Formação
Assentamento do MST em SP recebe oficinas de Curso de Agroecologia da UFSCar
Por Filipe Augusto Peres
Da Página do MST
Nos dias 20 de junho e 18 de julho, aconteceram no Assentamento Mário Lago, em Ribeirão Preto, São Paulo duas oficinas ligadas ao “Curso de Formação de Agentes Populares de Agroecologia”, realizado em uma parceria da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), por meio do Núcleo de Estudos Agrários (NEA), integrado ao Núcleo de Pesquisa e Extensão Rural (NUPER), com diversos parceiros, em especial o MST e o Centro de Formação Sócio-Agrícola Dom Hélder Câmara.
Manuela Aquino, da Direção Estadual do MST, e coordenadora do Curso de Agentes Populares de Agroecologia, lembrou que o curso está previsto de ocorrer em três etapas dentro de uma metodologia que o MST já trabalha, a metodologia da alternância.
“Esse curso segue, também, essa metodologia. Nós já realizamos o tempo-escola e, agora, estamos indo para o tempo-comunidade. A ideia do curso é que possam ser realizadas oficinas. Por conta da pandemia, não pudemos realizá-las presencialmente, por isso a nossa proposta foi a da realização de oficinas-escolas, para que os estudantes pudessem ter acesso ao conteúdo e reproduzi-lo em seus territórios”.
Manuela explica que as primeiras oficinas-escola foram realizadas no Assentamento Mário Lago e contaram com a presença de professores e estudantes da UFSCAR, assentadas e assentados da Reforma Agrária, além de alguns parceiros que contribuem com o desenvolvimento da agroecologia nos territórios do MST, como Namastê Messerchmidt e Osvaldo Luís de Sousa, educador agroflorestal e agrofloresteiro, respectivamente. A dirigente estadual comentou também que todos os vídeos serão disponibilizados aos alunos nas plataformas do curso.
“A ideia é que possamos filmar e praticar, respeitando todos os protocolos sanitários, um pouco da implementação e outras técnicas de um sistema agroflorestal. Estes vídeos realizados ficarão disponíveis nas plataformas do curso para que os estudantes possam acessá-lo.”
Parceria entre universidade e movimentos sociais
Outro ponto destacado por Aquino foi a importância da parceria da UFSCar com os movimentos sociais, enquanto troca de conhecimentos e adiantou que mais oficinas irão acontecer no município.
“Este curso, apesar de todos os limites que estamos tendo na pandemia, é fundamental para que exista este diálogo entre a universidade, o conhecimento acadêmico-científico e o conhecimento científico-popular, que é o conhecimento construído a partir do território, da militância, das assentadas/as da Reforma Agrária. Teremos mais oficinas no município de Ribeirão Preto para dar continuidade. Quem quiser acessar, todo este material pedagógico estará na página do NUPER.”
Joelson Gomes de Carvalho, professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar, responsável pela coordenação do NEA e integrado ao NUPER, também destacou a importância da parceria da universidade com outros parceiros, com o MST e o Centro de Formação Sócio-Agrícola Dom Hélder Câmara.
“A partir dessas parcerias nós conseguimos, por meio da aprovação de um edital público, constituir este núcleo que, dentre muitas outras ações, que poderíamos destacar como formação mais ampla e geral, a criação de um repositório de pesquisa e pesquisadores em Agroecologia ligados direta e indiretamente à UFSCAR.”
Joelson disse ainda, que o curso “Formação de Agentes Populares de Agroecologia” surpreendeu a todos/as os/as envolvidos/as, seja pelo número como pela diversidade dos inscritos.
“Este curso, como uma das ações do NEA nos surpreendeu de maneira muito positiva, na medida em que as inscrições superaram em muito as expectativas originais. Nesse sentido, nós que esperávamos uma demanda de duas, até três vezes maior que as vagas oferecidas, tivemos a grata surpresa de termos 2.200 inscrições de todas as unidades da federação, vindas das mais diferentes frentes: movimentos sociais, Sem Terra, indígena, quilombola, homens e mulheres ligados às universidades, às agências de ATER [Assistência Técnica e Extensão Rural]. Enfim, tivemos uma grande diversidade, que fez com que repensássemos os objetivos e o alcance do nosso projeto”. Decidimos, portanto, em diálogo com os nossos parceiros, em especial o MST, atender a demanda na sua plenitude”.
Funcionamento do curso
Joelson também explicou como funciona o curso. “Adaptamos o curso para tempos pandêmicos, o dividindo em três fases: a primeira, tempo-escola, tivemos a oportunidade de contar com especialistas não apenas das universidades, mas, em especial, ligados a movimentos sociais, a entidades parceiras e, também, camponeses e camponesas, com o seu conteúdo, trajetória e experiências.
