Bicicletas para Zâmbia
Campanha de alfabetização e agroecologia forma 700 camponeses/as na Zâmbia
Por Brigada Internacionalista Samora Machel
Da Página do MST
A formatura das primeiras turmas contempladas nesta primeira fase da Campanha de Alfabetização e Agroecologia Fred M’membe ocorreu no último sábado, 27. Foi um dia ensolarado na comunidade de Mshekela, no município de Kasenengwa, onde o ato político oficial de formatura foi realizado.
As turmas formadas majoritariamente por mulheres, chegaram animadas, cantando em um dos idiomas zambianos e dançando em comemoração pela caminhada até esse grande momento. Todos ali tinham uma única certeza, além de reavivar a solidariedade internacionalista, se reafirmou a esperança e a resistência entre os povos africanos. Ao todo, cerca de 700 camponeses/as da região de Eastern Province concluíram essa primeira fase.
O ato político contou com a presença de autoridades importantes para os/as zambianos/as. Entre elas, o presidente do Partido Socialista da Zâmbia, Fred M’membe, que apontou o grande desafio que se tem na continuidade dessa iniciativa.
“Para nós é um momento de alegria e ao mesmo tempo um momento de tristeza. Alegria por estarmos formando nossos primeiros alunos da campanha de alfabetização. Tristeza no sentido de que, esta é uma gota no oceano, ainda há muito trabalho a ser feito. Não se pode ser analfabeto neste século e esperar que se tenha uma vida normal como ser humano. É triste que nosso povo ainda hoje seja analfabeto, não possa ler prescrições médicas, nem mesmo enviar uma mensagem básica de identificação eletrônica ou de outra forma”, refletiu.
Mais de 50% da população zambiana não sabe falar, ler e nem escrever em inglês. Ainda que no país se tenha mais de 72 línguas oriundas, sobretudo, das migrações Bantu que deram origem à diversidade de povos existentes hoje em seu território. Contudo, a alfabetização em inglês é necessária para que a população possa acessar serviços e direitos básicos de saúde, educação e cidadania, dentre outros.
Com o objetivo de alfabetizar 2.000 trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade na língua oficial do país, o Inglês, a Campanha é coordenada pela Brigada Internacionalista do MST Samora Machel e pelo Partido Socialista (SP). Baseada no método falar, ler e escrever as palavras e o mundo, ocorreu em três províncias do país: Lusaka, Eastern e Western.
A dirigente nacional do Coletivo de Relações Internacionais do MST (CRI), Cássia Bechara, comentou o quão simbólico é esse momento acontecer no centenário de Paulo Freire, cujo legado norteia a construção do método de alfabetização zambiano.
“É muito simbólico que a campanha começou e terminou suas primeiras aulas no ano em que celebramos os 100 anos do nascimento de nosso mestre Paulo Freire. Ele disse: “Seria ingênuo esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que permitisse às classes oprimidas perceberem criticamente as injustiças sociais”. Portanto, este é um momento muito histórico: a cerimônia das 5 primeiras turmas a se formarem através da campanha! Mas não podemos e não vamos parar aqui! Temos que completar todas as classes no local e mobilizar mais centenas no próximo ano!”, apontou.
Sempre é tempo de aprender, sempre é tempo de ensinar
Gestada desde 2018, com a contribuição de muitas mãos desde a África ao Brasil, a Campanha de Alfabetização e Agroecologia se iniciou no final de 2019, mas a implementação oficial do método começou em 2020.
Durante quase dois anos, somente em Eastern Province, se organizou 48 turmas, com turmas em 11 dos 18 municípios da região. São eles: Malambo, Chipangali, Luangeni, Nyimba, Chadiza, Chasefu, Vubwi, Chipata, Mkaika, Petauke e Kasenengwa, local onde ocorreu o ato de formatura.
Ao apontar esses elementos, a coordenadora da campanha em Eastern Province, Serah Lungu, ressaltou que “a graduação destas cinco classes é simbólica para a formatura de todas as outras 48.” E apontou o desafio de ampliar a iniciativa na região no próximo período. “Indo para 2022, esperamos expandir o programa nestes e nos demais municípios, que são bastante vastos. Para conseguir isso, cada vez mais professores precisarão ser treinados na implementação do método”, afirmou.
Mais do que o ato da formatura em si, é fundamental compreender o processo como um todo. A Zâmbia, como a maioria dos países da África subsaariana, carrega os impactos estruturais de uma violenta colonização europeia, associada a processos de libertação tardios, somente a partir da década de 60 e 70.
O déficit na educação formal atinge principalmente as mulheres. De acordo com o Inquérito Demográfico e de Saúde de Zâmbia (ZDHS), apenas 10% concluíram o ensino médio ou superior, índice 7% menor do que o identificado entre homens. Ao todo, 54% de sua população vive abaixo da linha da pobreza, e apenas 46% têm acesso à água potável.
