Direita Brasileira
Além do “sem anistia”, MST e MTST dizem que combate ao fascismo exige mobilização permanente
Por Gabriela Moncau
Do Brasil de Fato
Demonstração de força nas ruas, vigilância e auto-organização permanente, enraizada na sociedade. Para dois dos maiores movimentos populares do país, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), essas premissas serão necessárias para combater a extrema direita brasileira, cujas ideias estão disseminadas em parte significativa do tecido social.
Se a derrota de Bolsonaro (PL) nas urnas foi considerada fundamental para a desfascistização do Brasil, os 58 milhões de votos dados a ele, os acampamentos na frente de quartéis e bloqueios de rodovia e o intento golpista em Brasília no último 8 de janeiro, não deixam esquecer que existe uma considerável mobilização de direita extremista no país.
Em reação, nesta segunda-feira (9), atos em defesa da democracia convocados pelas frentes Povo Sem Medo, Brasil Popular e pela Coalizão Negra por Direitos levaram dezenas de milhares de pessoas às ruas em ao menos 56 cidades.
Considerando o ataque de bolsonaristas à sede dos três Poderes de uma “gravidade sem precedentes” e uma expressão do “extremismo da direita fascista brasileira”, ativistas do MST e do MTST ouvidos pelo Brasil de Fato defendem a responsabilização dos participantes, dos financiadores e das autoridades estatais envolvidas.
Nomeiam, especificamente, o governador do Distrito Federal (DF) Ibaneis Rocha, já afastado do cargo por 90 dias pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, e o secretário de segurança pública do DF, Anderson Torres, exonerado no próprio domingo (8), enquanto assistia tudo dos Estados Unidos. Ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e agora com a prisão decretada, Torres resolveu tirar férias exatamente nesse período, no mesmo local em que o ex-presidente está desde que perdeu foro privilegiado.
“É notório que se fossem movimentos sociais com pautas legítimas reivindicando daquela forma na praça dos Três Poderes, do STF, seriam recebidos com tiro, porrada e bomba, como foram em vários momentos da nossa história”, ressalta Rud Rafael, da coordenação nacional do MTST.
“Sem anistia”
“O nível de organização e extremismo a que chegou essa direita fascista precisa ser de imediato freado”, defende Rud. Já expressa com força pela multidão que compareceu à posse presidencial de Lula (PT), a reivindicação “sem anistia”, voltada à responsabilização de Bolsonaro pelos crimes cometidos durante seu mandato, ganha agora novos contornos.
“Se a sociedade brasileira não conseguiu tratar de forma contundente as raízes autoritárias do processo da ditadura, que em 2023 a gente sane isso a partir dos acontecimentos do dia 8”, diz o coordenador do MTST. “De uma vez por todas a gente quer uma investigação em relação aos mandantes desses atos e não só, mas de todo esse processo: dos acampamentos em frente aos quartéis à construção dessa cultura fascista no país”, frisa.
Para Débora Nunes, da direção nacional do MST, o Brasil viveu “nitidamente uma tentativa de golpe” tendo como elemento central a não aceitação do resultado das urnas. “Essa turma sempre se utilizou da ilegalidade, da violência e agora fica explícito que são de fato fascistas com toda a disposição de desestabilizar o novo governo e atentar contra a democracia”, caracteriza.
“As pessoas que estiveram em Brasília, foram, em sua maioria, financiadas”, avalia Débora, para quem é “essencial identificar e punir os grandes financiadores. Que incluem empresários, que usaram das suas redes sociais para convocar esses atos, garantindo inclusive ônibus, alimentação e estadia”.
Indícios
Segundo levantamento feito pela A Pública a partir de registros da Polícia Federal, a maioria dos ônibus que transportaram os golpistas para Brasília saíram do Paraná e de São Paulo. Um dos veículos apreendidos pelo STF é da empresa Nogueira Turismo, cujo dono é o empresário bolsonarista Maurício Nogueira Dias (Republicanos).
Dias disputou, sem sucesso, o cargo de deputado estadual em São Paulo na eleição de 2022. Em março do ano passado, o grupo Conservadores da Alta Mogiana, fundado por ele, organizou um congresso com a presença de Eduardo Bolsonaro, Carla Zambelli e Tarcísio de Freitas, entre outras figuras públicas aliadas do ex-presidente.
