Protestos
Cuba: Nova ofensiva e a tempestade perfeita
Por Ángel García
Para Página do MST
Um breve relato dos eventos
No dia 11 de julho de 2021, em várias cidades cubanas, milhares de cubanos/as saíram às ruas para protestar contra o governo. Dizem que pode ser o maior protesto desde o “maleconazo” de 1994, durante o momento mais crítico do “Período Especial”. O primeiro protesto ocorreu na cidade ocidental de San Antônio dos Banhos, no município de Artemisa. Logo em seguida aconteceu uma mobilização em Havana, onde se estima uma participação de até mil pessoas, enquanto que, em outras cidades, foram dezenas e centenas de manifestantes.
As palavras de ordem que ecoavam pelos manifestantes eram Pátria e Vida (como uma refutação da histórica “Pátria ou Morte”), Fora Comunistas, Abaixo a Ditadura. Não gritavam “Abaixo ao Bloqueio”. Os manifestantes repudiaram a escassez, os altos preços dos alimentos, os cortes de energia no verão e em meio à pandemia, o que eles consideraram ser uma falta de resposta das autoridades. Alguns agitavam bandeiras dos EUA.
A presença da contrarrevolução cubana – paga pelos EUA – na linha de frente dos protestos foi evidente. Mas houve também a presença de homens e mulheres cubanos, expressando seu descontentamento com a escassez, as longas filas de espera, e a exaustão da pandêmica, que se misturou com a avançada contrarrevolucionária. Como parte dos protestos, houve todo tipo de distúrbios: saques de lojas, carros quebrados e tombados.
A imprensa mundial tenta impor a narrativa de que é “um protesto espontâneo contra a ditadura comunista”, mas o nível de coordenação entre as diferentes cidades mostra a existência de um planejamento e coordenação prévia.
Em resposta aos protestos, o governo cubano, na voz do presidente Miguel Díaz-Canel, realizou um chamado ao povo para defender a revolução, declarando que “as ruas pertencem aos revolucionários”. Em seguida ocorreram mobilizações de cidadãos em apoio ao governo e à revolução.
Aqueles que encorajaram os protestos, juntamente com a máfia cubana em Miami, apelaram para uma “intervenção humanitária”. Lembremos da “intervenção humanitária” na Iugoslávia em 1999 e na Líbia em 2011, entre outros. Deixa claro que este apelo é para um bombardeio e, então, podemos dizer com mais precisão, ser uma chamada para intervenção militar. Houve também apelos para a abertura de “corredores humanitários”, que só se aplicam em situações de conflito armado. No dia 14 de julho, o prefeito de Miami, Francis Suárez, instou a administração Biden a fazer uma intervenção militar com ataques aéreos.
A tempestade perfeita
Os protestos ocorreram em um dos momentos mais difíceis e críticos que Cuba está passando desde o “Período Especial” dos anos 90. E é justamente nessas conjunturas complexas que o imperialismo norte americano se aproveita da situação para desencadear uma campanha de desestabilização contra a revolução e tenta, mais uma vez, provocar a tão almejada “mudança de regime”.
Afetada pela pandemia, que reduziu o turismo – a principal fonte de divisas do país – a uma fração mínima, reduziu também a capacidade de importar petróleo, alimentos, medicamentos e insumos para manter a produção que também caiu drasticamente. Ao mesmo tempo, as infecções por Covid-19 aumentaram, o que significou uma maior pressão sobre o uso e os gastos dos serviços de saúde para cuidar dos afetados. O resultado tem sido a escassez de alimentos, de medicinas e quedas de energia.
A crise gerada pela pandemia é agravada, ainda mais por sessenta anos de bloqueio econômico e por uma campanha de agressão por parte dos Estados Unidos. A administração Trump apertou o bloqueio com aplicação de 240 novas sanções econômicas, 55 só em 2020, no auge da pandemia. Voltou incluir Cuba na lista de “países patrocinadores do terrorismo” por ter facilitado as “conversações de paz” entre o governo colombiano e a guerrilha, usando este pretexto para intensificar as sanções. Quase nada pode ser exportado, quase nada pode ser importado, as remessas foram bloqueadas. A entrada de um navio da China carregando suprimentos para combater a pandemia da Covid-19 foi proibida, assim como a compra de ventiladores de empresas norte americanas e a entrada de navios petroleiros nos portos cubanos. Entre a crise sanitária e o bloqueio, o Produto Interno Bruto (PIB) de Cuba caiu 11%.
