Assembleia Nacional
Assentadas e Assentados do MST realizam Assembleia Nacional para discutir enfrentamento à Covid-19
Por Solange Engelmann
Da Página do MST
A defesa da vida de todo o povo brasileiro e a importância do isolamento produtivo nos territórios de assentamentos e acampamentos de Reforma Agrária no país foram temas centrais, nesta terça-feira (20/4), na Assembleia Nacional Virtual das Assentadas e Assentados para discutir e deliberar sobre a “Parada Pela Vida”.
A Parada teve início no último sábado (17/4) e se estende até 30 de abril. Com a campanha, os Sem Terra defendem a necessidade do isolamento produtivo como uma ferramenta fundamental para combater à fome durante a pandemia da Covid-19 e frear o contagio da doença e das mortes pelos vírus no campo.
A mística da Assembleia teve início com a chegada on-line dos trabalhadores e trabalhadoras do MST de todas as regiões do país, que ao entrar no aplicativo (Zoom) e abrir suas janelas, passaram a se cumprimentar e comemorar a possibilidade de se reunir, ainda que de forma virtual, muitos emocionados e ansiosos para discutir as orientações e encaminhamentos no enfrentamento à pandemia do coronavírus. Em seguida, um vídeo com canções de luta e imagens de doação de alimentos pelos Sem Terra às populações em situação de vulnerabilidade relembraram a importância da solidariedade e do cuidado com o povo – com o lema “O povo cuidando do povo!”.
O momento místicos e seus comentários reforçaram o principal desafio do MST neste momento, “que é garantir que o nosso povo possa se cuidar, salvar vidas e manter a solidariedade”, apontou o Dirigente Nacional MST no Pernambuco, Jaime Amorin. A importância do cuidado individual e coletivo e de se manter saudável também foi reforçada pela Sem Terra do Setor de Saúde do MST de Minas Gerais, Terezinha Sabino. “Precisamos do carinho, de dar um sorriso, fazer uma ligação. Fazer a nossa luta com segurança. Ficar em casa, mas produzir plantas medicinais, que conservam a nossa imunidade, para gente ficar mais forte e enfrentar o vírus”.
“O MST deliberou pela ‘Parada Pela Vida’, no momento que percebemos que a Covid-19 vem no crescimento das contaminações. Não podemos nos omitir, nem ser irresponsável. A nossa tarefa é o cuidado individual e coletivo das pessoas da nossa base, para nos mantermos vivos na luta pela terra e contra o agronegócio, defendemos a vida frente a um governo genocida. Não podemos titubear”, afirmou Débora Nunes, da Direção Nacional do MST e do Setor de Produção.
João Pedro Stédile, também da Direção Nacional do Movimento, analisou que o Brasil atravessa uma crise capitalista estrutural, que agravou as desigualdades sociais entre os miseráveis e as elites capitalistas nas periferias das cidades e no campo. “Hoje 65 bilionários estão no topo da pirâmide. Na agricultura tem cinco empresas que controlam toda a produção agrícola. Temos uma desigualdade social cada vez maior. Os capitalistas deixaram 60 milhões de trabalhadores do Brasil sem emprego, sem trabalho e direitos sociais, que foram tirados com as reformas. O que ainda salva o povo é o SUS [Sistema Único de Saúde].”
Nesse cenário, o dirigente aponta que Bolsonaro é a “excrescência da política” e a materialização da crise política. “Felizmente, esse governo neofascista e completamente insano, psicopata, está se isolando cada vez mais. A grande maioria da população já está contra Bolsonaro e com a CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] no Senado é possível que se acelere o processo de impeachment“, defendeu.
O médico e ex-ministro da Saúde no governo de Dilma Roussef, Alexandre Padilha alertou que o Brasil passa pelo seu momento mais crítico da pandemia, com a piora do contágio e o colapso da saúde pública e privada em todo país. “Todos os estados do Brasil vivem hoje uma situação de colapso social, a capacidade do sistema de saúde público e privado transbordou. Pela primeira vez os hospitais privados estão com fila para internação em leitos de Covid-19. Antes era possível remanejar, mas, desde fevereiro estamos com todos os estados do país com lotação das UTIs. Isso tem impacto também nos outros atendimentos de saúde. É um escândalo estar vivendo isso após um ano.”