Desde domingo (8), parlamentares ruralistas têm se manifestado em defesa ou minimizando a ação golpista em Brasília. Entre eles, o deputado federal Ricardo Barros (PP) que, em entrevista à CNN, disse que o episódio foi, na verdade, culpa do ministro Alexandre de Moraes por, à frente do Tribunal Superior Eleitoral, supostamente não ter convencido a sociedade de que as urnas são confiáveis. “São brasileiros de cara limpa”, comentou sobre os golpistas que, em inúmeros vídeos, produziram provas contra si mesmos.
Policial rodoviário federal, defensor do garimpo ilegal e ferrenho bolsonarista, o deputado federal José Medeiros (PL) criticou em seu Twitter que há “órgão de imprensa vagabundo chamando povo cansado de sacanagem das instituições e da imprensa de terroristas” e ameaçou: “não se enganem ou baixa a bola ou vai piorar”.
“Não nos surpreende”, afirma Débora Nunes, a respeito de setores do agronegócio apoiando mobilizações golpistas. “Olhamos com preocupação, mas é a confirmação de algo que temos dito ao longo do tempo, a respeito dessa turma que tomou o Brasil no último período, de forma truculenta, violenta, se apropriando do Estado para seus interesses, sem nenhuma preocupação com o povo brasileiro”, opina.
País polarizado
“Muito tem se dito sobre o Brasil estar dividido. Pensamentos diversos e posicionamentos diferentes existem e devem ser respeitados, mas dentro dos limites da democracia. O que nós estamos vendo não é isso”, avalia Nunes.
“Em 2018 vivenciamos uma grande armação para prender o presidente Lula”, afirma a dirigente do MST. Naquele ano, aponta, “perdemos as eleições e mesmo acreditando que era uma grande fraude do ponto de vista da condução, das mentiras propagadas, mesmo apreensivos com o futuro do Brasil que já estava anunciado como seria o governo Bolsonaro, com a retirada de direitos, nós respeitamos o resultado das urnas”.
“Nosso grande lema foi ninguém solta a mão de ninguém, vamos seguir juntos e enfrentar esse período. E assim fizemos. Com muita mobilização e muita luta”, diz Débora. Agora, caracteriza, há uma polarização, mas “com traços fascistas e que precisa sim ser combatida”.
Rud Rafael lembra que desde 2020 setores totalitários pedem o retorno do Ato Institucional 5 (AI-5), o decreto mais repressivo da ditadura civil-militar, que contou com o apoio de grande parte do empresariado. “Eles não estão falando isso da boca para fora. É preciso levar a sério esse pessoal. Não são loucos. São um grupo ideologicamente articulado”, ressalta.
O desafio dos movimentos e da sociedade civil
Na visão do coordenador do MTST, “a sociedade brasileira precisa acordar e de uma vez por todas entender a gravidade do que a extrema direita, o fascismo bolsonarista, representa”.
“Não tem como tolerar mais esses grupos agindo da forma que têm agido. E não só agora. O bolsonarismo tem dobrado a aposta a cada vez que se sente ameaçado”, define. “Não é um grupo que está defendendo só um ator político. Está defendendo um projeto”, ressalta Rud Rafael.
“Um dos aprendizados que a gente tem que tirar de tudo isso para os movimentos”, avalia Rud, “é entender que a gente não vai vencer esse processo sem mobilização de rua”. Mas não só. “A gente precisa de enraizamento e de um processo permanente de organização”, completa.
Na avaliação de Débora, não cabem aos movimentos populares desmanchar acampamentos bolsonaristas ou “aceitar provocações”. Mas “defender a democracia, transmitir para a sociedade brasileira que nós temos instituições comprometidas com a sua defesa e que precisamos estar atentos, alertas, mas sobretudo”, afirma, “nessa perspectiva de construir e fortalecer organizações populares para que o povo brasileiro possa de fato ter seus direitos garantidos”.
*Edição: Thalita Pires/ Brasil de Fato