Década da Restauração do Ecossistema. Quais são os planos da UAWC relacionados à restauração de ecossistemas para os próximos anos?
A UAWC sempre trabalhou na maioria dos seus programas e projetos para cobrir essas questões sobre o meio ambiente e as mudanças climáticas que a década de Restauração Ecológica da ONU promove. O mais importante para nós é trabalhar e continuar trabalhando com as sementes locais. A UAWC tem um banco de sementes com 40 variedades de espécies vegetais locais. Essa biodiversidade é conservada pela UAWC desde 2003 e o uso de sementes nativas é uma das principais ações para mitigar a questão das mudanças climáticas e proteger o meio ambiente. Além disso, enfrentamos as empresas multinacionais que roubam a nossa comida e a nossa colheita. A UAWC também trabalha para continuar a recuperar árvores que foram arrancadas pelos colonos israelenses, autorizados a desmatar pelas autoridades de ocupação israelenses. A UAWC continuará a cultivar as plantas, as árvores e as sementes locais. Também estamos manejando gado através da reabilitação de áreas de pastagem. O objetivo dessas atividades é apoiar os pequenos agricultores e pastores e, ao mesmo tempo, mitigar as mudanças climáticas e proteger o meio ambiente.
Você pode deixar um recado para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, por favor?
Uma mensagem aos nossos camaradas e amigos do MST: vocês e nós estamos nas mesmas condições. No nosso caso, a ocupação israelense é um sistema de colonização; eles apenas tomaram a terra para si, confiscaram, e forçaram os palestinos a fazer migrações forçadas de suas próprias casas, de nossa própria terra. Israel, como um estado, não respeitou as leis internacionais, e não respeitou os acordos de Genebra. Portanto, nossa mensagem aos nossos amigos do MST é que vocês e nós estamos na mesma posição contra as políticas neoliberais, o sistema de colonização, as empresas multinacionais e o monopólio da agricultura. Então, como o slogan da Vía Campesina diz, queremos globalizar a luta, porque trabalhamos para fazer solidariedade internacional uns com os outros, como humanos, como agricultores. Em qualquer lugar, no Brasil, na Palestina, somos os mesmos, e envio o nosso apoio, as nossas saudações de camponeses e fazendeiros palestinos, aos nossos amigos do MST. Além disso, desejamos que todos os camponeses do mundo tornem-se mais fortes para combater a Covid-19 e, assim, ver vocês novamente entre nós na Palestina, na época da colheita da azeitona, como membros do MST participaram nos anos anteriores.