Centenário Paulo Freire
Rádios do MST no CE reforçam importância da comunicação popular
Por Solange Engelmann
Da Página do MST
O legado de Paulo Freire, poeta do verbo esperançar e educador do povo, vai além da educação, influenciando o pensamento de uma época. O educador construiu um método de educação dialógica e libertadora, adotado principalmente pelos movimentos sociais populares, organizações de esquerda, movimentos da educação e educadores que se inspiraram em suas ideias para organizar lutas e processos educativos libertários no período da ditadura militar no Brasil (1964-1985). Porém, suas ideias seguem presentes e vivas em diversas experiências educativas, comunicativas e de lutas pelo mundo.
Nesse sentido, Freire pensa a comunicação como dialógica, a partir do seu livro “Extensão ou Comunicação?”. Nesses termos, conforme uma das pensadoras brasileiras da comunicação popular e comunitária, Cicilia Peruzzo, o educador considera a comunicação como extensão da informação e uma forma de transmissão de saber, propondo o exercício da comunicação humana com o estabelecimento de um diálogo que reconhece o outro como sujeito, ou seja, um sujeito que possui saberes e uma postura ativa. Na perspectiva freireana, o ser dialógico é pensado como um sujeito que busca a transformação da realidade e das opressões que o atingem.
No momento em que nos aproximamos do aniversário de Paulo Freire, que no próximo dia 19 de setembro completaria 100 anos de vida, trazemos presente uma experiência da comunicação popular do MST na área das rádios comunitárias no estado do Ceará, que resgata e (re)significa as ideias e ensinamentos do pensador, ao mesmo tempo em que reforça o papel estratégico da comunicação popular e inspira a luta pela Reforma Agrária no país; bem como fortalece a luta das classes trabalhadoras na construção de meios de comunicação populares e contra-hegemônicos, para auxiliar na difusão das mudanças sociais e ideias de uma sociedade mais democrática e igualitária.
Rádios do MST têm papel central na difusão da Reforma Agrária Popular
Atuando como ferramentas fundamentais na construção da Reforma Agrária Popular, as rádios do MST no Ceará desenvolvem atividades de comunicação popular, a partir da atuação das próprias famílias assentadas nos territórios, sendo conduzidas de forma coletiva pelos/as trabalhadores/as, em parceria com o setor de comunicação do Movimento.
A primeira experiência em rádios comunitárias do MST no estado foi implantada em 2007, no primeiro assentamento conquistado pelas famílias Sem Terra no Ceará: a Rádio 25 de Maio FM “Ocupando o latifúndio do ar”, que fica no assentamento 25 de Maio, localizado nos municípios de Madalena, Quixeramobim e Boa Viagem. Hoje o MST no estado conta com sete rádios FM, uma rádio poste e uma web rádio.
“As nossas rádios são frutos da articulação política do MST nas regiões e territórios onde estão inseridas. O MST do estado tem priorizado a implantação de rádios com o objetivo de transformar essa importante ferramenta em espaço de disputa ideológica, sendo um meio de ecoar vozes as milhares de pessoas que antes só tinham acesso a comunicação burguesa”, conta a jornalista e coordenadora do setor de comunicação no Ceará, Aline Oliveira.
Atualmente do MST no Ceará conta com seis rádios FM em funcionamento, e um programa estadual criado em março deste ano, que vai ao ar todas as sextas-feiras de forma simultânea nessas emissoras; com notícias internacionais, nacionais, estaduais, e um debate sobre temas da conjuntura.
Na perspectiva do legado de Paulo Freire, Aline explica que durante a pandemia da Covid-19, as rádios do MST no Ceará têm ampliado a atuação na área da educação popular que vinha sendo desenvolvida pelos comunicadores Sem Terra, além de fortalecer o trabalho de conscientização com a base Sem Terra e o publico ouvinte, apoiador da Reforma Agrária; atuando em parceria com as Escolas do Campo, e promovendo debates que antes ficavam restritos aos espaços escolares. “Paulo Freire nos inspira sempre, as nossas rádios têm sido espaços de socialização de conhecimento, de resgate da cultura camponesa, e de emancipação humana. Acredito que o conteúdo veiculado em nossas rádios desenvolve nas pessoas uma consciência crítica”, pontua ela.
