Solidariedade

União da Classe Roceira: Comunidades de 6 cidades do PR farão doação de alimentos a quem enfrenta a fome

A expectativa é que sejam arrecadadas 50 toneladas de alimentos para doar a famílias de Guarapuava e Pinhão, neste sábado (29)
Preparativos para as doações deste sábado, 29 de maio. Foto: Vanderlei Gonçalves

Por Setor de Comunicação e Cultura do MST-PR 
Da Página do MST

Alimentos cultivados por assentados, acampados, posseiros e comunidades tradicionais camponesas de 6 cidades do Paraná vão chegar à mesa de famílias que enfrentam a fome neste período de pandemia de Covid-19. A semana está sendo de colheitas e a entrega dos alimentos está marcada para este sábado, dia 29, em bairros de Guarapuava e Pinhão, região Centro-sul do estado. 

Uma grande diversidade de grãos, frutas, tubérculos, legumes e verduras será partilhada por famílias camponesas dos municípios de Inácio Martins, Candói, Cantagalo, Campina do Simão, Guarapuava e Pinhão. Cerca de 30 comunidades participam da ação solidária, a maior parte delas estão em áreas onde havia latifúndios improdutivos ou grilados. Hoje são territórios de fartura e vida digna para milhares de famílias camponesas, que lutam por regularização fundiária.

Esta será a terceira vez que as comunidades da região se unem para doar parte de suas produções a quem mais enfrenta as consequências da crise econômica durante a pandemia. Na primeira ação, realizada no dia 30 de maio de 2020, foram doadas 51 toneladas de alimentos, com uma variedade de mais de 60 itens. 

A expectativa é de que a arrecadação para a doação desde sábado atinja estes mesmos números. Os alimentos serão organizados em kits de 15 a 20 quilos cada. Milho, feijão, arroz, mandioca, abóbora, pinhão, frutas, legumes e hortaliças estão entre os itens que serão doados. A maior parte deles produzidos sem uso de agrotóxicos, em pomares, lavouras e hortas de áreas da Reforma Agrária e da Agricultura Familiar. 

Em Guarapuava, as doações vão chegar aos bairros Paz e Bem, Xarquinho, Residencial 2000, Jardim das Américas e Colibri. Já em Pinhão as entregas serão nos bairros Colina Verde, Ouro Verde e Invernadinha. 

A iniciativa faz parte da campanha nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) para doar alimentos a quem enfrenta a fome neste período. De abril de 2020 até agora, mais de 620 toneladas de alimentos foram doados por famílias acampadas e assentadas no Paraná.  

Bispo de Guarapuava fará a benção dos alimentos 

Reunião com o Bispo Dom Amilton, na última quinta-feira. Foto: Acervo MST

Dom Amilton Manoel da Silva, Bispo da Diocese de Guarapuava, fará a benção dos alimentos em frente à Catedral da cidade, a partir das 8h. Representantes da coordenação da atividade estiveram reunidos com o líder religioso na última quinta-feira (20), quando conversaram sobre a realização da cerimônia. 

Nelson Preto, morador do assentamento Nova Geração, em Guarapuava, e integrante da direção estadual do MST, faz parte do grupo de trabalho que está mobilizando as comunidades rurais desde o início de maio. 

“Enfrentamos o aumento da Covid-19 em nossa região, o colapso da saúde e a crise econômica. Só aqui em Guarapuava, aproximadamente 15 mil famílias estão na situação de optar por apenas uma refeição diária, isso quando tem acesso ao alimento. Por isso nós nos sentimos privilegiados por estar em cima da terra e poder produzir nossos alimentos, e por estar sendo solidário e poder compartilhar parte da produção da agricultura familiar e camponesa”, explica a liderança. 

Nelson Preto frisa que estão sendo cumpridos todos os cuidados necessários contra a disseminação do coronavírus, seja nas visitas às comunidades, na arrecadação dos alimentos, como também no planejamento da montagem das cestas e na entrega na cidade. 

A maior parte dos kits de alimentos será montada nas próprias comunidades, e depois levada até os locais de distribuição. As entregas vão ocorrer de forma simultânea, por pequenas equipes e com a organização de filas, distanciamento entre as pessoas, uso de máscaras e álcool em gel.  

Doença e fome em alta 

Imagem da ação de solidariedade realizada em 30 de maio de 2020. Foto: Wellington Lenon

Guarapuava é a maior cidade da região centro-sul do Paraná e enfrenta a pior onda da Covid-19 desde o início da pandemia. Somente no último domingo (23) foram 4 mortes pela doença e 145 novos diagnósticos da doença, somando ao todo 2.060 casos ativos. Desde o início da pandemia a cidade perdeu 387 moradores em decorrência do coronavírus. 

Com o aumento do número de casos, a necessidade de ampliação das medidas de isolamento e política de auxílio insuficientes, a fome também cresce na cidade. Pelo menos 15 mil famílias vivem em situação de baixa renda, pobreza ou extrema pobreza na cidade, conforme dados da prefeitura.

Comunidade doadora já teve casas destruídas 

Entre as comunidades que vão doar alimentos está o Alecrim, vila de posseiros localizada no município do Pinhão e que ficou conhecida no Paraná e no Brasil após a repercussão do despejo violento e repentino ocorrido em 1º de dezembro de 2017. Naquele dia, máquinas destruíram uma igreja, casas, um posto de saúde, uma padaria comunitária e outras estruturas comunitárias construídas ao longo de 23 anos de ocupação da terra. 

Imagem da ação de solidariedade realizada em 30 de maio de 2020. Foto: Wellington Lenon

As 20 famílias do local viveram dias de desespero, sem terem tido tempo de tirar seus pertences das casas ou de colher a produção da roça. Uma semana depois, realizaram um protesto na rodovia PR-170, em articulação com famílias assentadas. 

No dia 14 de dezembro, decidiram voltar a ocupar a área e iniciaram a reconstrução da comunidade. Em fevereiro de 2018, a Justiça determinou a suspensão da reintegração de posse. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) já manifestou interesse em comprar a área. 

Assim como a comunidade do Alecrim, cerca de metade dos 30 mil habitantes de Pinhão vivem em terras tomadas pela família Zattar desde 1940. Desde os anos 1990, o Estado reconhece a existência de conflitos que demandam a regularização fundiária das áreas na região, porém, a demora na efetivação coloca milhares de famílias sob ameaça de despejo. Estudos acadêmicos apontam a obtenção ilegal de terras por parte dos Zattar, donos de uma madeireira, bem como os malefícios que suas práticas geram à sociedade brasileira, inclusive com altas dívidas fiscais.

O artigo acadêmico “Madeira sem lei: memória de um conflito fundiário no Paraná”, publicado em 2010 pela pesquisadora Dibe Salua Ayoub, da UFPR, aponta que a empresa comprava madeira dos posseiros e faxinalenses entre as décadas de 1950 e 1980. Na época, a maior parte da população rural era analfabeta, e a madeireira ficou conhecida por aproveitar-se disso para enganar as famílias moradoras da região. Enquanto imaginavam estar assinando contratos para a venda da madeira, na verdade, formalizam a venda dos próprios terrenos, situação que dá origem a parte dos conflitos por terra na região. 

*Editado por Fernanda Alcântara