Após a primeira etapa, o professo da UFSCar relata que o curso entrou em um período especial, chamado de tempo-comunidade, com atividades nas localidades onde vivem os educandos/as. “Baseado na pedagogia da alternância que vai, por meio de um trabalho feito por monitores das universidades e dos movimentos sociais, acompanhar todos os cursandos/as em quatro meses, de junho a setembro, desenvolvendo atividades ligadas ao que chamamos de pedagogia do caminhar, baseada na inspiração de Eduardo Galeano, aquela ideia de que a utopia nos faz caminhar. Partindo desse princípio, neste momento, os cursandos/as estão se organizando individual ou coletivamente para desenvolverem projetos que dialoguem direta ou indiretamente com a Agroecologia, seja numa produção de SAF (Sistema AgroFlorestal), seja numa Ação Solidária, que faça doação de alimentos. Nossa ideia todos/as possam desenvolver ações práticas pensando na sua formação e, nessa perspectiva, também agindo para a transformação”.
Ao explicar sobre a terceira etapa, o professor Joelson destacou o simbolismo da primeira oficina ter sido realizada no assentamento, em Ribeirão Preto. Para o sociólogo, a realização das oficinas na capital do agronegócio revela uma ideia de conflito de projetos entre o projeto agroecológico e a agricultura capitalista, bem como comprova que é possível produzir de maneira agroecológica em qualquer território.
“O Assentamento Mário Lago está encravado naquela que já foi conhecida como capital do agronegócio, a cidade de Ribeirão Preto. Nós, juntos com muitos parceiros e muita luta, pretendemos transformá-la na capital da Agroecologia. Nesse conflito de projetos, essa oficina pedagógica realizada no Mário Lago, busca possibilitar alternativas e tecnologias sociais, mostrando que é possível fazer agroecologia seja em territórios quilombolas, seja em territórios indígenas, mas também, e sobretudo, em territórios que antes imperava a cana – de açúcar, em territórios que ainda hoje imperam os interesses dos latifundiários, os interesses das grandes corporações, como é o caso de Ribeirão Preto.”
O professor da UFSCar encerrou ressaltando que as oficinas pedagógicas reforçam a importância de resistência ao agronegócio, e da importância da pareceria com o MST. “Estamos muito felizes em iniciar a oficina pedagógica, primeira de uma série de oito, neste território. Não apenas por reforçarmos a ideia da resistência contra o agronegócio a partir de um projeto contra-hegemônico, mas em especial por privilegiar um parceiro que se faz presente, protagonista em muitos momentos, o MST, a partir da regional de Ribeirão Preto”.
Participantes do curso
Moradora do acampamento Campo e Cidade Paulo Botelho, em Jardinópolis/SP, Cris Dias afirmou gostar muito do curso. A acampada destacou a simplicidade do processo de manejo agroflorestal, em comparação com o modus operandi do modelo capitalista de produção.
“O curso é muito bom. Para mim que entendo muito pouco, principalmente porque sou adepta à ecologia. Então, quero realizar um processo bem melhor na terra que luto, agora. A vivência de hoje me mostrou que é muito mais simples realizar no modelo agroflorestal do que no sistema comum. A gente consegue o manejo muito melhor neste sistema do que no manejo que o pessoal costuma fazer, que é tirar toda a estrutura do solo. A irrigação, também, a gente não gasta tanta água. É uma questão que se todos tiveremos a oportunidade de estudar será bem melhor para o mundo”.
Namastê Messerchmidt, educador agroflorestal há mais de 20 anos, conta sobre as atividades realizadas nas duas primeiras oficinas no assentamento Mário Lago. Ele destacou o que chama de “pedagogia ao pé da planta” e explicou um pouco da didática utilizada durante a oficina e a expectativa dos estudantes em se tornarem multiplicares em suas regiões.
“Nós estamos trabalhando uma pedagogia que chamamos de ‘pedagogia ao pé da planta’. Nós teremos uma parte em que será utilizado o flip chart, explicando um pouco dos princípios, mas a oficina é quase toda a campo. Isso quer dizer que quando falamos de solo, falamos de campo, de química de solo, de matéria orgânica. O pessoal está gravando esse curso para duas mil pessoas inscritas, que terão a função de serem agentes multiplicadores em suas regiões.”
