Assassinato de Indígena

Após o “Massacre de Guapoy”, Vitorino Sanches sofre nova emboscada e é assassinado em Amambai (MS)

Vitorino foi assassinado por disparos de arma de fogo na tarde desta terça-feira (13), no centro da cidade; em nota, a Aty Guasu pede seriedade nas investigações
Vitorino Sanches liderança do tekoha Guapoy. Foto: Arquivo pessoal/ Divulgação

Por Assessoria de Comunicação do CIMI

Comerciante e liderança da aldeia de Amambai, Vitorino Sanches, de 60 anos, foi assassinado na tarde desta terça-feira (13), quando se dirigia até seu veículo, no centro da cidade de Amambai, no Mato Grosso do Sul. Atingido por vários disparos de arma de fogo, ele chegou a ser hospitalizado, mas não resistiu. Segundo testemunhas, os suspeitos são, novamente, dois homens em um moto, mesmo cenário apontado em outras duas ocasiões em que foi alvo de emboscadas.

Morador da Reserva de Amambai, Vitorino já havia sobrevivido a uma emboscada semelhante. Outra liderança Kaiowá, Marcio Morreira já havia sido assassinado de forma similar, em outra emboscada. Márcio era liderança do tekoha Guapy que no dia 24 de junho, sofreu uma violenta e ilegal ação de despejo praticada pela Polícia Militar (PM) do estado de Mato Grosso do Sul, que resultou no assassinato de Vitor Fernandes e deixou dezenas de feridos.

Há um pouco mais de um mês, em 02 de agosto, Vitorino havia sobrevivido a outra investida similar enquanto dirigia pela estrada que dá acesso ao tekoha Guapoy, no interior da Reserva Indígena de Amambai, foi interpelado por dois sujeitos em uma motocicleta. Nesta ocasião, pelo menos dez disparos de arma de fogo foram disparados contra o veículo, Vitorino foi alvejado por dois tiros, foi hospitalizado e sobreviveu aos ferimentos.

Na ocasião a Aty Guasu –  Grande Assembleia do povo Guarani e Kaiowá – se manifestou apontando preocupação e levantou suspeitas contra o ataque, uma vez que Vitorino, se tratando de liderança comunitária influente, apoiava abertamente a retomada de Guapoy, mantendo solidariedade para com as famílias da retomada, em especial após o massacre sofrido pelos Kaiowá em 24 de julho.

Vitorino, infelizmente não foi a única vítima de emboscadas. Márcio Moreira, um dos líderes da retomada de Guapoy também foi assassinado no dia 14 de julho deste ano. No episódio Márcio foi contratado para trabalhar na construção de um muro, levando com ele outros três indígenas moradores da retomada. Chegando no local, foram abordados por dois sujeitos que chegaram de motocicleta. Estes preferiram contra os indígenas injúrias e ameaças verbais, logo após iniciaram os ataques. Márcio foi assassinado por arma de fogo e arma branca, os demais, após confronto, conseguiram escapar e chegar novamente na aldeia.

“Márcio Moreira, um dos líderes da retomada de Guapoy também foi assassinado no dia 14 de julho deste ano”.

Márcio Moreira – uma das liderança na luta pela recuperação do Território de Guapoy, foi assassinado. Foto: povo Kaiowá-Guarani

O Massacre de Guapoy

No dia 24 de junho, sem nenhuma ordem judicial para despejo, a polícia militar protagonizou uma ação violenta contra famílias indígenas da retomada Guapoy, o tekoha Guapoy como os indígenas chamam. Estas famílias, a despeito do que argumentaram os polícias e a Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), já ocupavam há um mês as imediações da fazenda que há décadas é reivindicada como parte integrante do território indígena da Reserva de Amambai, subtraído pelo Estado no passado.

A ação violenta e desproporcional deixou dezenas de indígenas feridos, sobretudo mulheres, crianças e anciões, resultando no assassinato do indígena Vitor Fernandes, de 42 anos, que desarmado e sem apresentar resistência, morreu em decorrência de três disparos de arma de fogo. Neste mesmo ataque, que os indígenas passaram a chamar de “Massacre de Guapoy”, sete indígenas foram levados para o hospital, mas devido ao processo de criminalização que estavam sendo submetidos assim que tinham alta médica foram presos. Dezenas de outros feridos permaneceram no território e precisaram de atendimento na aldeia, por meio de ações solidarias de grupos de médicos populares e organizações de saúde.

