Que não morra a esperança, nem o combate, nem o amor
Por Hector Ilich Durán*
Na Venezuela de mudanças profundas, uma figura percorre o povo por gerações. Deixou um legado que fortalece a cultura e a organização popular, bem como a consciência coletiva. Uma figura que nunca teve tanta presença como na atual Venezuela bolivariana: Ely Rafael Primera Rossel, popularmente conhecido como Alí Primera, nascido em 31 de outubro de 1941.
Revolucionário, o cantor venezuelano, com seu cuatro (tradicional instrumento de cordas da Venezuela), utilizava nas suas canções uma linguagem “papo reto” que lhe possibilitava comunicar temas e sentimentos sensíveis ao seu povo:
“Usté me perdona don
Yo no se filosofar
Pero lo que me sobra
Me basta para pensar
Que me tiene jorobao
Ya de tanto trabajar
Usté me perdona don
Yo no se filosofar…”
(Yo no se filosofar, Alí Primera, 1972)
A partir do resgate dos ritmos tradicionais venezuelanos, Alí Primera decidiu fazer formação política através da música e da afirmação da cultura popular, trazendo como eixos centrais de sua produção o Bolivarianismo, o Anti-imperialismo e o Internacionalismo. Numa dessas canções, denunciava:
“El yankee teme que tú te levantes
América Latina obrera no sé ¿por qué no lo haces?
El yankee teme a la revolución
el yankee teme al grito ¡yankee go home!
yankee go home”
(América Latina Obrera, Alí Primera, 1974)
Mesmo tendo suas músicas censuradas na TV e no radio de seu país, durante os governos de direita, Alí Primera persistia em sua busca de diálogo e difusão da cultura popular, por meio de suas apresentações em pequenas cidades e em comunidades na Venezuela. Dessa maneira, passo a passo, como se colocasse uma carta de amor ou panfleto de convocação em cada porta de seus compatriotas, Alí Primera alcançava capilaridade no seio do povo, em que suas letras encontravam vida e eram ingredientes na formação das pessoas que constroem a transformação social. Afirmava ele noutra:
“Será panfletaria
Mi canción no tiene nombre
Le voy cantando a los hombres
Perdónenme que les diga que el que llena la barriga
Se olvida del que no come
Yo le pregunto al que canta
Si hay tiempo pa’ sutilezas
Buscándole la cabeza
Hay que matar la culebra
Mi canción, no copia escuela
Ni rebusca poesía”
(Canción Panfletaria, Alí Primera)
Cada evento de Alí era um encontro de revolucionários, onde a poesia e a música serviam de mote para a organização de Comitês de Solidariedade com os povos e suas lutas. Era assim que o canto de Alí Primera inspirava o povo para se solidarizar com as resistências ao imperialismo, por exemplo, do Vietnã, Cuba, de El Salvador; ajudava o povo a entender e se solidarizar com a realidade de Porto Rico, Haiti e muitos outros países vítimas do imperialismo. Alí decidiu também fazer homenagens aos homens e às mulheres que contribuíam aos processos de transformação na Venezuela, na América Latina e no mundo. Foi através de suas canções que muitos venezuelanos conheceram ao “tio” Ho Chi Min, Tania la guerrillera, Mario Benedetti, Allende, Mercedes Sosa, e muitos outros homens e mulheres lutadoras e lutadores do povo.
“Apaga la radio compañera hay tantas cosas para conversar
No preguntes cuántas veces por segundo mueve las ala el colibrí pregunta por ejemplo ¿Qué estamos haciendo por Haití?
¿Qué dónde queda, dices?
En un lugar cercado por la noche en el inmenso cobalto del Caribe
La noche en este caso es la miseria, es el hambre es la palabra presa
Es negar el camino a la inteligencia es negar que el obrero es un poeta
¿Qué cuántos habitantes tiene? los que le quedan después de tanta masacre
¿Qué si luchan, además de sobrevivir qué si luchan?
Claro que sí, pequeño amor, claro que sí
Los patriotas haitianos andan con luces y colores en las manos y andan florecidos como la tierra regada por lloviznas y por cantos”
(La noche del jabalí, Alí Primera, 1981)
Tendo militado no Partido Comunista Venezuelano e, posteriormente, fundador do “Movimento ao Socialismo”, Alí Primera era um marxista que entendia claramente o sistema de exploração e dominação do imperialismo, e, por isso mesmo, compreendia a instrumentalização da cultura pela ordem capitalista, mas, sobretudo, compreendia a cultura como dimensão essencial na construção da hegemonia da classe trabalhadora. Portanto, teve a capacidade e a sensibilidade de vincular seu canto com a realidade social da América Latina e dos povos subalternizados pelo capitalismo no mundo.
Papito, ¿cuál es la relación
Entre el lujo y plusvalía?
Mijito, yo soy obrero y no se
De lujos ni economía
De lujos ni economía
Escuchá, escuchá, escuchá
Escuchá, escuchá
Papito,
¿por qué la luna sin estar atada
Del cielo no cae?
Pregúntale al pueblo
Quién lo ata que no se levanta
Quién lo ata que no se levanta
Escuchá, escuchá, escuchá
Escuchá, escuchá
(Solo Para Adultos, Alí Primera, 1974)
Num momento de permanente investida do Capital sobre a cultura e todas as formas de produção e de captação das expressões da vida, Alí Primera assumiu a trincheira do canto militante, da canção política como luta contra hegemônica, dando à música e à cultura popular o caráter contra-insurgente e revolucionário, bem como repleta de riqueza sonora e de afetos e sentimentos emanados do povo.
“Claro han pasados los años ya no es como en antaño a mi me duele mas esta esclavitud somo esclavos de esclavos nuestro amo tiene amo a mi me duele mas esta esclavitud problema de generación no se si lo planteo claro pero para mi hay una de dos una es destruir al amo y dos es tener un hijo esclavo” (Esclavos de esclavos, Alí Primera, 1976)
Alí e seu canto foram e seguem necessários, porque nunca foi cantar por cantar, foi o canto como ferramenta para uma estratégia libertadora e organizativa; o canto como o parceiro das lutas dos movimentos sociais de base, das lutas pela defesa do meio ambiente. Portanto, Alí também foi precursor dos movimentos sociais populares que surgiam diante da terrível repressão dos governos de direita. A experiencia dos Comitês pela Unidade do Povo [CUP], organização comunitária de caráter leninista com o objetivo de fortalecer a participação popular para solução de conflitos e problemas das comunidades, dava conta do compromisso de Alí na luta por uma democracia participativa e portagônica, pela construção do poder popular e o Socialismo.
“Dispersos los hombros
Dispersos corazones
Las luchas dispersas
Busquemos las razones
Juntemos nuestros brazos
La patria lo reclama
La lucha es de todo
El que la quiera liberada”
(Dispersos, Ali Primera, 1974)
Com o canto de Alí Primera milhões de chavistas se formaram politicamente e ele segue inspirando aquelas e aqueles que insistem em lutar, resistir e convocar o povo para continuar no processo de liberação dos povos e da construção da sociedade socialista.
Alí Primera, contigo dizemos: “Os que morrem pela vida, não podem ser chamados de mortos!”
*Venezuelano e dirigente regional do setor de formação do MST/SP
**Editado por Iris Pacheco