Solidariedade Sem Terra
Mutirão e solidariedade erguem barracões para catadores/as de materiais recicláveis no PR
Por Leonardo Henrique
Da Página do MST
“O espaço do pátio melhorou muito assim como nossa autoestima. Os barracões são de toras de eucalipto e telha, mas o que solidificou ainda mais essa obra foi a fraternidade e a solidariedade”. Estas palavras, lidas por uma catadora da associação Novo Amanhecer, na Cidade Industrial de Curitiba, relatam como a união da classe trabalhadora transforma a realidade.
No sábado (16), Dia Mundial da Alimentação, foram inaugurados os 3 barracões para que 40 famílias de carrinheiras/os associadas separem materiais recicláveis protegidas do sol forte, chuva, vento, calor e frio, das variáveis do “tempo”. Famílias do campo e da cidade juntas por melhores condições de trabalho.
A construção partiu de funcionários do Novo Amanhecer em conjunto com a União Solidária, uma luta coletiva composta pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), sindicatos, organizações sociais e religiosas. Desde junho de 2020, a iniciativa partilha alimentos da Reforma Agrária e cargas de gás em pontos de vulnerabilidade social de Curitiba e Região Metropolitana.
O evento contou com a tradicional mística – presente nas atividades do MST, é uma celebração política espiritual e de agradecimento pelo trabalho coletivo – e o Padre Valdecir Badzinski, secretário executivo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), no Paraná, abençoou o espaço e os alimentos distribuídos. O grito de ordem das famílias de carrinheiros, que levaram as crianças (algumas de colo), era “O trabalho dos catadores importa, pelo novo amanhecer”.
Campanha de financiamento coletivo chamada “Por Um Novo Amanhecer” superou a meta inicial de arrecadação, orçada em R$ 40 mil. Ao todo, foram R$ 56,142 investidos em locação de equipamentos, compra de telhas, madeira, fio elétrico, caçambas para entulho e transporte de voluntários.
A associação já tinha garantido R$ 12 mil, fruto de economias ao longo dos anos, e mais uma doação de 40 botijões de gás pelo Sindicato dos Petroleiros de Paraná e Santa Catarina (Sindipetro). Contribuições diárias de pessoas físicas, de entidades e uma transmissão cultural pela internet com bandas e artistas populares intensificou a mobilização (veja aqui).
Barracões são sonho antigo de carrinheiros
No sábado pela manhã, logo ao passar pelo portão do Novo Amanhecer, era possível ver carrinhos, garrafas pet, sacos e todo tipo de material reciclável guardado embaixo dos barracões, separados por divisórias de cada família. O dia nublado e poças d’água eram resquícios da forte chuva que havia caído na sexta-feira. Perto de meio-dia, o sol forte apareceu para mostrar como o tempo pode mudar rapidamente e evidenciar a importância de um abrigo para trabalhadores.
Sérios problemas de saúde e a perda de qualidade do produto podem ser causados pela falta de cobertura. A coleta de materiais recicláveis é uma fonte de renda para as famílias, que merecem dignidade. Afinal, como está no grafite em uma parede interna da associação, “um coletor faz mais que o ministro do meio ambiente”.
“Vai fazer 15 anos que estamos nessa área, aqui em Curitiba, e melhorou muito a situação dos carrinheiros”, conta Juliana da Silva Santos, vice-presidente do Novo Amanhecer. “Construímos alguns barracos, mas começaram a cair. A Copel (Companhia Paranaense de Energia) forneceu muitos materiais que nos ajudaram. Hoje em dia, o Brasil está em crise, então se trabalha bastante para comer”.
Segundo dados da Associação Nacional de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (ANCAT), são quase 1 milhão de catadores em todo o país, com cerca de 70% do gênero feminino. Em 278 cooperativas analisadas, a renda média é de R$ 932,19.
Há muitas bandeiras do Brasil espalhadas pela associação e nos carrinhos. Bairros de Curitiba como CIC, Fazendinha e Caiuá – na periferia da capital – são abrangidos pelos carrinheiros que caminham pelas ruas da cidade para conseguir o sustento. É o sonho de um mundo novo, com direitos humanos respeitados, como saúde, alimentação, moradia e emprego.
Não falta alimento, a fome é um problema político
O Dia Mundial da Alimentação é em 16 de outubro e essa data não poderia passar despercebida, principalmente quando o país voltou ao mapa da fome e temos um governo que não se preocupa com o povo. Como parte da campanha de solidariedade nacional popular do MST, a Rede Produtos da Terra partilhou uma Cesta Esperança para cada família associada com alimentos da Reforma Agrária: café, pão, fubá, trigo, leite, achocolatado, legumes e verduras.
Outros kits foram entregues para serem servidos na cozinha comunitária do Novo Amanhecer. Os carrinheiros também receberam cargas de gás doadas pelo Sindicato dos Petroleiros de Paraná e Santa Catarina (Sindipetro).
Roberto Baggio, da direção nacional do MST, apontou a importância da união. “Nós, trabalhadores do campo, seguimos em aliança e comunhão com a população urbana, os povos dos seus países em aliança com os povos do mundo, para construir um novo tipo de agricultura no futuro que preserva, cuida, produz alimentos e reparte a terra. Garantir que a natureza, o conjunto dos recursos naturais, seja um bem comum a serviço da propriedade e não algo para ser comercializado”.