“O Massacre de Gapoy foi uma ação violenta e desproporcional deixou dezenas de indígenas feridos, sobretudo mulheres, crianças e anciões, resultando no assassinato Vitor Fernandes”.

O enterro de Vitor Fernandes, em Guapo’y, Amambai (MS), ficou marcado por muita comoção e revolta. Foto: povos Guarani e Kaiowá

Aty Guasu exige providencias e investigações serias e imparciais

No entendimento da Aty Guasu – a Grande Assembleia do povo Guarani e Kaiowá – as emboscadas podem ter relação estreitas com o Massacre de Guapoy. As vítimas da emboscada e demais pessoas que vivenciaram o ocorrido, relatam que ameaças tanto em Guapoy quanto na Reserva de Amambai são frequentes.

A luta dos Kaiowá pela recuperação de seu território tradicional tem sido marcada por violações, como relata a liderança da Aty Guasu, que por razões de segurança prefere ser identificada como Ava Tuja, “de concreto temos estas emboscadas, que iniciam não antes, mas depois do Massacre. Todas se dão depois da nossa retomada e depois do ataque policial. As pessoas mortas, perseguidas e que estão sendo ameaçadas no território são todas pessoas ligadas a retomada. Alguns são líderes direitos outros apoiadores, como é o caso do Vitorino”.

“De concreto temos estas emboscadas, que iniciam depois do Massacre, todas se dão depois da nossa retomada e depois do ataque policial”.

Quem está por trás? Quem são os mandantes? É exatamente o que os indígenas e organizações de apoio a causa indígena querem saber. “O fato é que estas pessoas estão sendo executadas, através de crimes que tem o mesmo padrão. São crimes contra cartas marcadas, pessoas marcadas, elas não estão sendo executadas separadamente, eles sabem quem procurar’, reforça a liderança.

Na avaliação de Ava Tuja, muitos grupos podem ter ligação com as emboscadas e inclusive podem estar se utilizando de questões internas e locais. “Muitos grupos podem estar por trás destas emboscadas. Em especial grupos que tem interesse em nossas terras, fazendeiros do entorno, grupos políticos, mas também há esta questão da polícia, afinal foram os policias, com ordem do Governo, que promoveram o massacre e com as denúncias eles foram expostos, então não sabemos o que podemos estar enfrentando”, reforça a liderança da Aty Guasu, que também suspeita de que a disputa eleitoral possa estar freando o avanço na conquista dos direitos originários dos povos, como no caso da nossa retomada.

“Muitos grupos podem estar por trás destas emboscadas”.

Povo Guarani Kaiowá sofre ataques após retomarem território Guapoy, em Amambai (MS). Foto: povos Guarani Kaiowá

O fato é que, para evitar novas mortes é preciso seriedade nas investigações. “Temos muito medo de que possam acontecer mais mortes, mais emboscadas. Nosso território não tem segurança alguma e qualquer um na retomada pode ser uma nova vítima. Até agora temos compreendido que as investigações não estão sendo feitas como se deveria, mesmo com crimes sendo cometidos tão abertamente”, destaca.

Organizações de apoio aos indígenas tem chamado a atenção para a forma como o polícia local tem conduzindo investigações de assassinatos, mais preocupada em criminalizar os indígenas, as vítimas do que realmente encontrar os mandantes dos assassinatos. “Nossa preocupação é de que até que os culpados não apareçam, novas mortes provavelmente aconteçam”, lamenta Ava Tuja.

“Esta situação de terror nos faz temer pela vida das famílias que estão na Retomada ou na Reserva”

Em Nota divulgada nesta quarta-feira (14), a Aty Guasu expressa a dor e revolta pelos assassinatos e emboscadas contra os Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul e exigem investigação séria e segurança para as famílias tanto do tekoha Guapy, quanto da Reserva em Amambai.

“Esta situação de terror nos faz temer pela vida das famílias que estão na Retomada ou na Reserva. Não sabemos exatamente o que está acontecendo, quem são os mandantes e os mandados, o que exatamente tem ligação, mas sabemos que as duas vítimas têm em comum estarem ligados à nossa retomada”, destaca o documento.

