Marcha histórica camponesa marca o Dia da República na Índia
Por Lays Furtado
Da Página do MST
O episódio ocorrido no dia 26 de janeiro, Dia da República na Índia, marca mais uma data memorável da luta do campesinato contra a implementação das políticas neoliberais, impostas pelo governo de extrema-direita comandadas pelo primeiro-ministro Narendra Modi (Partido Bharatiya Janata).
Segundo divulgação da NewsClick a pedido do Comitê de Coordenação de All India Kisan Sangharsh (uma frente de mais de 500 organizações agrícolas), desfiles de tratores e manifestações de protesto foram realizados em todos os estados do país em Kerala, Tamil Nadu, Andhra Pradesh, Telangana, entre outros distritos.
Em Nova Delhi, capital do país, as ruas foram tomadas por manifestantes. Parte da onda de protestos chegou a ocupar também a região conhecida como “Velha Delhi”, avançando sobre o Forte Vermelho – um monumento arquitetônico que é patrimônio material e símbolo de poder local – onde o primeiro-ministro faz seu discurso anual.
Montadas(os) em tratores, a pé e a cavalo, protestantes avançaram sobre bloqueios policiais, em vias da região central da cidade. Em confronto, a marcha sofreu forte repressão da polícia, lançando cassetetes, gás lacrimogêneo e jatos de água sobre manifestantes.
Um manifestante morreu e centenas de policiais e manifestantes ficaram feridas(os). Com a continuidade dos confrontos pela tarde, o Ministro do Interior Amit Shah se reuniu com a polícia com a intenção de manter os protestos sob controle.
Desde o início das mobilizações, outras 70 mortes de protestantes foram anunciadas pela União Bhartiya Kisan de trabalhadoras(es) campesinas(os) que sacrificaram suas vidas enfrentando o frio e as chuvas de Nova Delhi para garantir seus direitos.
De acordo com informações divulgadas pelo portal The Guardian, houve interrupção dos serviços de internet móvel e algumas estações de metrô foram fechadas em certas áreas da capital.
Ainda na noite desta terça-feira (26), houve a desocupação de manifestantes do Forte Vermelho pela polícia, mas a guarda de segurança no local se mantém reforçada.
Após os violentos confrontos, um dia depois da “Histórica Marcha de Tratores”, 40 sindicatos agrícolas liderados pela Samyukt Kisan Morcha (Frente Unida dos Agricultores) anunciaram o adiamento de uma grande marcha que havia sido programada em direção ao parlamento, em 1º de fevereiro – dia em que será anunciado pela ministra das Finanças, Nirmala Sitharaman, o orçamento do governo para 2021.
Em entrevista coletiva divulgada pela Reuters, o líder agrícola Balbir Rajewal menciona que apesar do adiamento da marcha, “o nosso movimento vai continuar”, com comícios organizados pelos sindicatos e uma greve de fome neste próximo sábado.
O levante do campesinato na Índia, é a maior greve da história. Sendo a mais dura oposição que Narendra Modi enfrentou como líder do governo, desde sua posse em 2014.
O caso corre sob a tutela da Suprema Corte, que criou uma comissão especial em busca de uma resolução. Na última semana, o governo propôs aos agricultoras(es) suspender a reforma por 18 meses, porém, o movimento exige a revogação integral das três leis impostas ao setor.
Em carta apresentada pelas(os) grevistas inclui 12 demandas, entre as quais o retorno da Lei de Produtos Essenciais (ECA, na sigla em inglês), que estabelecia limites à quantidade de grãos que comerciantes ou empresas poderiam estocar, além de regular preços. Também questiona as políticas de desinvestimento em grandes empresas estatais, a flexibilização de leis trabalhistas e a falta de programas de auxílio aos trabalhadoras(es) do campo e da cidade afetadas(os) pela covid-19.
“No farmers, no food, no future” [Sem Agricultores(as), sem comida, sem futuro]
Há 2 meses, no dia 26 de novembro de 2020 – data em que se comemora a Constituição Republicana do país – campesinas(os) realizaram o maior protesto da história na Índia ao mobilizar 250 milhões de trabalhadores(as), contra as medidas que afetarão a soberania alimentar do país, e as condições de trabalho e renda de camponesas(es), de cerca de 700 milhões de pessoas.
Desde então, dezenas de milhares de agricultoras(es) acamparam e ocuparam 15km das principais vias de acesso aos arredores da capital, Delhi. O movimento começou durante a pandemia da Covid-19, quando o primeiro-ministro Narendra Modi derrubou uma Lei de Produtos Essenciais (ECA, na sigla em inglês), que regulava a estocagem e os preços de produtos agrícolas.
