Comunidades quilombolas de Minas Gerais e organizações realizam troca de mais de 3 toneladas de alimentos
Por Iris Pacheco
Da Página do MST
Entre os dias 27 a 29 de novembro o MST, a Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (Codecex) e a organização Terra de Direitos realizaram ação solidária junto a comunidades quilombolas no município de Diamantina, na região do Alto Jequitinhonha, em Minas Gerais.
As cestas com alimentos da Reforma Agrária, maioria produzidos em Minas Gerais, foram partilhadas com as comunidades de São João da Chapada, Macacos, Quartel do Indáiá, Mata dos Crioulos, Raiz e Vargem do Inhaí. Foram distribuídos uma média de 3.300 kg de alimentos a cerca de 220 famílias de cinco comunidades. As cestas foram compostas por nove itens, todos produzidos pelas cooperativas da Reforma Agrária tais como o arroz orgânico, feijão preto e carioca, farinha, fubá, polvilho, açúcar mascavo, leite em pó e café.
De acordo com Paula Ribeiro Guimarães, coordenadora técnica da Cooperativa Central dos Assentados e Assentadas de MG (Concentra) e do Setor de Produção do estado, “é muito importante compartilhar o fruto do nosso projeto de Reforma Agrária Popular com as comunidades quilombolas, mas também as trocas de experiências no que se refere as estratégias de comercialização, cooperativismo e produção agroecológica.” Ainda segundo a coordenadora, essas ações solidárias são importantes, pois “contribuem com os dois lados, tanto para quem produz o alimento, quanto para quem recebe, porque durante a pandemia os povos do campo têm tido dificuldades em se manter. Logo, essas ações de solidariedade também são uma forma de escoar a produção e das organizações se fortalecerem.”
A comunidade São João da Chapada foi um dos primeiros locais a participarem da troca. O coletivo de representantes da organização social e do Movimento foi recebido pela presidente da Associação Grande Vitória das/os produtores/as da agricultura familiar, Gislene Correia de Miranda, que também é agricultora familiar e destacou a importância desta ação ao possibilitar o acesso à um conjunto de alimentos saudáveis sem agrotóxicos, o que significa levar saúde. “Hoje a sociedade em geral está acostumada a comer muita coisa industrializada e veio aqui alimentos sem agrotóxicos, produzido por um povo que também tem lutado para conquistar a terra e que ainda ajuda outras pessoas não só com alimentos, mas também com saúde, com uma outra qualidade de vida na agricultura.”
Segundo a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela vida, de fevereiro a novembro deste ano, já foram autorizados os registros de 406 tipos de agrotóxicos. Mesmo durante o período em que o mundo centrava esforços para controlar a pandemia causada pela Covid-19, o Governo Federal continuou a aprovar novos agrotóxicos. Entre 2010 e 2015 foram registrados 815 agrotóxicos e entre 2016 e 2020 este número mais que dobrou, sendo liberados 2.012 agrotóxicos. Somente nos dois primeiros anos do Governo de Jair Bolsonaro (sem partido) foram liberados 909 registros.
Em um contexto de intenso desmonte das políticas públicas para o povo brasileiro, mas principalmente para o campo, as organizações e comunidades apontam que construir formas unitárias de fortalecimento coletivo entre os povos é um importante desafio. É nesse sentido que a Assessora jurídica da Terra de Direitos, Ceci Martins, pontua a importância da ação solidária. “Essa ação entre as comunidades apanhadoras de flores e o Movimento Sem Terra perpassa pela solidariedade entre os movimentos sociais e também é um momento de diálogo de saberes sobre produção agroecológica, que é marcante no modo de vida dos pequenos agricultores e povos tradicionais no Brasil. É um momento muito rico de confluências entre os saberes do campo em práticas políticas e produtivas”.
Reafirmando a autonomia dos povos e, reforçando a necessidade de construir cada vez mais espaços de trocas de saberes coletivas entre eles, Maria de Fátima Alves, da Codecex, pontua a importância da ação. “Uma atividade importante, pois complementou a produção das comunidades, devido a essa pandemia a comercialização de flores e outros produtos ficaram suspensos. Além do mais, foi um momento rico de troca de experiências de saberes e uma oportunidade para começarmos a pensar em uma comercialização mais estruturada, uma vez que, ainda estamos muito nas feiras, e essa troca nos abre outras possibilidades”, afirmou.
Saberes e vivências ameaçados
Mais do que uma ação solidária com comida, este momento se configurou também como um espaço de trocas e partilhas de conhecimentos, bem como vivências ancestrais em torno da produção e reprodução da vida. A história e memória dos povos que vivem na região se misturam com a resistência da população negra no período colonial à repressão das tropas imperiais em seus territórios.
No local, a vegetação predominante é de cerrado gramíneo lenhoso e campo rupestre, o que possibilita a manutenção da agricultura agroecológica e orgânica vinculada diretamente à sobrevivência local, porém, muito afetada neste período de pandemia. Inclusive, estas comunidades possuem o selo da FAO/ONU de sistemas agrícolas mundiais relevantes para a soberania alimentar, mas que tem na pandemia de Covid-19 um agravante em sua situação alimentar, o que coloca como fundamental essa iniciativa solidária com outros movimentos do campo, como o MST.
No entanto, enquanto as comunidades lidam com os impactos da pandemia e da crise do sistema capitalista que ameaça diariamente seus direitos em seus territórios, os órgãos públicos responsáveis por amparar essas comunidades aumentam ainda mais a distância entre sua responsabilidade e dever social, deixando estes povos mais uma vez expostos pela ameaça da mineração por grandes empresas transnacionais, apontam as comunidades.
A assessora jurídica Ceci Martins, criticou esse processo e expõe que este cenário é a realidade de inúmeras comunidades e povos do campo pelo Brasil afora. “Nesse período de Pandemia o distanciamento do poder público no amparo aos direitos básicos para povos tradicionais ainda está muito aquém da realidade no acesso à saúde e alimentação. As apanhadoras têm reivindicado direitos básicos junto aos poderes municipais e estaduais, sem retorno satisfatório para as necessidades de proteção da saúde coletiva das comunidades e preservação dos seus territórios nesse momento de calamidade pública e crise sanitária global. Contudo, empreendimentos minerários e monocultura de eucalipto não paralisaram suas atividades dentro dos territórios nesse período, arriscando o aumento da contaminação e ameaçando os modos de vida das comunidades.”
Do outro lado, está a organização do povo. Paula comentou que durante a pandemia de Covid-19, o MST participou e organizou diversas ações de solidariedade, como a doação direta de alimentos das famílias assentadas e acampadas para as famílias da cidade e de outras comunidades camponesas. Além disso, esteve em ações em que os produtos da Reforma Agrária e da agricultura familiar foram adquiridos para a montagem de cestas com produtos agroecológicos e orgânicos e, depois distribuídos para famílias em situação de vulnerabilidades. Essa ação solidária em Diamantina integra o conjunto de atividades realizadas durante a pandemia.
*Editado por Solange Engelmann