142 Mil Famílias
Movimentos e parlamentares buscam caminhos para evitar despejos em massa após as eleições
Por Gabriela Moncau
Do Brasil de Fato
Até 31 de outubro, de acordo com decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso formalizada na última quinta-feira (30), as remoções forçadas estão proibidas no Brasil. No documento, o magistrado argumentou que o país vive nova tendência de alta nos índices de mortes e contaminações da pandemia de covid-19.
Comemorada como um fôlego diante do cenário de 569.540 de pessoas no país que, de acordo com a Campanha Despejo Zero, estão ameaçadas de perderem suas casas, ativistas ouvidos pelo Brasil de Fato avaliam que a decisão de Barroso se amparou, também, na intenção de evitar uma “convulsão social” num contexto de crise socioeconômica às vésperas das eleições.
A prorrogação da suspensão das remoções forçadas ainda será julgada pelo conjunto do plenário do STF em audiência extraordinária, marcada para os dias 4 e 5 de agosto. A expectativa é que a maioria dos ministros acompanhem o voto do relator.
Ainda que o façam, no entanto, fato é que a vigência da suspensão – tomada no âmbito da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 828 e prorrogada três vezes – em algum momento vai acabar.
“Com a progressiva superação da crise sanitária, os limites da jurisdição deste relator se esgotarão”, alertou Barroso na decisão. “Por isso, será preciso estabelecer um regime de transição para a retomada da execução das decisões suspensas por esta ação”, aponta o ministro.
Propostas legislativas e um calendário de ações conjuntas entre movimentos sociais rurais e urbanos estão sendo preparados para tentar evitar que, passado o pleito, 142.385 mil famílias percam o teto em um contexto de alta da fome e da população em situação de rua.
“Transição”
Irene Maestro, ativista do movimento Luta Popular, destaca que a transição mencionada por Barroso indica uma avaliação de que “um processo massivo de despejos pode levar a um acirramento dos conflitos sociais”.
Além de iniciativas legislativas em âmbitos estaduais e municipais, no Congresso Nacional estão tramitando três Projetos de Lei (PL) sobre o tema. No Senado, de autoria de Paulo Paim (PT-RS), o PL 1718/2022 prevê a proibição das remoções até 31 de março de 2023.
Na Câmara dos Deputados, o PL 1501/2022, de Natália Bonavides (PT-RN), propõe procedimentos de permanência de famílias ameaçadas de despejo no território onde estão ou que entes da federação promovam políticas públicas para garantir, de forma alternativa, o direito à moradia. Já o PL 878/2022, de Orlando Silva (PCdoB-SP), prevê a suspensão dos despejos até 31 de dezembro deste ano.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) está preparando um ato normativo com protocolos mínimos para a realização de despejos. Procurado pelo Brasil de Fato, o órgão informou que a resolução será levada ao plenário no segundo semestre e que entre as propostas está a implantação, nos tribunais, do Grupo de Apoio à Solução Pacífica das Ações de Reintegrações de Posse (Gaspar).
Sinuca de bico
“A nosso ver, o principal é a garantia da proteção do direito das famílias, evitando os despejos, as violações e uma situação de agravamento das condições de pobreza”, salienta Irene, ao complementar que é preciso que o poder executivo se responsabilize por políticas públicas que atendam essa demanda.
“Acontece que os poderes públicos municipais geralmente não têm políticas específicas que não estejam apoiadas em políticas estruturadas a nível federal. Mas durante o governo Bolsonaro foi desconstruída a já insuficiente, problemática e contraditória política habitacional que existia nos governos anteriores”, afirma. “A realidade é que tem mesmo uma sinuca de bico para a construção de alternativas”, resume.
“O fato é que as ocupações têm sido a construção dessa solução. São a retomada das terras que estão a serviço da especulação ou de grandes latifundiários rurais ou urbanos para construir bairros onde as pessoas tenham garantidas condições de vida dignas”, define Irene Maestro.
Luta contra o tempo
De acordo com Kelli Maffort, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), um calendário de lutas está sendo organizado. “O 25 de julho é uma data importante do trabalhador e trabalhadora rural, vamos fazer ações de solidariedade contra a fome, e além disso estamos em alerta sobre o 7 de setembro”, ilustra Maffort. Em sua visão, a data deve ser “para discutir um projeto de país e também o que significam os 200 anos desta suposta independência. É importante que a gente esteja alerta em relação às ameaças de golpe que estão em torno dessa data”.
Lembrando das milhares de pessoas que foram às ruas em dezenas de cidades pelo despejo zero nos dias 17 de março e 21 de junho deste ano, Irene defende a importância de, até outubro, potencializar a unidade já construída entre os movimentos.
“É uma base social muito precarizada, espoliada, que é quem mais sofre não só os impactos da pandemia em si, mas da crise econômica que se agravou nos últimos anos”, descreve Maestro. “E que tem um potencial explosivo para fazer ações inclusive mais radicalizadas para botar no centro do debate público o problema da moradia, que é brutal e histórico no nosso país”.
*Edição: Thalita Pires