Friedrich Engels: bicentenário de um dos maiores dirigentes da classe operária internacional
Por Coletivo do Setor de Formação do MST
Da Página do MST
Por tudo o que se queira homenagear, celebrar, refletir sobre sua teoria, é preciso reconhecer que Engels foi e continua sendo um dos maiores dirigentes da classe operária internacional. Vivenciar o seu legado na atualidade é indispensável, sobretudo, para a crítica do capitalismo contemporâneo e sua incapacidade de solucionar as crises. Também é indispensável pois sua contribuição teórica e vocalização política deram ao movimento operário internacional as condições de sua emancipação humana.
De posse da contribuição teórica de Engels, que juntamente com Marx instrumentalizou a luta dos trabalhadores, a nossa principal tarefa é continuar reunindo todos os esforços para organizar a classe trabalhadora e, ao mesmo tempo refletir sobre o que seu pensamento, sua elaboração teórica e a sua prática política, nos dizem nos dias de hoje.
Manter viva essa memória é tão importante quanto continuar a organização e a luta, pois, esse legado de indivíduos e processos coletivos servem de orientação aos processos atuais, complexos e contraditórios nos quais estamos envolvidos e buscamos dar nossa quota de contribuição.
Engels nos ensinou que a humanização da própria humanidade – nosso grande desafio e projeto político estratégico -, não será construída nos marcos de uma sociedade regida pelo capital e, pelas relações sociais fundadas na propriedade privada dos meios de produção e que nela se estabelecem, mas, sim, em uma sociedade na qual o ser humano e, mais especificamente a classe trabalhadora, será o centro do seu desenvolvimento, baseado em relações de cooperação e solidariedade entre todos. Continua, portanto, a necessidade da luta pela transformação dessa ordem capitalista e a necessidade da revolução.
Fica o convite a cada militante popular e socialista em conhecer um pouco mais sobre a vida e obra de Friedrich Engels. Um revolucionário que dedicou sua vida à luta política, na elaboração teórica e nos aspectos organizativos da classe operária mundial. Cabe a cada um de nós e, coletivamente, fazermos esse esforço de interpretação e re-atualização de elementos e aspectos da sua obra, percebendo a vigência das categorias de análise, uma vez que as contradições sociais e políticas presentes em sua época permanecem e continuam seu desenvolvimento, continuam vigentes, sem que para elas tenham sido encontradas soluções duradouras.
O texto conta com uma breve aproximação do legado do autor e convite para leitura de sua obra, disponível em publicações da Editora Expressão Popular e de outras editoras com o compromisso de levar adiante a batalha ideológica, tão necessária nos tempos atuais como no tempo histórico vivido por Engels. A síntese que une esses tempos históricos é a luta por uma sociedade socialista, por isso plenamente humana.
Quem foi Friedrich Engels?
Friedrich Engels foi um revolucionário, escritor, jornalista, economista, filósofo, teórico político alemão e industrial. Nasceu na atual Alemanha, em 28 de novembro de 1820. Era filho de Elise Engels e Friedrich Engels, descendendo de uma família de atividades comerciais e industriais.
Engels viveu até os 22 anos na Alemanha, quando começa a trabalhar na fábrica de tecidos do pai, em Manchester, na Inglaterra. O período em que Engels trabalhou na fábrica foi essencial para o seu desenvolvimento teórico. Observando as condições de vida e de trabalho dos operários, Friedrich passou a criticar o regime capitalista.
Em Manchester, Inglaterra, Engels, que já se posicionava a favor da liberdade, contrário à opressão de classe, passou a conviver com a realidade dos operários. Essa convivência resultou na obra A Situação da Classe Operária na Inglaterra, escrita aos 25 anos de idade. A obra “constitui uma terrível acusação contra o capitalismo e a burguesia; é a obra que melhor representa a situação do proletariado contemporâneo […] Nem antes de 1845 nem depois se fez uma descrição tão brilhante e verdadeira dos sofrimentos da classe operária”. (Lênin)
Em 1844 iniciou uma amizade com Karl Marx na capital francesa, Paris, nascendo uma parceria de importância inigualável para o proletariado do planeta. Ambos eram da Prússia Renana, estudiosos de Hegel e de inclinação política à esquerda. Atuaram junto na atuação política, em estudos, teorias e obras. Junto com Karl Marx fundou o chamado socialismo científico.
