Agrotóxicos

Povos do Cerrado dialogam sobre as lutas e resistência contra o agronegócio em seus territórios

Ação faz parte da Mobilização Nacional Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, que está em sua etapa regional
Foto: Reprodução

Por Iris Pacheco
Da Campanha contra os Agrotóxicos e pela vida 

Com uma rica apresentação de denúncias contra os agrotóxicos, mas também de experiências agroecológicas na região Centro Oeste, a mobilização nacional contra o Pacote do Veneno (PL 6299/02), e SIM à Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA) (PL 6.670/16), apontou a gravidade do cenário agrário no cerrado brasileiro.

A atividade iniciou com a socialização do Distrito Federal, onde há imensas plantações de soja pelo agronegócio. Uma das experiências de resistência é do Acampamento 8 de Março, que surgiu em 2012,a partir de uma ocupação da fazenda Toca da Raposa, em Planaltina, organizada pelas mulheres do MST. A área é pleiteada pelo movimento desde 2004, e está em disputa judicial até hoje em ação contra o grileiro Mário Zanatta, que ocupa mais de 1.200 hectares na região, quase 500 pertencentes à Terracap. 

Segundo o Sem Terra Márcio Heleno Ribeiro Felipe, esse território estratégico ocupado pelo MST cumpre um papel central na disputa ideológica no campo. “Damos uma função social para a terra. Conseguimos fazer esse contraponto ao agronegócio, esse projeto da morte, produzindo agroecologicamente.”

A destruição do cerrado e o envenenando o solo com uso abusivo de agrotóxicos pelo grileiro para a produção de soja e milho prejudica não apenas as 78 famílias que cultivam alimentos de forma agroecológica em uma área de 14 hectares, como ameaça uma área sensibilidade ambiental crítica, já que a região abriga também a Estação Ecológica de Águas Emendadas (ESECAE), onde nascem três das principais bacias hidrográficas do país – sexto lugar do mundo e o primeiro da América Latina a receber o Escudo de Água e Patrimônio do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS-Holanda).

Outra assentamento que também produz alimentos agroecológicos na região é o Chapadinha, uma propriedade da União, sob o comando da SPU e situada às margens do Parque Nacional de Brasília, na DF 170, km 7, com fortes restrições para implementação de Assentamento da Reforma Agrária, por parte dos órgãos ambientais. 

O agricultor familiar Francisco Miguel de Lucena lembra da luta pela terra que travaram para receberem a autorização da SPU e do INCRA para permanecerem na área, pelo menos, até a decisão definitiva, que por todavia, ainda não chegou, porém iniciaram a produção de alimentos no local. 

“Somos uma comunidade livre de agrotóxico, margeada ao Norte, Leste e Sul pelo Parque Nacional de Brasília. Produzimos hortaliças em geral, frutas, grãos e pequenos animais. A água utilizada é de uma nascente pura do próprio assentamento e poços artesianos. Ainda continuamos lutando pela regularização da área, sob responsabilidade do INCRA.”

Num território onde nascem as principais bacias hidrográficas do país, o uso indiscriminado de agrotóxicos tem sido uma problemática agravante, uma vez que há estudos que estabelecem uma conexão bastante evidente entre os monocultivos, a pulverização aérea, os inseticidas e a contaminação ambiental. Por outro lado, assim como diversos territórios e biomas brasileiros, não existe cerrado sem os povos, são eles que atuam como guardiões da riqueza e biodiversidade existente na região. 

No estado do Mato Grosso, a exposição impositiva aos agrotóxicos e as vulnerabilidades dos territórios tradicionais frente aos avanços do agronegócio sobre seu espaço, modos de vida e de trabalho tem se acentuado. É o caso da pulverização aérea de agrotóxicos sobre comunidades quilombolas no Pantanal. 

Laura Silva, da CONAQ, relata um pouco desses impactos. “Esse monocultivo da soja tem impactado negativamente as comunidades quilombolas, recentemente sofremos uma agressão muito grande em decorrência da poeira tóxica da soja, que ocasionou problemas de saúde muito graves. Isso tem trazido vários transtornos para as famílias, os modos de vida e sobrevivência, e tem interferido principalmente na produção.” 

Em abril de 2021, a comunidade quilombola de Jejum sofreu intoxicação por agrotóxicos. Ao total foram 15 pessoas, entre crianças, adolescentes e adultos que apresentaram sinais e sintomas de intoxicação aguda durante a exposição à poeira oriunda da colheita da soja da fazenda vizinha a comunidade, como irritação na garganta, falta de ar, irritação nos olhos, náuseas e dor de cabeça. 

A quilombola comentou ainda sobre a importância de fazer denúncias articuladas com outras organizações para tentar barrar esse processo. “A gente tem que denunciar ao Ministério Público Federal e estadual, do trabalho, ao fórum de combate ao agrotóxicos, juntamente com outras entidades. Nos envolvemos nessa luta para defender os direitos do nosso povo quilombola.”

Chegando no Mato Grosso do Sul, a realidade sobre os impactos dos agrotóxicos nas aldeias indígenas também são enormes, a pulverização aérea é uma das principais formas de atingir os territórios destes povos tradicionais. 

A índigena Erileide Guarani-Kaiowá denuncia que sua comunidade está há 21 anos na espera da demarcação de terras, com forte presença do agronegócio, portanto, com uma grande dificuldade em reduzir os impactos dos agrotóxicos. “Estamos atacados pelos agrotóxicos, somos cercados de lavouras como plantio de soja, cana, milho, enfim, nossas nascentes e rios sendo contaminados, nossos alimentos que vem da própria natureza, nossas plantas em extinção por conta disso. Nós indígenas queremos reduzir por nós, pela nossa saúde e pela alimentação do povo brasileiro.”

