Meio Ambiente
Brasil deve deixar de ser “pária ambiental”, diz Marina Silva
Por Leanderson Lima
Da Amazônia Real
Manaus (AM) – Marina Silva tomou posse como ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima na tarde desta quarta-feira (4) prometendo tirar o Brasil do papel de “pária ambiental”. Com o mesmo tom do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e também dos colegas que a precederam e já assumiram suas pastas, a ambientalista fez questão de reforçar críticas ao governo de Jair Bolsonaro (PL). Ovacionada pela plateia, que lotou o auditório do Palácio do Planalto, e prestigiada com a presença de membros do primeiro escalão do governo, Marina volta à mesma função que já ocupou de 2003 a 2008, porém em uma pasta turbinada.
Para Marina Silva, o Brasil voltará ao papel de protagonista na área ambiental se conseguir cumprir o Acordo de Paris, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 (em relação a 2005). Bolsonaro fez o contrário, praticamente dando aval para que o desmatamento explodisse durante os últimos quatro anos – o que fez as emissões crescerem mais de 12% em 2021 em relação ao ano anterior. Com a experiência de quem fez o desmatamento despencar 83%, quando esteve à frente do MMA (a sigla será mantida, apesar da inclusão de “Mudança do Clima” no nome do ministério), a ambientalista também comemorou ter mais poderes a partir de agora.
Novas secretarias foram anunciadas por Marina Silva: do Controle do Desmatamento e Ordenamento Territorial, de Bioeconomia e Recursos Genéticos, de Gestão Ambiental Urbana, de Povos e Comunidades Tradicionais e do Desenvolvimento Rural Sustentável. O MMA também terá uma nova autarquia, a Autoridade Nacional de Mudança Climática, a ser criada até março e em consonância com outros países que constituíram estruturas semelhantes.
Esvaziados ou extintos no governo Bolsonaro, na gestão do ex-ministro Ricardo Salles, o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), a Agência Nacional de Águas (ANA), e o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDam) estão de volta para o guarda-chuva do ministério, depois de serem decepados por Salles. Marina prometeu criar uma secretaria extraordinária para cuidar especificamente da derrubada das florestas – e reiterou que quer que seja “extraordinária” para que um dia ela deixe de existir.
Na campanha presidencial, Lula fez questão de se contrapor à lógica destrutiva, sobretudo contra a região amazônica, adotada por Bolsonaro. A pauta ambiental ganhou um destaque incomum em outras disputas eleitorais, justamente por conta do deslocamento da imagem positiva do Brasil junto à comunidade internacional. Na posse, Lula fez questão de defender o “desmatamento zero” da Amazônia.
Na posse desta quarta-feira, Marina revelou o nome do seu secretário-executivo, João Paulo Capobianco, que já atuou na mesma função na primeira passagem de Marina pelo ministério. Embora a ministra tenha deixado claro que o Ibama e o ICMBio voltarão a ter funções estratégicas, ela não anunciou os nomes das novas chefias desses órgãos. Ela defendeu ainda a “união” e a “transversalidade” com outros ministérios, que serão necessários, por exemplo, para combater atividades como o garimpo ilegal, o desmatamento e a recuperação de áreas degradadas.
“Boiadas passaram”
A ministra também falou sobre o estado em que encontrou o ministério 14 anos depois. “O que constatamos foi um profundo processo de esvaziamento e enfraquecimento dos órgãos ambientais”. E lembrou ainda da famosa frase “passar a boiada”, de Ricardo Salles, quando flexibilizações ambientais foram aprovadas durante a pandemia causada pela Covid-19. “Boiadas passaram por onde deveria passar apenas proteção. Vários parlamentares se colocaram à frente de todo esse processo de desmonte”, disse.
Marina também fez uma dedicatória especial aos servidores do ministério que resistiram ao governo de Jair Bolsonaro e à gestão de Salles, deputado eleito por São Paulo. “A todos os servidores públicos federais que fizeram a resistência na Anvisa, que fizeram a resistência dentro dos órgãos públicos, porque quando tudo falha o que fica são as instituições públicas, fortes, as políticas públicas bem desenhadas e servidores públicos competentes e comprometidos. Eu faço uma homenagem a todos eles”, disse Marina.
Um dos momentos mais emocionantes do discurso de Marina foi quando ela lembrou da memória daqueles que perderam a vida na luta pelo meio ambiente. “Rememorar irmã Dorothy, Chico Mendes, Evair Higino, Bruno (Pereira) e Dom Phillips, tantos que nos deixaram tombando nessa luta.”
Para devolver o Brasil à condição de protagonista na luta contra a emergência climática mundial, uma questão de primeira ordem, Marina alerta que essa tarefa não será cumprida rapidamente. “Não é fácil. É uma transição. Não vamos nos tornar agricultura de baixo carbono da noite para o dia. Não é mágica. Não vamos fazer a transição energética da noite para o dia. Não é mágica. Não vamos conseguir a reindustrialização de bases sustentáveis da noite para o dia, mas vamos colocar as pilastras num trabalho conjunto, unidos, todos nós”, disse Marina.