De 1845 a 1847, Engels viveu em Bruxelas e Paris, dedicando-se ao estudo e à militância. Ele e Marx entraram em contato com uma associação secreta denominada Liga dos Comunistas. Os componentes da Liga pediram aos dois companheiros dessem sua contribuição às ideias esboçadas. Surgiu o célebre Manifesto do Partido Comunista, publicado em1848. As ideias expressas no Manifesto forneciam ao proletariado um projeto político que o orientasse a se organizar e agir de modo a modificar sua condição de vida e trabalho.
Em 1848, estoura uma revolução popular na França, que se espalhou pela Europa Ocidental, a assim denominada Primavera dos Povos. Marx e Engels voltaram para Alemanha, dispostos a pegar em armas. Marx foi preso e expulso e Engels se engajou, combatendo em quatro batalhas. “Todos que o viram sob o fogo, falam de seu excepcional sangue frio e absoluto desprezo pelo perigo” (Eleanor Marx).
Com a derrota da insurreição, Engels voltou a trabalhar na fábrica do pai em Manchester, para ajudar os exilados, inclusive a família de Marx. Engels, foi o principal colaborador de Karl Marx e se converteu em um dos mais importantes teóricos e estrategistas do movimento socialista revolucionário. Sua obra é vasta e profunda, contemplando uma análise econômica da história e a organização social de vários países europeus, como Inglaterra, Alemanha, França e Rússia. Também analisou as guerras sob uma perspectiva econômica, bem como a cosmovisão cristã aplicada aos levantes camponeses por sociedades igualitárias, localizados na sua obra As Guerras Camponesas na Alemanha (1850).
A obra de Engels dificilmente pode ser dissociada da obra de Marx e seu papel na teorização do marxismo não foi secundário, mas fundamental. Além de estudar, observar, levantar dados, fazer análises e produzir artigos e livros, Engels foi um militante político pela organização do proletariado europeu e pela propagação das ideias marxistas. Participou da formação da Liga dos Justos, da Liga Comunista, da Primeira Internacional Socialista e do Partido Social-Democrata Alemão.
Engels não era reformista, mas revolucionário. Ambicionava uma revolução social, de viés totalizante, abrangente, que lançasse as bases sociais para uma sociedade sem divisão de classes, sem propriedade privada dos meios de produção.
Em 1878 Engels decidiu abrir mão de suas atividades na empresa familiar e dedicar-se exclusivamente à difusão do comunismo por meio de artigos em jornais e revistas, assim como na aproximação de dirigentes socialistas notórios nos diversos países europeus. Foi um dos criadores da Associação Internacional dos Trabalhadores. Após a morte de Marx, em 1883, Engels finalizou e publicou o segundo e o terceiro volumes da obra mais importante de Marx, O Capital.
Ao contrário do que se pensa, Engels não teve um papel coadjuvante na elaboração do marxismo. Algumas das obras que escreveu sozinho foram cruciais para o desenvolvimento da teoria marxista, tais como Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico e A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado.
Faleceu em 5 de agosto de 1895, em Londres, Inglaterra, vitimado por um câncer no esôfago. Nos seus funerais, Wilhelm Liebknecht, líder operário, discursou: “Nele, teoria e prática se fundiram num todo único”.
Qual a principal contribuição teórica de Engels?
Engels deu sua contribuição própria à teoria do socialismo científico, ao estender à natureza a concepção materialista da dialética, uma vez que Marx se dedicou ao ser social. A contribuição engelsiana conferiu ao marxismo o caráter de filosofia, dada a generalização metodológica e teórica, contendo uma concepção de mundo, não apenas da sociedade.
Os seus últimos 12 anos de vida, Engels dedicou-os à edição do segundo e terceiro volumes de O Capital. Ao morrer, em 14 de março de 1883, Karl Marx tinha concluído apenas o primeiro volume. Deixou anotações sem ordem, e Engels dedicou-se a decifrar a letra do companheiro, apreender a essência do seu pensamento, concatenar as ideias e chegar a uma estrutura lógica, o mais próxima possível do modo de Marx expressá-las.
Após a morte de Max, Engels também passou a orientar o movimento operário europeu, respondendo a consultas sobre método, problemas localizados, criticando e estimulando camaradas. E nunca abandonou a condição de cientista social.
A partir das pesquisas antropológicas de H. Morgan, lidas e anotadas por Marx, formulou a teoria marxista do Estado, na obra A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, cujos pressupostos já estavam em sua obra anterior e na de Marx, mas não de forma sistêmica e embasada na história e na antropologia.