Etapas das oficinas
O educador relatou ainda como foram realizadas as duas primeiras oficinas. “No dia 20, nós plantamos uma área com o objetivo de produzir hortaliças, temperos, coisas para chá, mais para uma subsistência das pessoas. Plantamos banana, mandioca, árvores e cada um dos plantios explicamos um pouco de cada processo. Já, no dia 18, falamos de manejo. O manejo é uma parte muito importante, que impulsiona o nosso trabalho, quando fazemos o manejo certo na hora, ele faz acelerar os processos. Nós andamos em áreas de diferentes idades para observar diferentes manejos. Primeiro, olhamos um módulo com 40 para 50 dias de plantação, depois fomos a outra área já com 4, 5 meses e terminamos em uma área mais antiga, que já foi plantada faz uns 5 anos. Ao andar essas áreas, conversamos sobre o manejo em cada momento”.
Namastê destacou também o caráter coletivo da construção do conhecimento realizado durante a oficina. “Tudo o que fizemos nestas duas oficinas trouxemos uma explicação. Fizemos isso, construímos isso juntos, cada um trazendo um pouco do seu conhecimento.”
Assentada no Mário Lago, desde a época de luta das ocupações pelo assentamento de Reforma Agrária, Zeza, explicou sobre como o território era antes e depois de conhecer o modo de produção agroflorestal.
“Aqui era só mato. A gente tinha até medo de vir aqui. Graças a Deus conheci esses garotos, os outros professores, eles entraram aqui e me fizeram a proposta de fazer desta forma, que eu amei. Antes, nós plantávamos só o convencional, o milho durante o ano e não víamos grandes coisas. Daqui eu já tirei muita coisa, já entreguei muita verdura, plantamos bastante gliricídia (está indo que é uma beleza!), tomate também. Eu estou amando o projeto. Tenho fé em Deus de que vamos expandir bastante”.
Frutos do projeto
Também assentada no Mário Lago, na regional de Ribeirão Preto, Kelli Mafort, da Coordenação Nacional do MST, ressaltou a importância do modo de produção agroflorestal, tanto para a obtenção de uma comida saudável, sem agrotóxicos como para combater o colapso climático.
“Quando vemos uma área como essa, temos certeza de vai sair comida de verdade, muita comida saudável. Como Ana Primavesi já nos ensinou, um solo sadio vai produzir um alimento sadio. Mas além desta parte mais visível, precisamos olhar para outro lado que é a questão relacionada ao que está acontecendo com o nosso planeta. Um tipo de manejo com este, um tipo de agricultura como esta contribui para combater um grande problema que estamos enfrentando, o colapso climático. O jeito capitalista de produzir comida para alimentar pessoas ou animais está colocando em risco a vida humana no planeta terra”.
Criticando a modo de produção da agricultura capitalista, Mafort destacou a importância do manejo agroflorestal neste processo de desenvolvimento do solo. “Quando fazemos um tipo de manejo de solo como este que estamos vendo, também estamos criando as condições para que um solo vivo, alimentado pela floresta, possa ter mais condições de fazer uma função ambiental muito importante dos solos, a retenção dos dióxidos de carbono. É muito difícil imaginar que iremos avançar no processo de conter este colapso climático, se não tivermos uma centralidade muito grande no solo. A forma capitalista de passar trator, remexer a terra, fazer plantios extensivos, monoculturas, monocultivos acaba com a diversidade e as funções ambientais, fundamentais para a vida na terra”.
A assentada da regional de Ribeirão Preto também pontou sobre a importância do trabalho que está sendo realizado no assentamento Mário Lago. “O que os assentados do Mário Lago estão fazendo, além de produzir um alimento saudável, tem uma função social para a humanidade. Se conseguirmos multiplicar as agroflorestas, este tipo de agricultura em outros lugares, não contribuiremos, apenas, com uma comida saudável, mas ao mesmo tempo, com a função ambiental, orgânica da natureza”.
Uma outra questão importante ressaltada por Kelli foi o fato de no modelo agroflorestal tudo estar interligado. “Olhando, parece que as coisas estão separadas. Uma árvore, depois a banana que vai entrar, uma cúrcuma, mas elas estão interligadas. E quando fazemos um manejo como esse sistema, estamos dando uma informação muito importante de vida nova. Essa informação tecnicamente libera esse hormônio do crescimento que é superimportante. Nesse momento em que viemos aqui e interferimos nesse sistema, estamos ajudando, acelerando um processo que, talvez, a natureza fosse fazer no seu curso normal. A árvore e a floresta manejada ajudam a criar as outras plantas e, também, o alimento para nós, para os animais e para a própria natureza”, encerrou.
O vídeo da primeira oficina filmada estará disponível na página do NuPER/UFSCar no YouTube, a partir de 26/07.
*Editado por Solange Engelmann