PL da Grilagem
Maior repasse de terras públicas desde 1850 pode acontecer hoje após votação na Alesp
Por Kelli Mafort*
Da Página do MST
Hoje (29) às 16h será votado na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) o PL 277, pois ontem esgotou o tempo de debate e a votação tende a ser bem rápida. Será o maior repasse de terras públicas desde a lei de terras de 1850.
A primeira lei de terras de 1850 determinava que as terras do Brasil (invadidas pelos europeus) seriam de quem as comprasse. Elitismo total. Quem tinha grana? Nada de reparação ao povo negro em 1888. Nada para indígenas. Nada de reforma agrária.
Em 1850 compraram (a preço baixo, diga-se), e vários deles foram só invadindo mesmo e aguardando uma regularização. Para se manterem nas terras, compravam o silêncio do Estado, apresentando documentos falsificados, envelhecidos por excremento de grilo.
Muita água rolou e, na dita de 1964, os militares se esbaldaram no latifúndio, promoveram a “revolução verde” (com medo da vermelha), mandaram paulista e sulista para recolonizar Amazônia e detonaram com as florestas por todo canto, com expropriação e trabalho escravo.
Nos fins da década de 70, tínhamos muitos sem terra, que passaram a se organizar e lutar pelo direito à essa terra. São Paulo ferveu em luta e em 1985 o governo Montoro sancionou uma lei para repassar terra pública devoluta para criação de assentamentos para produzir alimentos.
Isso possibilitou que, mesmo antes da constituição de 1988, São Paulo pudesse avançar na destinação de terras públicas para trabalhadores sem terra. Muitos assentamentos foram criados, com muita luta. Hoje são 7 mil famílias em assentamentos estaduais em São Paulo.
Também foram sendo regularizadas terras de fazendeiros invasores grileiros. A última mudança nessa legislação foi em 2017, no governo Alckmin, que fixou a regularização de até 15 módulos fiscais. Isso dá uns 450 hectares no Pontal do Paranapanema, que é onde mais tem terra devoluta.
Mas os ruralistas querem mais! Tentaram enfiar um “jabuti” do artigo 4 no PL 410 que tratava de titulação de reforma agrária (outro absurdo, mas nada a ver com regularização para fazendeiro). Rolou pressão e retiraram o jabuti. E 5 meses depois o jabuti volta como PL 277.
Há vários problemas no PL 277, um dele seria por ser proposto por um deputado líder do governo e não pelo governo, o que o torna incondicional, além de estar em regime de urgência sem necessidade. Afinal, qual a urgência de repassar 1 milhão de hectares de terras públicas devolutas para fazendeiros, enquanto 33,1 milhões passam fome no Brasil, várias delas em São Paulo? É medo de perder o governo do Estado? O PL deve ser aprovado a não ser que haja mais pressão.
A indecência é tão grande que o PL da grilagem paulista consegue ser pior que o PL da grilagem nacional. O PL 2633, que passou na Câmara e está no Senado, propõe regulamentar para 6 módulos fiscais, enquanto o PL 277, de São Paulo, propõe regulamentar acima de 15 módulos fiscais.
Em resumo, é uma mega Reforma Agrária para os ricos.
Além disso, o texto do PL dá um cheque em branco para que ruralistas façam com a terra o que quiserem. Não há nenhuma exigência para produzir comida, como manda a Constituição Estadual para terras devolutas.
Denunciar é o mínimo, mas façam isso. Quem puder e estiver em SP, vá presencialmente na Alesp às 16h de hoje. O MST estará lá.
Vamos lutar contra o PL 277 e levantar placas por Despejo Zero para que o STF prorrogue a medida contra despejos. A vida de 500 mil está em risco a partir de sexta. Despejo sim pros grileiros de terra, invasores de terra indígena, garimpeiros, sojeiros, usurpadores.
*Assentada da Reforma Agrária e dirigente nacional do MST em São Paulo
**Editado por Fernanda Alcântara