Seu último trabalho, em 1895 foi o prefácio à reedição de As Lutas de Classe na França, de Karl Marx. Nele, Engels faz considerações sobre o desenvolvimento da luta de classes e situa, pela primeira vez na teoria marxista, a distinção entre guerra de movimento e guerra de posições.
O seu maior mérito foi demonstrar que o socialismo não é uma invenção de sonhadores, mas “resultado inevitável do desenvolvimento das forças produtivas da sociedade atual”. Resultado que não brota espontaneamente. Advém da luta das classes sociais – burguesia e proletariado – que estão em lados contrários ante as forças produtivas. Jogam interesses opostos na sociedade e entram em luta para resolver os seus interesses.
Engels, comungando do mesmo pensamento de Marx, considerava que a sociedade capitalista se dividia em duas classes sociais: os exploradores (proprietários dos meios de produção, das fábricas, das terras), ou seja, os burgueses, a burguesia; e os explorados (os despossuídos desses meios de produção), os proletários que vendiam sua força de trabalho para sobreviver.
A partir dessa principal característica da sociedade capitalista analisada pelos socialistas científicos (exploradores X explorados), poderemos compreender as teorias que alicerçaram as bases do socialismo científico.
A primeira dessas teorias foi o materialismo histórico: segundo Engels e Marx, todos os movimentos políticos, sociais e intelectuais da história foram determinados pelo modo de produção da vida material. Este condicionaria o conjunto dos processos da vida social, política e cultural e os sistemas de valores (ideologia), ou seja, a esfera econômica prevaleceria e sobreporia outras esferas sociais: a cultura, a política.
O materialismo dialético se constituiu como uma das fundamentais teorias que formaram a base do socialismo científico. A principal ideia dessa teoria é que nunca devemos pensar que o mundo pode ser considerado um complexo de teorias e fenômenos acabados, mas de processos que estão em constantes transformações.
Outra teoria do socialismo científico se baseou na luta de classes propiciada pela divisão da sociedade capitalista entre exploradores e explorados. Segundo Marx e Engels, sempre que existir o antagonismo de classe, existirá o confronto entre as classes sociais antagônicas (exploradores X explorados). Essas diferenças sociais foram expressas através da luta econômica, passando pela luta política até a luta armada (revolução proletária). Segundo o socialismo científico, a luta de classes é o motor que transforma e impulsiona a história, e os trabalhadores são os promotores das transformações sociais e históricas.
A teoria da mais-valia completa o alicerce do socialismo científico. O intuito dessa teoria foi demonstrar como os trabalhadores são explorados pelos capitalistas. A mais-valia é o valor adicionado à mercadoria (produto) pela força de trabalho do operário (mão de obra). Ela se expressa na diferença entre o valor da riqueza que o trabalhador produz (valor de mercado dos produtos produzidos) e o que ele recebia na forma de pagamento (salário).
O socialismo científico propôs o “despertar” dos trabalhadores da situação de explorados, através da luta de classes. Ou seja, os trabalhadores seriam o motor da transformação da história. A superação do capitalismo e a construção de uma sociedade sem classes só seriam possíveis por meio de uma revolução socialista, conduzida pelos trabalhadores.
Não impressiona, então, que estejamos vendo, no século XXI, o retorno de Engels, que ao lado de Marx continua a justificar as lutas e inspirar as esperanças que definem nosso tempo crítico e, necessariamente, revolucionário.
Principais obras de Engels
- A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra (1845)
- Princípios Básicos do Comunismo (1847);
- As Guerras Camponesas na Alemanha (1850);
- Revolução e Contra-Revolução na Alemanha (1852);
- Sobre a Questão da Moradia (1873);
- Do Social na Rússia (1875);
- Anti-Dühring (1878);
- Dialética da Natureza (1872 – 1882);
- Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico (1880);
- A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado (1884);
- Para a História da Liga dos Comunistas (1885);
- Ludwig Feurbach e o fim da filosofia Clássica alemã (1886);
- O Socialismo Jurídico (1887);
- O Papel da Violência na História (1888);
- Contribuição para a História do Cristianismo Primitivo (1895)
Obras escritas em parceria com Marx:
- A Sagrada Família (1845);
- A Ideologia Alemã (1846);
- O Manifesto Comunista (1848);
- Luta de Classes na Alemanha (1844-1850);
- Luta de Classes na Rússia (1875-1894)
*Editado por Solange Engelmann