Posse concorrida
A posse dos ministros do terceiro governo de Lula teve início na última segunda-feira (2). Entre todas, a de Marina Silva foi a mais concorrida, com direito a fila de espera para entrar no Salão Nobre do Palácio do Planalto. Foram instalados telões instalados do lado de fora do auditório para aqueles que ficaram de fora.
O evento também teve a presença do vice-presidente Geraldo Alckmin; da primeira-dama, Janja da Silva; do ministro da Casa Civil, Rui Costa; e da ministra das Mulheres, Cida Gonçalves. O presidente do Senado em exercício, Veneziano Vital do Rego, também esteve presente; e a presidente da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, Verônica Sanchez. A indígena Txai Suruí; que discursou na abertura da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP26, realizada em 2021, e a nova presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, também prestigiaram a posse da nova ministra.
Quem também esteve em Brasília foi o ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), o cientista Ricardo Galvão, que foi demitido pelo ex-presidente Bolsonaro, depois de divulgar dados sobre o aumento do desmatamento no Brasil. “Estou em Brasília na posse de Marina Silva, como ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima. O Brasil precisa gerir nossos recursos naturais, impedindo todo tipo de degradação ambiental, e lidar com os efeitos das mudanças climáticas. A ministra Marina Silva, muito competente e respeitada internacionalmente, poderá mostrar novamente como o desenvolvimento sustentável é possível e essencial”, escreveu o cientista na rede social Twitter.
Repercussão positiva
O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) divulgou nota dando boas-vindas à nova ministra. O órgão declarou que ao assumir o cargo, Marina carrega a esperança da retomada do protagonismo internacional do Brasil no debate sobre as mudanças climáticas e a conciliação entre conservação socioambiental e produção sustentável.
“Marina é o nome acertado para o ministério. Deixou um legado de redução do desmatamento, foi responsável por avanços do Brasil nas negociações de clima que resultaram na criação do Fundo Amazônia e pela implementação de um plano de desenvolvimento socioeconômico e ambiental para a região”, afirmou Paulo Moutinho, que é diretor executivo substituto do Ipam.
Para ele, Marina é o que o Brasil precisa para ajudar a trazer de volta o país para os trilhos da sustentabilidade. “O mundo sabe o que ela fez. Suas ações levaram o Brasil a ser um líder ambiental e uma inspiração no combate ao desmatamento”, enfatizou Ane Alencar, que é diretora de Ciência do Ipam.
Reconhecimento mundial
O legado de Marina Silva nos dois primeiros governos do PT, à frente do MMA, fez o Brasil ganhar destaque internacional. Pelo seu trabalho na luta contra o desmatamento, ela recebeu, em 2007, o prêmio Champions of the Earth (Campeões da Terra), concedido pela Organização das Nações Unidas.
Ela deu os primeiros passos na política ao lado do líder seringueiro Chico Mendes, assassinado em 1988, em Xapuri, no Acre. Foi vereadora, deputada estadual e senadora pelo estado acreano, quando foi convidada para assumir o MMA durante o primeiro governo de Lula. Ela ficou no posto de janeiro de 2003 até maio de 2008, quando acabou deixando o cargo por conta de divergências políticas dentro do próprio governo.
Marina voltou ao senado federal, e se candidatou à Presidência da república pela primeira vez em 2010. Na época, ela disputou o cargo filiada ao Partido Verde, ficando na terceira posição com 19.636.359 votos.
Depois da primeira disputa presidencial, Marina decidiu fundar o próprio partido, o Rede Sustentabilidade, que teve o registro negado em 2013. Na época, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) negou o registro do novo partido, que obteve um total 442.524 eleitores com assinaturas certificadas pelos cartórios eleitorais, quando a legislação exigia o número mínimo de 491.949 assinaturas.
Sem poder se candidatar pela Rede, Marina aceitou a proposta para ser candidata à vice-presidência na chapa do ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos, do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Campos acabou morrendo um desastre aéreo, em Santos, litoral paulista, e a ambientalista acabou sendo escolhida pelo partido para ser candidata à Presidência, contra a então presidente Dilma Rousseff (PT). Na campanha, Marina foi alvo de uma das maiores e mais violentas campanhas de desconstrução de imagem, promovida pelo PT e, novamente, acabou terminando o primeiro turno na terceira posição, com 22.154.707 de votos.
A última vez em que ela se candidatou à Presidência foi em 2018, já pela Rede Sustentabilidade, e acabou tendo o seu pior desempenho nas urnas na corrida presidencial, ficando com 1.069.575 votos, terminando na oitava posição. Em 2022, decidiu ser candidata a deputada federal por São Paulo, e foi eleita com 237.526 votos.