Rádio atua na comunicação entre educandos e educadores de Escola do Campo
Devido a necessidade do distanciamento social com a pandemia do Coronavírus, a cerca de um ano e meio, uma das alternativas encontradas pela Escola do Campo de Ensino Médio João dos Santos de Oliveira, localizada na comunidade de Quieto, no assentamento 25 de Maio, em Madalena/CE para o ensino remoto tem sido a rádio. Devido os limites de acesso à internet por 50% dos estudantes, a veiculação dos conteúdos na Rádio Comunitária 25 de Maio FM 95,3 possibilitou o alcance de 100% dos educandos/as da escola.
Desse modo, a rádio comunitária do MST na localidade, “se tornou a principal ferramenta de comunicação entre a escola e os educandos/as, que não tinham acesso à internet, bem como o elo de ligação entre a escola e comunidade escolar”, explica a diretora da escola, Sandra Alves, pedagoga e especialista em Cultura Popular Camponesa, Arte e Educação do Campo.
A diretora relata que os/as educadores/as da escola toda semana preparam um conjunto de atividades pedagógicas, com conteúdo regular e de orientação às atividades distribuídas aos educandos, bem como promove debates formativos com toda comunidade escolar, lançamento de jornadas de luta e da escola, como da jornada nacional do centenário de Paulo Freire, do plano nacional do MST Plantar Árvores e Produzir Alimentos Saudáveis, além de seminários, projetos e atos políticos, que são transmitidos, ao vivo pela rádio e disponibilizados nas plataformas de redes sociais da escola.
“Acreditamos que esta experiência impulsionada pela pandemia nos motivou a ocupar essa importante conquista da classe trabalhadora camponesa, que são as rádios comunitárias, bem como oportunizou toda a comunidade escolar a acompanhar semanalmente as ações que a escola realiza fortalecendo seu projeto político pedagógico”, aponta Sandra. Ainda segundo ela, a partir da veiculação dos conteúdos e da comunicação da escola a partir da Rádio Comunitária 25 de Maio foi possível manter o vínculo com os educandos/as que não tem acesso à internet mitigando os impactos negativos na aprendizagem e o risco de abandono escolar causado pela pandemia, além de fortalecer o protagonismo da juventude Sem Terra na escola.
Rádios do MST debatem assuntos comunitários e da conjuntura agrária
Mesmo com o avanço da internet e das tecnologias no país, há muitas limitações para que essas tecnologias cheguem até o campo, como o acesso à internet banda larga, que ainda é um sonho distante para grande parte das famílias do MST em assentamentos e acampamentos. Nesse cenário, o rádio se mantém como um dos meios de comunicação de mais fácil acesso e sendo o veículo mais utilizados pelas famílias camponesas, contribuindo na comunicação interna entre a base do MST e externa, na relação com a sociedade do entorno.
Ao contrário de grupos políticos locais, que se apropriam das emissoras comunitárias para atender interesses privados e próprios, as rádios comunitárias do MST desenvolvem uma programação comunitária e popular, com a veiculação de programas sobre as necessidades dessas comunidades e debates críticos de temas da conjuntura agrária e do cotidiano dos/as trabalhadores/as rurais, urbanos e dos movimentos sociais, com relata Aline.
“As rádios têm sido para as famílias assentadas uma conquista muito importante. A comunicação sempre esteve nas mãos de poucos, e nos municípios mais distantes é sempre conduzida por algum grupo político, por igrejas, e mesmo algumas rádios que se dizem comunitárias, mas nunca estiveram a serviço das comunidades. As nossas rádios estão sempre a serviço do assentamento, das comunidades, e da classe trabalhadora, dos movimentos populares.”
A comunicadora também ressalta que os desafios para manter as rádios comunitárias no estado são diversos, como garantir a sustentação financeira dessas emissoras, que não contam com a veiculação de propaganda, e que tiveram o cancelamento de vários apoios culturais durante a pandemia, bem como consolidar coletivos amplos de comunicadores para manter a grade de programação. Porém, Aline resume, que mesmo diante das dificuldades “as rádios do MST no Ceará mantêm um coletivo que coordena a parte técnica, política e financeira e um quadro de comunicadores e comunicadoras voluntários, que assumem o compromisso em fazer uma comunicação verdadeiramente popular.”
*Editado por Fernanda Alcântara