Para Padilha o governo Bolsonaro é o principal culpado, pois desde o início da pandemia adotou uma atitude genocida de alguém que resolve “colocar a maior parte do povo no corredor da morte, desprezando a vida”. Além de criar vários obstáculos para a compra da vacina, insumos para intubação, entre outros. Segundo ele, o presidente também usou a pandemia para reforçar preconceitos na sociedade, criar disputas com governadores e gastou milhões de recursos públicos para financiar a compra de medicamentos sem eficácia, o que será investigado pela CPI da Covid instalada no Senado, e prevista para iniciar no próximo dia 27 de abril.
“Por isso, é preciso dar toda força para a CPI que foi criada. Temos que pressionar a CPI da Covid-19 para descobrir, quais interesses financeiros estão por trás da cloroquina”, disse ele.
Apesar disso, Stédile afirmou que a agricultura camponesa e familiar vai sair mais forte da pandemia, porque é a única capaz de produzir alimentos, defender a natureza e praticar a agroecologia. Assim, ele apontou que nesse momento as pautas emergenciais da classe trabalhadora, se concentram na luta pela vacina já, a partir da pressões nos estados e municípios; auxílio emergencial para o campo e a cidade, com isolamento social e no Fora Bolsonaro.
“Como classe trabalhadora temos que pressionar o governo do estado e os prefeitos para comprar a vacina. Enquanto isso temos que continuar a praticar o isolamento social. Também precisamos pressionar para o auxílio emergencial na cidade. No caso do Fora Bolsonaro, precisamos de um processo de mobilização. Quando vier a vacina haverá grande mobilizações de massa. Isso assusta o Bolsonaro, além da volta do [ex-presidente] Lula, com a recuperação dos direitos políticos, que deu um novo ânimo para luta”, afirmou Stédile.
Quanto à luta pelo auxílio emergencial para os trabalhadores (as) da agricultura camponesa e familiar as pressões dos movimentos sociais do campo também se concentram no Congresso Nacional. “Precisamos do auxílio de emergência para o campo, são R$ 2.500 por famílias para produzir alimentos. Esse recurso pode vir pela aprovação da Lei Assis Carvalho ou o governo federal colocar 1 bilhão no PAA [Programa de Aquisição de Alimentos]. É preciso discutir e pressionar em cada município, para os prefeitos pressionarem a Conab [Companhia Nacional de Abastecimento], a repassar esses recursos para as prefeituras e as famílias assentadas e acampadas seguirem produzindo alimentos”, concluiu.
Como enfrentar a pandemia nos assentamentos e acampamentos?
O nosso povo nas nossas áreas tem o que comer, mas tem muita gente que hoje acordou e não sabe se vai comer”
(Débora Nunes)
São mais de 3 mil mortes diárias, hospitais com leitos lotados e a vacinação lenta devido a irresponsabilidade e a política genocida do governo federal. Nesse contexto, além dos cuidados individuais com a saúde física e mental, que todas e todos precisamos ter nesse período da pandemia, Débora defendeu a importância do isolamento social dos trabalhadores Sem Terra estar acompanhado do isolamento produtivo, para avançar na produção de alimentos nas áreas de assentamentos e acampamentos de Reforma Agrária e fortalecer o processo de produção de alimentos saudáveis.
“Mesmo sem o auxílio emergencial para o campo, vetado por Bolsonaro, somos nós que produzimos alimentos para a população. Por isso, precisamos ser criativos nos municípios e estados, pressionar os governos. Cobrar o funcionamento do PAA, PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar] e para que possamos fazer ações de solidariedade. O nosso povo nas nossas áreas tem o que comer, mas tem muita gente que hoje acordou e não sabe se vai comer. Quanto mais produção e alimentos, maior a possibilidade de alimentar o povo brasileira e ajudar a sociedade”, disse ela.
A dirigente do Setor de Produção do MST, também orientou sobre a necessidade das famílias Sem Terra realizarem o planejamento da produção e aliar os cultivos à preservação da natureza, participando do Plano Nacional “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis” – que pretende plantar 100 milhões de árvores em dez anos-. “Também temos a tarefa de plantar árvores para preservar o meio ambiente e ter árvores que deem frutas.”
Nesse sentido, ela convocou os trabalhadores (as) do MST a participarem das atividades de plantio de árvores nesta quarta-feira (21), em memória aos mártires da luta pela terra e contra a impunidade dos 25 anos do Massacre de Eldorado do Carajás, no Pará.