É neste contexto que ocorre uma nova pandemia, e agravada com a chegada da nova variante Delta, causando mais de 6.900 casos e 47 mortes em apenas alguns dias. Para Cuba, estes números são extremamente altos. Mas em comparação com outros países, como os Estados Unidos e o Brasil, que registraram mais de 600.000 e 500.000 mortes, respectivamente, Cuba registrou apenas 1.597 mortes durante toda a pandemia. Só o condado de Miami, com apenas 2.700.000 habitantes, teve 504.000 casos do novo coronavírus e 6472 mortes.
Houve erros internos na gestão macroeconômica, sem dúvida. A ordem monetária – ou unificação da moeda – veio em um momento inoportuno, em meio à pandemia. Junto com a escassez causada pelo bloqueio e pela pandemia, aumento na inflação, alterando dramaticamente os preços dos alimentos e das necessidades básicas.
O descontento social acumulado, causado pela escassez, as carências e os altos preços – é mais do que compreensível – criou as condições para uma “tempestade perfeita”, de modo que a partir de Miami, foi feita uma tentativa de gerar, por controle remoto, uma “explosão social” que exerceria pressão das ruas cubanas para uma mudança de regime. A tática de golpe suave e guerra não convencional foi utilizada, primeiro aquecendo as redes sociais, para depois aquecer as ruas. A lógica é que uma crise econômica – em grande parte provocada de fora – se traduzirá em uma crise social e, finalmente, se transformará em uma crise política, marcada pela ilegitimidade do governo. A “solução final” para tal situação, uma intervenção militar estrangeira para chegar a tal objetivos.
Esta não é a primeira vez que isto acontece em Cuba; uma situação semelhante ocorreu em 1994. No pior momento do Período Especial, com uma crise aguda de falta de alimentos, medicamentos, energia, falta de transporte, causando descontentamento e irritação entre a população. Aconteceu a “crise dos balseiros” ou “el maleconazo”, quando centenas de cubanos se lançaram ao mar em balsas improvisadas, com destino à Flórida. Neste contexto de vulnerabilidade e fragilidade econômica de Cuba, a contrarrevolução, com o apoio da administração Clinton, aproveitou a situação para intensificar as ações de desestabilização através de organizações como a “Irmãos ao Resgate” e a “Fundação Cubano-Americana”.
Lembremos que os Estados Unidos investem U$ 20 milhões de dólares por ano para promover grupos dissidentes e de contrarrevolução. Também financia o chamado “jornalismo independente”, com blogueiros e administradores de redes sociais que geram uma boa dose de “notícias falsas”, como foi o caso do protesto de 11 de julho. Foram divulgadas imagens das manifestações anti-Mubarak no Egito em 2011, na Argentina, com milhares de pessoas nas ruas de Buenos Aires celebrando sua vitória na Copa América, e até mesmo imagens de cubanos marchando em defesa da revolução, apresentadas como protestos contra o governo cubano.
A geopolítica da ofensiva
No final de junho, o diretor da CIA William Burns chegou à Colômbia para liderar uma “missão sensível”. Imediatamente após isso, 26 mercenários colombianos apareceram no Haiti e assassinaram o presidente Jovenel Moïse. Imediatamente, o governo de fato daquele país pediu uma “intervenção militar” para ajudar a manter a paz após o assassinato. Em outras palavras, o exército ianque ocupa o país caribenho pela oitava vez desde 1857. Ao mesmo tempo, na Venezuela, os paramilitares colombianos organizaram ataques armados na periferia de Caracas, com o objetivo de criar o caos, apenas alguns meses antes das eleições regionais. Em seguida, a estes fatos ocorrem os protestos em Cuba, pedindo uma “intervenção humanitária” por parte dos EUA.
