Pandemia
O papel da vacinação no combate à fome e à pobreza: esperar não é a solução!
Por Por Lívia Mello/ Periferia Viva
Do Brasil de Fato
No dia 20 de agosto deste ano, o Movimento Sanitário brasileiro prestou homenagens pelos 80 anos que completaria Sergio Arouca, um importante sanitarista da nossa história, que lutou pela saúde como um direito de todas e todos e pela concepção, articulação e defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) como parte de um projeto civilizatório no Brasil.
Na fatídica 8ª Conferência Nacional de Saúde, presidida por ele em 1986, Sergio Arouca proferiu uma palestra de abertura refletindo que saúde significaria alguma coisa a mais do que simplesmente não estar doente. Estaria relacionado a ter direito a casa, ao trabalho, a um salário condigno, à água, à vestimenta, à educação, à terra, ao meio ambiente e a um sistema político que respeite a livre opinião, organização e autodeterminação de um povo.
O contexto era de saída do longo período de ditadura militar, mas sua palestra poderia ter sido proferida hoje. Com um milagre econômico para poucos e pobreza extrema para muitos, eram tempos de alta mortalidade infantil, consequência da desnutrição, diarreia, além da paralisia infantil (poliomielite) cuja erradicação foi atingida em 1989, após quase 10 anos de campanha de vacinação, coordenada pelo então implantado Programa Nacional de Imunização (PNI).
Atualmente estamos assistindo a um cenário de desigualdades sociais que muito se aproxima ao período da ditadura: 14 milhões de desempregados, inflação crescente, mais da metade da população brasileira em situação de insegurança alimentar, crise sanitária sem precedentes e ameaças constantes à democracia proferidas contra o sistema judiciário e às liberdades individuais dos opositores políticos que se manifestam contra as posições genocidas e arbitrárias do presidente Jair Bolsonaro, tendo o mesmo convocado atos de caráter golpista para o dia 7 de setembro.
A pandemia da covid-19 já ceifou mais de 570 mil vidas no Brasil, apesar do esforço do nosso imenso SUS com suas medidas de vigilância, atenção à saúde, prevenção e proteção à saúde, incluindo aí a produção, compra e aplicação de vacinas.
Apesar dos vários equívocos e desvios de conduta do Governo Federal não colocando o PNI para centralizar a coordenação da vacinação junto aos entes subnacionais, somados aos escândalos de corrupção que atrasaram a compra de vacinas, em janeiro de 2021 foi iniciada a vacinação contra Covid-19. Cada município tem adotado uma lógica de planejar e organizar a vacinação, com alguns aplicando as doses nas Unidades de Saúde da Família enquanto outros tantos caíram no encanto da sereia e adotaram aplicativos para agendamento, organizando postos de vacinação fora dos estabelecimentos do SUS, muitas vezes através de Drive Thru.
Por um lado, perde-se a oportunidade de mostrar a toda população o SUS que funciona, incluindo aí pessoas usuárias de planos de saúde. Por outro, gera-se iniquidades que passam pelo limitado acesso às tecnologias da informação da parcela mais pobre da população, sendo muitos dos aplicativos de agendamento das vacinas uma barreira de acesso.
Em trabalho realizado nas periferias do Recife não é incomum escutar que até os dias de hoje pessoas não se vacinaram, seja por falta dos documentos pessoais exigidos, seja por não disporem de dinheiro para pagar lan house para efetuar o agendamento via aplicativo. Repete-se o que foi feito no caso de barreiras no acesso ao auxílio emergencial, vulnerabilizando os mais vulneráveis.
Olhando em perspectiva nacional, porém, 28,4% da população está com o esquema vacinal completo, com redução no agravamento dos casos e consequente redução do número de óbitos. Segundo Boletim do Observatório Covid-19 da Fiocruz publicado em 25 de agosto de 2021, o número de mortes por Covid-19 diminui a uma taxa de 1,5%, com uma média atual de 770 óbitos por dia.
Apesar da melhora comparativa em relação aos meses anteriores, o médico e cientista Miguel Nicolelis, nos alertou esta semana quanto à maior velocidade na disseminação da variante Delta, atingindo prioritariamente idosos e crianças abaixo de 15 anos, o que tem ocorrido mesmo em países onde a vacinação da população está mais abrangente que no Brasil. Sabemos que uma possível terceira onda no país será muito mais danosa às populações pretas e periféricas, usuárias do SUS. População essa que não teve e não terá alternativa de ficar em casa se não tiver um amplo programa de proteção social com renda básica, programas de aquisição de alimentos e fortalecimento da agricultura familiar, garantindo comida no prato daqueles que têm fome.
Fica cada vez mais urgente intensificar a organização popular para salvar vidas! Cobrar mudanças nos planos de vacinação locais para que se garanta saúde perto de casa, ajudar a vizinhança no agendamento da primeira e segunda dose, reverter as fake news e lutar para que haja distribuição massiva de máscaras de proteção individual de qualidade pelo SUS é tarefa de quem está em Mutirão de Luta pela Vacinação!
Se ter saúde é ter a capacidade de lutar contra o que nos oprime, lutemos por vacina no braço, comida no prato e Fora Bolsonaro. E que Sérgio Arouca continue nos inspirando.
*Lívia Mello compõe a Coordenação da Campanha Periferia Viva.
**O Periferia Viva nasce como resposta ao governo genocida com sua política de morte que nos deixou a própria sorte em uma pandemia. A ideia é conectar iniciativas, campanhas e demandas da sociedade que podem contribuir e fortalecer essa rede de solidariedade. Leia outros textos.