Porém, Débora finalizou relembrando a todas e todos, que o essencial para voltarmos a ocupar as ruas e seguir na luta pela Reforma Agrária no futuro, é nesse momento todos se manterem vivos e com esperança. “Precisamos fazer barreiras de conscientização nos assentamentos e acampamentos, como um cuidado individual e coletivo. E após ser vacinados voltaremos a seguir na luta. E não podemos permitir que ninguém nos tire o direito de esperançar, se manter mobilizados e resistindo nos territórios, com todos os cuidados necessários para enfrentar a pandemia e ter as condições para seguir produzindo nesse país.”
A intenção do MST com a “Parada Pela Vida” é evitar aglomerações, suspendendo qualquer atividade em grupo, evento como festas, baladas, passeios em rios e cachoeiras, jogos de futebol ou outros esportes coletivos. Nesse sentido, Débora reforçou a importância de todos seguirem as orientações do MST com “Dez medidas necessárias para o enfrentamento do povo à Covid-19“:
- Realizar de 17 a 30 de abril uma grande PARADA PELA VIDA. Com a continuidade da proliferação do vírus e o ritmo lento da vacinação, o isolamento social é a única forma de salvar vidas;
- Pressionar os prefeitos e governadores para decretar uma PARADA TOTAL de pelo menos 21 dias, com auxílio emergencial complementar para os trabalhadores e pessoas necessitadas;
- O isolamento social para o povo Sem Terra deve ser ISOLAMENTO PRODUTIVO, para Plantar Árvores e Produzir Alimentos Saudáveis. Devemos PLANTAR A SOLIDARIEDADE e enfrentar a pandemia da fome – 19 milhões de brasileiros e brasileiras estão passando fome, 116,8 milhões vivem em situação de insegurança alimentar e, destes, 43,4 milhões não tem alimentos em quantidade suficiente;
- Praticar a PEDAGOGIA DO EXEMPLO: a militância deve ser a principal referência na defesa da vida e nosso comportamento deve ter como base a ética revolucionária;
- Aplicar e difundir os CUIDADOS EM SAÚDE, garantindo o uso correto de máscaras, observando bem a qualidade e o ajuste ao rosto, manter o distanciamento social e sermos rigorosos na higiene, lavando as mãos com água e sabão ou usando álcool em gel 70%. Fazer uso de nosso conhecimento em terapias de cuidados, homeopatia e fitoterapia, alertando que nada substitui a vacina e o atendimento médico quando necessário. A demora na busca por ajuda pode ser fatal;
- Garantir um PROTOCOLO DE CUIDADOS com controle coletivo para todo nosso Movimento, principalmente para os companheiros e companheiras que precisam estar na linha de frente das ações de solidariedade, ações simbólicas, comercialização, agroindústrias, escolas e etc.;
- Assegurar PRÁTICAS SAUDÁVEIS DE VIDA, com comida saudável, exercícios físicos e busca de equilíbrio emocional e mental. Cuidar da nossa imunidade e da nossa humanidade;
- Desenvolver um PLANO DE COMUNICAÇÃO DIRETA COM NOSSA BASE nos estados, nas brigadas, regionais e em cada acampamento e assentamento. Os dirigentes locais são referências às nossas famílias e por isso devem produzir e compartilhar materiais diversos e de forma permanente;
- Criar COLETIVOS DE CRISE NOS ESTADOS, para tomar as medidas necessárias para salvar vidas e evitar adoecimentos. Fazer barreiras de conscientização nas nossas áreas, dialogar com pastores, padres, freiras, donos de estabelecimentos comerciais e etc. Monitorar casos de adoecimento, óbitos e manter informação atualizada de cada localidade;
- Organizar PLANOS ESTADUAIS para organizar a vida do Movimento até setembro, garantindo nossa organicidade, zelo pelas linhas políticas e princípios organizativos do MST.
Cuidados do Povo Sem Terra na pandemia
Na mesma linha dos cuidados necessários para evitar a circulação do vírus e as mortes pela Covid-19, a médica de saúde da família e professora do curso de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE/Campus Caruaru), Andreia Campigotto, orientou sobre as tarefas para manter os territórios de Reforma Agrária livres do vírus.