A América Latina é, sem dúvida, o espaço vital para a recomposição da hegemonia do imperialismo. Um império em declínio, com dois fortes antagonistas – China e Rússia – está desesperado para recuperar o terreno perdido. Cuba e Venezuela são o eixo estratégico de resistência anti-imperialista no continente, um eixo que o imperialismo tenta quebrar, a qualquer preço. Com Obama, eles tentaram alcançar através da negociação o que não conseguiram com décadas de bloqueio e confronto direto. Mas não obtiveram sucesso, porque Cuba é uma pátria de princípios que se recusa a ceder sua soberania a uma potência estrangeira.
No último dia 9 de julho, Cuba obteve autorização para o uso emergencial da vacina Abdala, que permite, além de seu uso em massa, sua comercialização com base em uma lógica completamente diferente da que reina atualmente nas empresas multinacionais de vacinas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), apenas 0,3% das vacinas chegaram aos países pobres do terceiro mundo. Em outras palavras, a vacina Abdala e as quatro candidatas a vacina, que a acompanham seriam uma demonstração do valor de um sistema público controlado pelo Estado e em benefício da maioria, que poderia ser colocado a serviço da humanidade excluída.
A posição de Cuba seria reforçada em termos de política externa e, para os países pobres, o caminho de retorno à vida econômica, hoje impossível devido aos contágios e às mortes. O imperialismo conhece o enorme peso que o sucesso da medicina cubana poderia ter em termos geopolíticos.
O que aconteceria se Cuba – e com ela o terceiro mundo para o qual a tecnologia é transferida – obtivessem lucros substanciais que seriam postos a serviço dos povos? O imperialismo aproveitou a pandemia para usar sua falsa política humanitária para comprar apoio e combater a influência da China e da Rússia na região. Esta é a geopolítica das vacinas.
Cuba não tinha um produto exportável, além dos serviços profissionais, desde o boom do açúcar. Tal produção da ciência cubana atenuaria significativamente a sufocação imposta pelo bloqueio econômico e financeiro. Essa é a fonte do desespero dos setores dominantes da política cubano- americana e da máfia.
Dois dias após 9 de julho, em meio ao maior pico pandêmico, todos esses eventos acontecem e são organizados de forma concertada. Isto surgiu também em um momento em que o Grupo Puebla começa a jogar um papel mais ativo sobre os acontecimentos no continente, por exemplo as posições do México e da Argentina. Vamos levar em conta que agora a ação concertada dos Estados Unidos, de sua embaixada na Bolívia, do Equador de Lenin Moreno e da Argentina de Macri, em apoio ao golpe contra Evo Morales está começando a se manifestar. Estes governos enviaram suprimentos militares que certamente foram utilizados nos massacres de Secata e Sankaba. O papel da Organização dos Estados Americanos (OEA) está sendo desvelado. O governo colombiano de Iván Duque sai debilitado da Greve Nacional.
A situação regional está se tornando mais complicada para o imperialismo e a direita regional, empurrando-os para gerar eventos que distraem a atenção e recolocam o foco em Cuba e Venezuela. A questão de Cuba tornou-se o respirador artificial do discurso da direita latinoamericana.
As cartas foram dadas, não apenas em Cuba, mas em todo o continente. O que acontece agora descansará sobre os ombros dos homens e mulheres das gerações futuras por décadas.
Fidel nos deixou como ensinamento que, os povos têm duas opções: Ajoelhar-se ou lutar. Martí o disse com clareza profética: quem se levanta hoje com Cuba, se levanta para todos os tempos. Estes são tempos de definições. Não há espaço para a tibieza. Não se pode estar com Deus e com o Diabo. Só há espaço para a defesa do projeto humano – que também é imperfeito – que, porém para os pobres da terra, é um projeto infinitamente superior ao que o império e o capitalismo têm a oferecer. Em face do qual só podemos dizer, hoje, como ontem:
Pátria ou Morte!!!
*Editado por Solange Engelmann