Para Luciano Zanetti, do Sindipetro, “Não é uma obra da caridade, é uma conquista coletiva de trabalhadores. É para ajudar a viverem do fruto, do suor de seu trabalho”.
A arte popular se fez presente no mutirão solidário de construção e revitalização do espaço. A fachada foi pintada com novas artes para identificar a associação, cujo nome “Novo Amanhecer” inspira a existência de dias melhores. Também são destacadas frases de luta como “Num país como o Brasil, manter a esperança é em si um ato revolucionário”.
Barracões solidários fortalecem famílias de carrinheiras/os
Os barracões vão impactar positivamente a rotina de famílias como de Gisiane Trindade, 27 anos, e Paulo Guilherme, de 26 anos. O casal tem 3 filhos (Maria Luiza, Miguel e Maria Eduarda) e está há 3 meses na associação. Paulo relata que houve muitas mudanças desde quando se integraram ao Novo Amanhecer.
“Eu reciclava em casa. É mais difícil subir com tudo na escadaria; lá podemos pesar e limpar tudo, manter o material. Vai melhorar porque a gente não vai se molhar para separar o material”, afirma.
“O dinheiro que a gente ganha já está dando diferença em nossa vida”, declara Gisiane. Ela descreve o dia de trabalho, que consiste em sair cedo de casa e, ao fim da tarde, descarregar e separar tudo na associação. “Quando a gente vem embora, lá por 17h, 17h30, vamos reciclando com o carrinho de novo”.
A consciência ambiental é enfatizada pela família, que ensina as crianças a separar “o lixo que não é lixo”. Ao acompanhar Paulo “carrinhando”, pode-se perceber que esse costume não é seguido por outras pessoas que misturam os tipos de resíduos na mesma sacola ou compartimento.
Jéssica de Lima Rodrigues, de 30 anos, atua há 8 na reciclagem. Ela tem três filhos e conta que também começa cedo, junto com a irmã. “Levo meus filhos para a escola e chego aqui por volta de 08h30. Tomo café e vamos para a rua. Voltamos para o almoço, descansamos, descarrego o carrinho, verifico o que vou reciclar. Lá por 14h, buscamos material na rua novamente e terminamos às 18h. Vamos na segunda, quarta e sexta; terça e quinta, a gente recicla. É uma caminhada longa”.
A carrinheira comentou que, quando chovia, os carrinheiros amarravam uma lona, mas que era arriscado. Jéssica agradeceu e elogiou o MST pela obra. “Esse pessoal do MST é bem legal, bem trabalhador. Nem acredito que a gente vai trabalhar debaixo de um teto”.
Mãos do campo e da cidade trocam conhecimentos pela emancipação da classe trabalhadora
Muitas pessoas de diversas origens estiveram envolvidas na construção dos barracões. Por duas semanas, alguns dias de forte sol, outros de muita chuva, o processo contou com diversas etapas – do descarregamento da madeira, doadas por famílias Sem Terra do Assentamento Contestado (Lapa/PR), à “martelada” do último prego que criou uma divisória para o carrinheiro separar o próprio material.
Diretamente do acampamento Maila Sabrina, do MST Paraná (em Ortigueira), 8 mestres de obra trouxeram as experiências da Reforma Agrária e compartilharam com funcionários da associação.
Adolfo Fehlauer Koralewiski mora há um ano na comunidade e afirma que o Novo Amanhecer move os companheiros. “Ajudamos os carrinheiros a construir desde as 6 da manhã, cavocando, no barreiro. Eles estão em uma situação precária, as pessoas se uniram e foi uma experiência nova”.
Mais de 400 famílias estão acampadas no Maila Sabrina, plantando verduras e legumes. “Muitas pessoas estão em colheita e plantio, então foi feita uma seleção para vir. A gente planta, deu o dia certo, vamos colher. Tudo move em diárias e vai correndo o mês. Aqui é todo dia. Tem gente que cata papelão e latinha, trabalha de sol a sol, para pagar aluguel, tratar as crianças. Se o povo não ajudar, como esses empresários que descartam as coisas, ajeita, põe embalagem certinha e doa pra eles poderem reciclar. O que presta pra reciclar, põe na embalagem certinha que eles separam aqui – ferro, alumínio, metal, cobre, plástico, papel. Vamos ter consciência e separar os produtos que dá para reciclar. Vamos ajudar esse pessoal aqui”.
Adolfo contou com muito apoio na ação. Também se somaram voluntárias/os do coletivo Marmitas da Terra, que distribui refeições saudáveis em praças e ocupações da capital paranaense, o Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD) e o mandato de Renato Freitas, vereador de Curitiba pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
Os barracões não são a primeira obra da União Solidária. Em julho deste ano, na Vila União, no bairro Tatuquara, a União Solidária construiu o Centro Comunitário Olga Vive, o qual também vai abranger uma cozinha. O nome é em homenagem a uma lutadora popular que faleceu por Covid-19.
Uma transmissão cultural pela internet com bandas e artistas populares contribuiu para levantar fundos destinados ao financiamento da obra. As/os “Artistas por um novo amanhecer” encantaram o público com músicas sobre acreditar e lutar por uma sociedade mais solidária e de respeito.
Confira abaixo as imagens:
*Editado por Fernanda Alcântara