Além dos indígenas, a agricultura familiar sofre com as ações diretas desse modelo de morte. Uma ação no campo jurídico importante a ser relatada é a iniciativa dos sericicultores denunciarem a usina Sucroalcooleira Adecoagro, que culminou na lei que proíbe a pulverização aérea em Glória de Dourados. Ocorrida no ano de 2018 em virtude da deriva da pulverização aérea nas lavouras de cana da usina, que prejudicou a produção de seda dos sericicultores da região, essa ação civil foi conduzida pelo Ministério Público estadual, que definiu o ressarcimento financeiro aos sericicultores por parte da usina, que até hoje questiona a decisão.  

A história se repete em cada estado da região Centro Oeste, no Goiás, a denúncia e o anúncio também caminham em paralelo. Um exemplo disso é a pulverização aérea de agrotóxicos que ocorreu em janeiro/fevereiro sobre o acampamento Leonir Outback, em Santa Helena-GO, causando a intoxicação de várias pessoas residentes do local.  Organizado pelo MST, é um território com 200 famílias e se destaca no processo de luta pela terra em uma região tida como do agronegócio. 

Outra foco de resistência é a AESAGRO (ASSOCIAÇÃO ESTADUAL AGROECOLÓGICA DE GOIÁS). Formada por agricultores/as dos municípios de Orizona, Vianópolis, Santa Cruz de Goiás e Pires do Rio, a organização tem construído uma importante experiência agroecológica na região. À frente, na direção da associação, estão as mulheres, fazendo a gestão dos trabalhos coletivos de produção, do uso das máquinas comunitárias e da comercialização. 

Maria Inês de Oliveira conta como começaram esse processo e de que forma foram ampliando a participação. “Nós iniciamos essa experiência há mais de 12 anos com um grupo bem pequenininho de famílias e cada por si só tomou a iniciativa de produzir sem agrotóxicos. Começamos a juntar essas experiências e construir um único grupo para fortalecer, aumentar a produção e começar a gerar renda a partir da produção ampliada. começamos a acessar algumas feiras e colocar banca coletiva com todos os produtos das famílias.”

Por meio do acesso a programas e políticas públicas de comercialização, tais como o Programa de Aquisição de Alimentos com Doação Simultânea e o Compra Institucional – (PAA), Política Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e Programa de Aquisição de Alimentos, do governo do Estado de Goiás, os alimentos agroecológicos (hortifruti e cereais) são entregues nas instituições dos municípios de Pires do Rio, Orizona, Vianópolis, Urutaí, Senador Canedo e Silvânia.

A ação é uma continuidade da Mobilização Nacional Contra os Agrotóxicos e Pela Vida que está em sua etapa regional. Na mesma semana que havia o risco de o Pacote do Veneno entrar em pauta para votação no Congresso Federal, também nos deparamos com mais 48 registros de produtos agrotóxicos no país. Já são mais de 2 mil novos agrotóxicos liberados pelo governo Bolsonaro. 

Além da rica representação da luta pela vida e agroecologia nos territórios nos diversos estados da região Centro Oeste, contamos com a participação diversos parlamentares e seus respectivos mandatos federais, estaduais e também municipais. Entre elas, a deputada Federal Erika kokay (PT-DF), a deputada distrital Arlete Sampaio (PT-DF), os deputados Federais  Dagoberto Nogueira (PDT-MS), Vander Loubet (PT-MS) e o deputado estadual Pedro Kemp (PT-MS), a deputada Federal Rosa Neide (PT-MT), os deputados Estaduais Valdir Barranco (PT-MT) e Lúdio Cabral (PT-MT), a vereadora Mazéh Silva do município de Cáceres (PT-MT) e o deputado federal Rubens Otoni Gomide ( PT-GO). 

Dossiê contra o Pacote do Veneno e Pela Vida

O esforço para unir denúncias em torno do “Pacote do Veneno”, que tramita no Congresso, segue nessas mobilizações de âmbito regional. Um deles é dar visibilidade ao “Dossiê contra o Pacote do Veneno e em Defesa da Vida”, um estudo reúne 35 autores/as e compila pesquisas e posicionamentos de dezenas de organizações brasileiras contrárias ao uso de agrotóxicos, lançado no quarto dia da Mobilização Nacional Contra os Agrotóxicos e Pela Vida (clique aqui para baixar o dossiê)

Os contrapontos científicos e técnicos a este projeto ganharam forma nas mais de 300  do livro Dossiê e é uma produção da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO); Associação Brasileira de Agroecologia (ABA); da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, em parceria com a Articulação Nacional de Agroecologia e apoio do Instituto Ibirapitanga e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Conta ainda com prefácio assinado por Leonardo Melgarejo e João Pedro Stedile, e posfácio de Leonardo Boff.

A Campanha também propõe que entidades, movimentos e bancadas também protocolem esse documento nos endereços de e-mail dos deputados e deputadas.

Para ampliar a mobilização, entidades e movimentos sociais farão seminários regionais virtuais, a partir desta semana. As ações estão previstas para ocorrer sempre às 18h e transmitidas pelas redes da Campanha (clique aqui para saber mais sobre as ações nas outras regiões). 

*Editado por Fernanda Alcântara