“Nossa tarefa é sobreviver à pandemia. Entender a importância das orientações, do distanciamento social, do uso de máscaras. Para poder permanecer com as campanhas de solidariedade, levando comida para quem está com fome. Devemos colocar como orientação obrigatória, o uso de máscaras de forma correta, que cubra o nariz e a boca – o uso incorreto não protege e favorece a propagação do vírus. E higienizar as mãos com frequência”, indicou Andreia.
Segundo ela, o Setor de Saúde do MST tem se dedicado em reunir informações, orientar e conscientizar a base Sem Terra sobre os cuidados e as medidas de saúde para frear a contaminação do coronavírus, e alertar sobre a maior capacidade de transmissão e letalidade das novas variantes do vírus, que está matando mais pessoas jovens. Em caso de dúvidas nas áreas de assentamentos e acampamentos, o Setor de Saúde do MST orienta os dirigentes e as famílias a consultar as pessoas que são referência da saúde no local ou os médicos e médicas, que se voluntariaram para apoiar os Sem Terra.
A médica também compartilhou um conjunto de orientações e cuidados a serem seguidos pelos trabalhadores (as) do MST no enfrentamento ao vírus:
Distanciamento social e uso de Máscaras
“Precisamos tomar todas as medidas para garantir a segurança de quem está trabalhando. Quem trabalha fora do assentamento, a tarefa é alertar as pessoas a fazer o isolamento domiciliar. Esse momento não é de visitar os vizinhos – se precisar visitar alguém, todas as pessoas precisam utilizar máscaras – essa é uma tarefa individual e coletiva. Nesse momento não compartilhar instrumentos de uso individual. As atividades de jogos de cartas, de futebol, bares, estão proibidas. O momento é de cuidar a vida, as nossas vidas não são descartáveis – não podemos nos omitir”.
Importância de tomar a vacina
“Combater todo o discurso negacionista. Se está no grupo de risco, na faixa etária não deixe de se vacinar. Para ter imunidade coletiva precisamos ter 70% da população vacinada. Mesmo vacinando precisa continuar cuidando e tomar as medidas de segurança. Quem está no grupo de risco do H1N1 também precisa se vacinar – não podemos aumentar ainda mais o número de óbitos nas nossas áreas.”
O médico Padilha, também reforçou a importância de se vacinar, inclusive para que as pessoas possam voltar a se manifestar em segurança e lutar por políticas de saúde e direitos sociais. “Ele [Bolsonaro] não quer vacinar, porque sabe que o povo vacinado vai para rua no outro dia, para derrubar seu governo. Por isso, quem puder, tome a vacina. Acreditem na vacina, todas as vacinas disponíveis no Brasil são eficazes. Temos que lutar para que todos tenham acesso a vacina.”
E quem já teve Covid-19 precisa se vacinar? Qual o efeito da vacina em quem já foi infectado pelo vírus? A médica explica, que nesse caso a vacina tem a possibilidade de aumentar a imunidade. Por isso, é tão importante que todas as pessoas se vacinem.
Não existe tratamento precoce
“Não há evidencias científicas sobre o tratamento precoce para tratar a Covid-19. Esse kit de tratamento está levando as pessoas ao cemitério.”
Redobrar cuidados sobre outras doenças
“Não é só a Covid-19 que está matando o povo. Por isso, para pessoas que tem outras doenças que podem ser controladas, como diabetes, por exemplo, não fiquem em casa quando perceberem algum descontrole. Busquem uma unidade de saúde para tratar essas doenças que não tem cura, mas tem controle.”
Cuidar dos afetos e das relações
A assentada e integrante do Setor de Produção, Antônia Ivoneide, conhecida como Neném chamou atenção para a necessidade de cuidar das relações e não deixar de buscar ajuda em caso de violências. “A nossa tarefa também é cuidar com afeto e cuidar com amor. Cuidar das nossas relações e denunciar as violências – não se desesperar nesse momento, mas procurar amigos e amigos para nos ajudar.”
A médica Andréia também ressaltou a necessidade de potencializar a formação de agentes populares de saúde no campo e buscar a implementação de políticas de saúde nos estados, além de reforçar a importância de todos(as) seguirem o “Protocolo do Povo Sem Terra em tempos de pandemia”.
Confira as medidas do protocolo, abaixo. Baixe, divulgue e siga as instruções para salvar vidas!
*Editado por Wesley Lima