Orgânico
Comunidades do MST no PR avançam no cultivo de soja orgânica e livre de transgênico
Por Helena Cantão
Da Página do MST
Famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Paraná comprovam a viabilidade de cultivar soja livre de transgênicos e de agrotóxicos.
É o caso do assentamento 8 de Abril em Jardim Alegre, centro-oeste do Paraná. Atualmente, são 44,62 hectares de cultivo do grão livre de transgênico, sendo 8,38 ha destes de produção orgânica já certificada, com a expectativa de colheita de 3.123 sacas, aproximadamente 187.400 kg, para este ano.
A colheita tem venda certa: parte será transformada em ração orgânica para alimentar galinhas poedeiras da Cooperativa de Comercialização Camponesa do Vale do Ivaí (COCAVI), criada pelas famílias do assentamento e composta por 375 cooperados, de nove municípios da região; parte será vendida a empresas parceiras que também se dedicam à produção de ovos orgânicos; e o restante será comercializado na região.
“Por estarmos produzindo ovos orgânicos, a gente viu a necessidade de garantir a ração produzida por nós mesmos. Vai atender a nossa demanda”, Valdemar Batista, morador do assentamento e integrante da direção nacional do MST.
O camponês está entre o grupo de famílias que iniciaram a produção de soja orgânica em 2019, a partir do grupo Agroecologia Resistência Camponesa, formado por famílias da comunidade. Ele reforça a importância de garantir a cadeia de produção de alimentos saudáveis e livres de agrotóxicos
A nossa experiência vem dando certo e queremos ir melhorando e conseguindo ter sucesso na produção”, garante.
Atualmente, 30 sócios da cooperativa se dedicam à produção do grão.
Ao longo dos 25 anos de organização e trabalho, o latifúndio improdutivo se transformou em um espaço de produção abundante e diversificado. Formado por mais de 500 famílias, o assentamento também produz leite, hortifruti e panificados que abastecem escolas e entidades por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Em 2022, foram comercializados 13 mil kg de hortifrúti, distribuídos em 27 escolas de oito municípios e 15 entidades de sete municípios da região.
Avanço da produção em Boa Ventura de São Roque
A experiência de produção de soja no assentamento 8 de Abril, em Jardim Alegre incentivou outras famílias de áreas da reforma agrária a também se dedicarem ao cultivo do grão, que a utilizam como modelo de produção e comercialização.
No assentamento Novo Paraíso, em Boa Ventura de São Roque, três das 42 famílias da comunidade se uniram no desafio de plantar soja orgânica em seus lotes no ano passado. São três hectares de soja orgânica plantadas que, tomando de aprendizado a experiência de Jardim Alegre, plantaram direto na palhada, o que facilita o manejo.
A primeira colheita será realizada em março deste ano, com uma expectativa de 120 sacas de soja por alqueire que, assim como em Jardim Alegre, será destinada para a alimentação de galinhas poedeiras na produção de ovos orgânicos.
Carla Dalepiane, uma das produtoras da soja orgânica no assentamento e integrante da direção do MST, destaca que a produção do grão livre de transgênico e sem veneno mudou o olhar das famílias do assentamento sobre a produção orgânica:
Antes de começarmos a produzir a soja orgânica, o pessoal achava que a produção de orgânico era difícil, que produzia pouca coisa. Hoje as pessoas do assentamento conseguem ver que a produção orgânica também tem escala, não tem tanta dificuldade assim como pensavam e que conseguem produzir com o mesmo alcance de produção por alqueire com um custo menor”.
O lote da família de Carla, gerido por ela, a mãe e a irmã, produz também alimentos agroecológicos que abastecem o PAA da cidade. Carla conta que foi a produção de soja que “puxou” a certificação orgânica do lote e, consequentemente, dos demais alimentos que ali são produzidos.
Cuidados e desafios do preparo do solo à colheita
A produtividade da lavoura em Jardim e Boa Ventura do São Roque conta com a experiência de agrônomos do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR), para além de técnicos da própria COCAVI.
Para a camponesa Carla Dalepiane, o maior desafio para a produção da soja orgânica no assentamento é tecnológico. Atualmente, o manejo do cultivo é feito com roçadeira, porém existe maquinário que utiliza choque para conter o crescimento de ervas daninhas na lavoura, que facilitariam o manejo das áreas.
Quanto a questão de doenças, Carla reforça que na lavoura de seu lote, até agora, foi necessário apenas um tratamento feito com oxicloreto de cobre, técnica da agricultura orgânica para controlar o oídio, doença fúngica que acomete cultivos de soja.
Além de receberem assistência técnica em conjunto do IDR, também trocam experiências e se ajudam para superar os desafios que o novo plantio lhes traz. A expectativa é que mais famílias da comunidade se juntem às que já produzem o grão sem veneno.
O monitoramento começa antes da semeadura, com análise de solo e ações corretivas. Depois do plantio, a equipe técnica visita a lavoura pelo menos uma vez por semana para avaliar a densidade de pragas e aplicar medidas de controle, quando necessárias.
O plantio da soja orgânica de Jardim Alegre é feito sobre palhada e com adubação verde de cobertura, técnicas utilizadas no cultivo agroecológico. Por enquanto, a capina ainda é manual e o manejo integrado de insetos é feito através da técnica “pano de batida”, que consiste em colocar um pano perto da planta e “chacoalhá-la” para fazer com que os insetos que podem estar comprometendo seu crescimento caiam no pano e sejam identificados, juntamente com a aplicação de insumos seletivos, para preservar a biodiversidade.
O próximo passo das famílias do 8 de Abril será o cultivo de variedades do grão apropriadas para alimentação humana – variedades diferentes das usadas para ração animal. A cooperativa está se preparando para beneficiar e comercializar também estas variedades.
Centenário do Sul
Na região norte do estado do Paraná, o cultivo de soja livre de transgênico também iniciou no ano passado, ocupando 200 dos 13 mil hectares em que se encontram hoje assentamentos e acampamentos da reforma agrária.
A estratégia pensada pelas comunidades envolvidas na produção do grão é a organização da cadeia produtiva da soja: desde a produção de sementes, passando pela produção de grãos, até a posterior industrialização e comercialização.
Tal estratégia é essencial para a autossustentação e autonomia das famílias assentadas e, por isso, o fortalecimento da experiência, a construção de bases produtivas sólidas, nas quais os bioinsumos e as sementes são centrais, tem sido a perspectiva das famílias produtoras.
*Editado por Solange Engelmann