Teatro
Espetáculo musical inspirado em Cícero Guedes estreia trazendo o MST para os palcos
Por Rafael Soriano
Da Página do MST
Tudo pronto para a estreia. Elenco, produção e, lógico, a plateia: casa cheia no Trianon, o maior teatro do norte fluminense, em Campos dos Goytacazes, com delegações de assentados e acampados vindas de diversas regiões do estado para prestigiar a peça “Meu Nome é Cícero”. A luta pela divisão da terra, por uma alimentação orgânica e contra todas as injustiças marcam o legado de um Sem Terra que trouxe brilho e fartura por onde passou.
A peça de Adriano Moura retrata mais do que a biografia de um brasileiro que migrou de Alagoas para tentar viver no Sudeste. A vivência de Cícero no Rio de Janeiro, expressa pela atriz Adriana Medeiros e pelos atores Gualter Torres, Tim Carvalho e Adriano Zeus, com músicas autorais de Matheus Nicolau, retrata um projeto audacioso de vida no campo. É aquele projeto construído pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
“Foi no assentamento Zumbi dos Palmares, nas terras da extinta usina São João, que Cícero ergueu a casa para ele e sua família. O nome do sítio não poderia ser mais emblemático: ‘Brava Gente’”. Assim, o primeiro ato da peça antecipa o valor da luta de Cícero Guedes: a educação de seus filhos, a divisão da terra como base de uma nova justiça social, o alimento agroecológico que chegue na mesa de todas e todos.
“Queríamos era dar uma visibilidade muito maior às bandeiras, à luta, aos ideais que ele defendia”, aponta o diretor Adriano Moura. Ele vai além: “Construímos uma dramaturgia em que diferentes atores se apresentassem como Cícero no espetáculo para justamente mostrar o quão coletiva era a luta dele. O teatro, desde sempre político, consegue estabelecer um diálogo direto com o espectador e era importante colocar na boca de atores as questões da Reforma Agrária, que provocam pelas palavras do elenco uma reflexão de todas as questões que envolvem a figura do Cícero”, acrescenta.
A atmosfera estética que abriga a mensagem artística transporta o espectador para cenas tão comuns e “severinas”, inspiradas no desenho do cordel da vida desta massa Sem Terra, oprimida e resistente. Nelas, e pela força da cena teatral, é possível absorver uma filosofia complexa que pairava na cabeça do Cícero-palavra, que sempre trouxe à tona sua vida reelaborada na visão de um futuro de esperança.
Família Sem Terra entre orgulho e lágrimas
Parte das cadeiras altas estava reservada no Teatro Trianon para o público vindo dos assentamentos e acampamentos do MST no estado, militantes que cruzaram o Rio de ônibus para estar ali naquele momento especial. O clímax participativo arrancou gritos e palavras de ordem: “Rebeldia necessária! Pra fazer Reforma Agrária!”. Na bancada de honra estavam os membros da família Guedes.
“Veio muitas memórias na cabeça, tanto da personalidade, como pai de família e como militante, pra mim que sou filho e militante do MST. Estávamos ali presentes entre companheiros e companheiras do estado do Rio e, quando eu olhei pra trás, tinha muita gente emocionada, chorando ou sorrindo de alegria. A peça mexeu de muitos jeitos com a gente, um momento muito especial por reviver este legado de luta”, declarou Mateus Santos, filho de Cícero e também militante do Movimento.
“Emoção indescritível”, nas palavras de Marina dos Santos, da direção do MST e comadre de Cícero. “Só posso ter gratidão por ter tido a oportunidade de ter conhecido e convivido com o Cícero, meu compadre. Gratidão por fazer parte desta história que é a luta pela terra nesse país tão desigual. Gratidão por ter vivido e viver esse momento ao lado de tantos companheiros da luta, dos nossos acampamentos e assentamentos e amigos que construíram essa história aqui em Campos e no Rio de Janeiro junto com a gente”, se emociona Marina.
Teatro e luta política
Alguns dos agricultores ali presentes pisaram num teatro pela primeira vez na vida e puderam se encantar com este universo tão revolucionário. “Mais que um mártir ou um herói, Cícero deixa um legado importante, que preferimos retratar. Justamente o que ele defendia: alimentação saudável, terra pra todo mundo, uma divisão justa de renda e dos bens que esse país tem, concentrados numa parcela tão pequena”, ressalta o diretor.
“Sentimos a necessidade de contar a história desta liderança negra, já que Campos é uma cidade que tem e perpetua uma herança muito escravocrata, até hoje. Então pudemos contar a história de um líder negro, uma voz pertencente a um grupo historicamente silenciado. Cícero se mostrou pra gente como a figura que melhor faz emergir essas vozes, representando todas as demandas e anseios por uma sociedade e um país mais justo pra todo mundo”, conclui Adriano.
*Editado por Fernanda Alcântara