Confira a NOTA DA ATY GUASU na integra:

NOTA DE REVOLTA E PESAR PELOS ASSASSINATOS E EMBOSCADAS CONTRA OS GUARANI E KAIOWA DA RETOMADA DE GUAPOY E DA RESERVA DE AMAMBAI APÒS O MASSACRE. EXIGIMOS INVESTIGAÇÃO SÉRIA E SEGURACA PARA AS FAMILIAS JÁ

Amambai, MS, 14 de setembro de 2022.

É com dor e preocupação que recebemos ontem a notícia do assassinato de Vitorino Sanchez em pleno centro da cidade de Amambai, a luz do dia, na vista de todos. Vitorino é o segundo assassinado em três emboscadas ocorridas em Amambai após o Massacre de Guapoy – ação ilegal e violenta da Policia Militar contra a retomada Guarani e Kaiowa. No massacre o indígena Vitor Fernandes foi assassinado e dezenas de pessoas, sobretudo crianças e idosos ficaram feridas.

Após o Massacre as emboscadas começaram a acontecer. Primeiro Marcio Moreira foi convidado a prestar serviço, abordado por pessoas em motocicleta e executado com arma de fogo e arma branca. Depois Vitorino Sanchez sofreu atentado dentro da Reserva de Amambai, onde teve seu carro alvejado por pelo menos 15 disparos vindos novamente de dois sujeitos de motocicleta. Vitorino foi acertado por dois disparos, foi hospitalizado mas sobreviveu.

Agora, em nova emboscada, novamente contra Vitorino, o que demonstra que os agressores não desistiriam enquanto não o executassem, ele foi assassinado com vários disparos, testemunhas falaram novamente em duas pessoas em uma moto.

Esta situação de terror nos faz temer pela vida das famílias que estão na Retomada ou na Reserva. Não sabemos exatamente o que está acontecendo, quem são os mandantes e os mandados, o que exatamente tem ligação, mas sabemos que as duas vítimas têm em comum estarem ligados à nossa retomada.

Marcio era liderança importante de Guapoy, Vitorino um apoiador do movimento de recuperação de nossa Terra, ano aderindo ao boicote sugerido a nossa retomada e fornecendo alimento as famílias. É difícil saber se as forças de segurança também não estão envolvidas uma vez que foram os protagonistas do Massacre que sofremos e que acabaram expostos pelas denúncias deste terrível episódio. Também precisamos saber se os fazendeiros da região estão envolvidos e até mesmo aproveitando de questões internas, como as eleições da aldeia, para atacar nossas famílias.

O fato é que os Kaiowá têm morrido, emboscados, massacrados, perseguidos enquanto os agressores seguem impunes. Até agora nada foi feito com o Estado e com os policias que nos atacaram de forma ilegal e cheia de violência. Até agora, o assassinato de Márcio ficou como sempre sem explicação. Os ataques contra Marcio e Vitorino foram iguais, elaborados da mesma forma e isso exige uma investigação. Parte das policias locais tem se esforçado nos inquéritos e investigações para criminalizar as vítimas, nos indígenas, ao invés de encontrar nossos violadores.

Queremos ajuda das autoridades. Que o MPF, DPU, DPE, possam nos ajudar a garantir os processos de investigação e buscar apoio para proteger nossa comunidade. Que a CNDH, CDDH, CNJ, 6cc, parlamentares e demais órgãos possam vir a nosso estado cobrar que as investigações sejam feitas como se deve e assim evitar que novas vidas sejam tiradas, porque temos muitas razoes para acreditar que ainda matarão muita gente.

Precisamos também garantir a segurança das pessoas da Reserva e em especial das famílias que estão na retomada. O acesso a eles é fácil e eles não tem nenhuma proteção. Muitas estradas vicinais dão acesso ao território que inclusive fica muito próximo de outras fazendas. Tememos pela vida e integridade de todos, homens, mulheres, idosos e crianças.

Exigindo justiça e investigação em relação a estes crimes, a Aty Guasu pede ajuda das autoridades para que não haja mais parentes nossos mortos nos próximos dias. Aqui no Estado do MS, como demonstrado durante o Massacre são todos contra os Kaiowá. A polícia ataca, o Estado permite, o público e o privado funcionam em uma única direção. Ampliar a monocultura sobre os cemitérios que um dia foram nossas terras. Assim eles pensam, mas não permitiremos nem deixaremos de lutar. Que Nhanderu nos proteja e que os senhores autoridades possam nos ajudar.

Aty Guasu Guarani e Kaiowá