Considerando as distintas realidades, ter a referência de iniciativas de organizações de esquerda em outros países e continentes é fundamental para se apreender as lições e os desafios de construir um método específico para o território.
Nessa perspectiva, Paula França, militante do MST e coordenadora da Brigada Internacionalista Samora Machel, lembra que a educação é uma das trincheiras de luta na história da classe trabalhadora e não está desligada da construção de um novo projeto para a sociedade que perpassa pela produção e reprodução da vida no campo com a produção de alimentos saudáveis
“Com base nas lições aprendidas nas campanhas realizadas em Cuba e Nicarágua, mas também nas mais recentes como na Venezuela, e na Bolívia, e mesmo nas do MST como realizadas em algumas partes do Brasil, em 2020, iniciamos a campanha na Zâmbia não apenas para ensinar nosso povo a falar, ler e escrever palavras e o mundo, mas também para modificar nosso sistema de produção de alimentos com agrotóxicos da forma convencional capitalista para práticas saudáveis da agroecologia”, destacou.
É importante enfrentar a opressão de classe e as desigualdades que o sistema capitalista impõe aos seres humanos, não apenas na esfera da educação, mas em todas as outras formas de luta que se realizam para enfrentar o poder da classe dominante. É o caso do debate de agroecologia, parte do esforço do Partido Socialista em promover uma melhoria na vida da população mais pobre por meio da alimentação saudável e geração de renda.
Agroecologia é o caminho
Segundo dados oficiais do Ministério da Terra, 90% das terras da Zâmbia são consideradas terras tradicionais ocupadas por diversos povos. Pelo menos, mais de 50% de sua população vive no campo e são as mais atingidas pelas mazelas sociais estruturais criadas pelo capitalismo. Entre elas, a mudança climática, cujas temperaturas e as mudanças nas chuvas podem ter graves repercussões nos meios de subsistência dessa população.
Nesse sentido, aportar a população camponesa com o debate da agroecologia como um dos eixos centrais da Campanha de Alfabetização é fundamental para transformar a produção e reprodução da vida nesses territórios.
Graster Mundi, da coordenação da frente de agroecologia do Partido Socialista, afirmou que ter esse eixo na campanha é “uma oportunidade de harmonizar as lutas contra as injustiças infligidas aos pobres pelo capitalismo e seus agentes locais, aprendemos com tristeza que as comunidades mais atingidas pelo analfabetismo são dominadas pelos camponeses que, em nossa opinião, merecem a atenção de ambos, alfabetização e Agroecologia.”
Logo, criar estratégias de desenvolvimento fundamentadas em um olhar a longo prazo dos possíveis cenários para se conseguir um modelo adequado e eficiente a partir do povo e para o povo é uma saída.
A agrônoma e militante do MST, Priscila Facina Monnerat, compartilhou o quanto o Movimento Sem Terra tem transformado seus territórios a partir da construção da agroecologia. “Nós temos transformado nossas vidas e territórios através da agroecologia, produzindo uma grande quantidade de alimentos, que garante nosso sustento e nos garante compartilhar com outras pessoas que não tem terra para plantar e que neste momento de crise estão passando fome. Diferente do capitalismo que semeia a morte, nós semeamos a vida.”
Priscila afirmou ainda que um dos maiores símbolos da vida e nosso grande patrimônio são as sementes. E como parte da mística e o reconhecimento do esforço de cada educando/a presente no ato, o MST entregou uma diversidade de sementes brasileiras para que os zambianos/as possam plantar e colher bons frutos assim como as iniciativas desta grande campanha.
Bicicletas para a Zâmbia
Durante a formatura também foram entregues as primeiras bicicletas para a Coordenação Nacional da Campanha de Alfabetização e Agroecologia Fred M’membe dar continuidade ao trabalho nos territórios camponeses da Zâmbia.
As bicicletas entregues foram adquiridas a partir da Campanha Internacional de Solidariedade “Bicicletas para Zâmbia”, cujo objetivo é subsidiar o processo de alfabetização e de acesso à escola no país, uma iniciativa que também está atrelada à formação em agroecologia, por meio da agricultura familiar camponesa.
A bicicleta é um dos principais e mais populares meios de transporte na Zâmbia e é fundamental para garantir o deslocamento da população em todo o país. Porém quem não tem, muitas vezes precisa caminhar entre 15 e 30 km diariamente para chegar à escola. A Campanha bicicletas para Zâmbia segue em movimento para beneficiar mais de 10 mil camponesas(es) zambianos/as.
“Não descansaremos até que cada ser humano neste país e no mundo inteiro esteja livre do analfabetismo e somos gratos ao MST pelo apoio dado a este projeto, pelos sacrifícios que estão fazendo, pela solidariedade que está sendo expressa nisso. À medida que aprendermos, à medida que adquirirmos experiência na condução de campanhas de alfabetização também a estenderemos à toda a humanidade”, finalizou Fred M’embe.
Confira algumas fotos do fim desta primeira etapa (fotos Iris Pacheco):
*Editado por Fernanda Alcântara