Abrindo margens para a especulação e variação de preços de alimentos básicos como óleos essenciais, grãos, sementes, leguminosas e tubérculos, por parte das corporações ligadas ao agronegócio. “É o lucro baseado na fome” – aponta o jornalista de economia Subodh Varma na época da revogação da ECA, em junho de 2020.
Com tentativas de negociação frustradas entre governo e classe trabalhadora, a greve toma força em um momento de recessão que agrava as desigualdades no país, que possui a 2ª maior população do mundo com 1,353 bilhões de habitantes. População essa atingida pela queda econômica de 23,9% do Produto Interno Bruto (PIB) e taxa de desemprego de 27%.
O lucro que gera a fome
Atualmente, a Índia produz mais comida do que nunca, mas reúne 24% das pessoas em insegurança alimentar no mundo. Portanto, está longe de superar a contradição de ser uma das maiores nações produtoras de alimentos a nível global, ao mesmo tempo em que suas políticas agrícolas alimentam a fome. Somando cerca de 200 milhões de pessoas famintas, segundo dados de 2019 da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Nos últimos anos, o diagnóstico de especialistas alerta para o agravamento da crise na Índia. Considerando diversos fatores, entre eles: a gestão pública, questões climáticas, alta da inflação e diminuição do poder de compra da população – que se torna cada vez menor. Ao tempo em que a fome e o desemprego aumentam e os programas de auxílio e financiamento estão parados.
Em 2020 o orçamento do governo indiano caiu, mas reservou um aumento de 15% para a infraestrutura rural. Mesmo assim, “esses investimentos não são direcionados à geração de emprego no campo e à subsistência dos camponeses”, afirmou Yamini Aiyar, presidenta do Center for Policy Research (CPR) em entrevista ao Brasil de Fato.
Ao que evidencia que apesar da Índia ter tido um considerável crescimento econômico nas últimas duas décadas, sendo a 7ª maior economia mundial em 2018 – com PIB equivalente a 2,719 trilhões de dólares.
No ano passado, com o surgimento da pandemia e medidas de isolamento social, a economia teve queda recorde de 23,9% no trimestre de abril a junho. Em setembro o recuo desacelerou a 7,5%. Em 2021 este índice deve recuar entre 7% a 9,5% – considerando as estimativas do Banco Central Indiano e de economistas liberais. Se confirmado tais perspectivas, a Índia confirmará a pior recessão em 40 anos.
Atualmente, o crescimento econômico do país está em declínio. Assim como, as políticas e gestão pública não têm sido capazes de gerar um desenvolvimento pleno e diminuir as desigualdades sociais, que agora voltam a assombrar a população indiana com o aumento da extrema pobreza nas zonas urbanas e rurais.
“Marenge nahin, ladenge!” [Não morreremos, lutaremos!]
Neste cenário, o último censo indiano, de 2011, aponta que quase 8 milhões de pessoas tiveram de deixar a agricultura. E nos últimos 10 anos – considerando os constantes protestos e reivindicações – observamos o clamour da classe trabalhadora camponesa que tem tomado as ruas em denúncia.
Pois, com a falta de subsídio do governo e efeitos das mudanças climáticas, aumentam o número de agricultoras(es) sem condições de exercer o trabalho no campo – que tem se tornado uma atividade cada vez mais impraticável.
Por conta disso, não é de hoje que protestos e conflitos violentos vêm se intensificando no país. De acordo com o National Crime Records Bureau (NCRB), a crise agrícola na Índia fez os protestos de agricultores(as) se multiplicaram 7 vezes em 3 anos – entre 2014 a 2016, o número saltou de 687 para 4.837.
Recapitulando os últimos acontecimentos dramáticos dessa história, em artigo a jornalista e escritora Rohini Mohan, resume os fatos mais perturbadores da luta camponesa nos últimos anos. Onde as(os) agricultoras(es) – descreditadas(os) pelo bancos, endividados por agiotas e sem condições de subsistência e trabalho – cada vez mais, se encontram em meio a grande massa de trabalhadoras(es) que migram para as zonas urbanas para disputar os subempregos nas cidades.
Se estima que em menos de duas décadas, aproxidamente 400 mil campesinas(os) cometeram suicídio, em sua maioria ingerindo pesticidas, devido à falência das condições de vida e trabalho no campo.
Em resistência a tentativa do governo de esmagar a classe trabalhadora camponesa; Jaspal Singh, 50, um agricultor do distrito de Gurdaspur, em Punjab, acampado na fronteira de Delhi, declarou ao The Guardian, que independente da força usada por Modi para reprimir a greve, não irão sucumbir: “Prometi à minha família e aos meus aldeões que não voltarei para casa até que as leis sejam revogadas”, disse ele enquanto caminhava pela rodovia Delhi-Karnal.
*Editado por Fernanda Alcântara