Memória

Legado de Octávio Ianni ressalta histórico da luta pela terra no Brasil

No seu aniversário de 99 anos de nascimento, relembramos o legado do sociólogo com o resgate um artigo de sua autoria, publicado no Jornal Sem Terra em 1984

Por Coletivo de Arquivo e Memória MST
Da Página do MST

Nesta segunda-feira (13) relembramos o aniversário 99 anos de nascimento do sociólogo e professor brasileiro Octávio Ianni. Falecido em 4 de abril de 2004, o pensador era comprometido com o entendimento e análise sobre as desigualdades sociais e a superação das injustiças brasileiras.

Sociólogo e professor Octávio Ianni. Imagem: Reprodução

Ianni era paulista, nascido em Itu, em 13 de outubro de 1926. Foi professor e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) até ser aposentado compulsoriamente e proibido de dar aulas durante o AI-5. Posteriormente, integrou o corpo docente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) e integrou o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP).

O professor lecionou em diversas universidades no exterior e em 1986 voltou à universidade pública como professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi um marxista “convicto e confesso”, autor de vários livros que ajudam a compreender a realidade brasileira. Segundo o amigo Antônio Cândido, Ianni possuía “a coerência, o senso de dever, a constante preocupação política, em sentido largo. Esta preocupação norteava as suas ideias e suas atitudes, fora dos partidos, mas dentro dos interesses mais legítimos da coletividade.”

Relembramos a data com o resgate de um artigo de opinião de Ianni, publicado exclusivamente para o Jornal Sem Terra, em novembro de 1984.

Confira o artigo:

A História do Brasil é a História da luta pela terra

É uma experiência muito importante analisarmos a sociedade brasileira numa perspectiva bem aberta e bem ampla. De repente constatamos que o problema da terra existente é muito forte porque se manifesta em todas as regiões do País. A terra é um problema muito antigo. Houve época da história passada que ocorreram conflitos bastante intensos, alguns até mais ou menos notáveis…

Não há dúvida que, na história social do Brasil, as lutas operárias são muito importantes. Muitos imaginam que a história das lutas sociais no Brasil é uma história das lutas operárias. A realidade é diferente. A história das lutas sociais é antes e muito mais uma história das lutas sociais do campo. Houve lutas sociais desde do primeiro dia…

Primeiro foram os índios lutando para manter os seus territórios, o seu trabalho, sua vida. Depois encontraram populações de procedência africana, os negros escravos, que iam lutando para conquistar um pedaço de terra no território nacional. Eles fugiam de seus escravizadores e formavam quilombos – espécie de acampamentos que se transformavam em cidades. Onde os negros viviam independentes e defendiam-se dos senhores de escravos. Mais tarde, os escravos intensificaram a luta pela liberdade, pela abolição da escravatura.

Em seguida houve a luta dos imigrantes, tanto dos imigrantes que vieram para ser mão de obra para a lavoura, como os imigrantes que foram para as colônias no Sul, que tinham sua propriedade. Eles também tiveram suas manifestações sociais no campo…

…Canudos era um núcleo de camponeses pobres do interior da Bahia que queriam apenas sobreviver numa área e desenvolver sua agricultura, as suas atividades culturais, sociais e religiosas. No entanto, Canudos foi arrasada pelo Exército do Estado Nacional. Por quê? Porque a experiência de Canudos era uma experiência social muito importante: era um núcleo de trabalhadores que punham em questão a propriedade privada. Ora, como nessa sociedade a propriedade privada é sagrada, o Estado Nacional decidiu liquidar com Canudos, matando milhares de pessoas…

Em épocas mais recentes, tem havido outros momentos em que o Estado, ao mesmo tempo em que esmaga as manifestações camponesas ou deixa os grileiros e pistoleiros agirem livremente, faz da colonização uma política para afastar os agricultores da luta pela terra em suas regiões de origem. As poucas conquistas dos trabalhadores rurais têm sido resultado de lutas difíceis, onde o Estado agiu, como em épocas passadas, violentamente, contra os movimentos sociais dos camponeses…

Nas últimas décadas tem havido inúmeras manifestações sociais no campo que mostram que a história do Brasil é em primeiro lugar uma história das lutas sociais no campo, que se ampliam e se desenvolvem com as lutas sociais que se realizam na cidade. Quer dizer, a história do Brasil ainda está para ser estudada a partir das classes exploradas. Então, poderíamos ver que essa história vem desde as capitanias hereditárias, governos gerais, monarquias, repúblicas, políticas de governadores, populismo, militarismo, é uma história que tem por baixo, correndo solta, uma vasta luta social na qual estão camponeses e operários…” (Octávio Ianni)

Confira também a versão impressa do artigo no Jornal Sem Terra:

*Editado por Solange Engelmann

**Republicação de texto publicado em 2021.