Educação Emancipadora
Anton Makarenko: Um educador do povo
Por Cecilia Luedemann
Da Página do MST*
O pedagogo soviético Anton Semionovich Makarenko (1 de março de 1888 – 1 de abril de 1939) merece ser lembrado como um camarada que construiu, junto com crianças, jovens e adultos, a escola como coletividade, uma escola viva, socialista, em que todos se auto-educavam, se instruíam, construíam ciência e cultura, se divertiam, se amavam, e trabalhavam para resolver os problemas do coletivo e da sociedade soviética. Lembremos de Anton, como um companheiro, um de nós, um lutador social, cuja trincheira era a educação.
Anton nasceu em Belapolie, província de Kharkov, Ucrânia, em uma família proletária, sofrendo com a exploração da Companhia Ferroviária, na qual seu pai trabalhava como pintor, sob a dominação do Império Russo. Nascido prematuro, passou a infância com muitos problemas de saúde, sinalizando aos pais que não poderia seguir a formação profissional como operário qualificado. A opção pela carreira de professor primário foi, para Anton, antes uma necessidade do que propriamente uma escolha.
A escola primária, de dois anos de duração, onde estudou com as crianças filhas de trabalhadores da ferrovia, será a mesma na qual será também no futuro o professor. Mas não seguirá o exemplo do professor-chefe, opressor, que persegue, discrimina, castiga e humilha as crianças. Será o professor-camarada, porque Anton cresceu em meio à comunidade proletária, na qual a solidariedade e o companheirismo eram a garantia da vida.
Ao concluir a escola primária, os pais de Anton o matricularam no curso complementar. Nesse período já havia sido fundado o Partido Operário Socialdemocrata Russo, de tendência marxista, e a revolucionária Nadezhda Krupskaia já havia escrito A mulher trabalhadora, levantando entre outras reivindicações, o direito universal à educação, contra o ensino discriminatório nas escolas paroquiais e a favor da educação pública. Em 1900, o pai Semion foi transferido para trabalhar como chefe de manutenção de pintura nas oficinas ferroviárias em Kriukov, terra natal da mãe, Tatiana, com 10 mil habitantes, próxima da cidade industrial de Krementchug e do rio Dnieper. Aos 12 anos, Anton estuda com os filhos dos funcionários públicos, artesãos e operários na Escola Urbana de Krementchug. Aprendeu Língua Russa, Aritmética, Geografia, História, Ciências Naturais, Física, Desenho, Canto, Ginástica e Catecismo, mas estava proibido de estudar a língua materna e estrangeira, a Lógica e a Filosofia, pois eram disciplinas destinadas aos filhos da elite que seguiriam para o curso superior.
Durante a adolescência de Anton, grandes acontecimentos históricos mudarão para sempre a sociedade na qual nascera: trabalhadores e trabalhadoras corajosamente desafiam o governo tsarista com uma grande manifestação de 1º de maio pela jornada de 8 horas de trabalho e por liberdades políticas. Sob perseguição da polícia tsarista, os trabalhadores e as trabalhadoras criam na clandestinidade os seus órgãos de participação política: os sovietes. E o Partido Operário Socialdemocrata se divide em duas correntes: os mencheviques, sob liderança de Martov, e os bolcheviques, com Lenin. Essas serão as principais referências para a formação dos estudantes e professores no processo revolucionário: as grandes manifestações de massas e a organização popular.
Em Krementchug, Anton consegue superar a limitação da escola sob dominação czarista ao descobrir as bibliotecas públicas e os debates políticos. Aos 14 anos, Anton tornara-se um autodidata, se apaixonando pela literatura de Pushkin, Gogol e Tchekhov, mas identificando-se com Máximo Gorki, como a maior referência da literatura revolucionária, de um escritor que veio das ruas, e que fala a linguagem do povo. Ao concluir seus estudos, aos 16 anos, segue para o curso de magistério de apenas um ano de duração, com habilitação para trabalhar como professor da Escola Primária das Oficinas Ferroviárias de Kriukov, enquanto os seus colegas encaminhavam-se para o curso técnico para operários da ferrovia e para a carreira militar.
Anton conclui o magistério em 1905, quando os trabalhadores e trabalhadoras fazem o primeiro ensaio da revolução. Junto com jovens educadores, Anton se organiza em círculos de leitura dos jornais revolucionários, como periódico bolchevique Novaia Jizn (Nova Vida), conhecendo melhor os textos de Máximo Gorki e de Vladimir Lenin. Com Gorki, aprenderá a amar o povo, a conhecer e respeitar seus alunos e alunas, e ajudá-los a superar coletivamente suas dificuldades. Já com Lenin, compreenderá o sentido do educador como intelectual orgânico, como militante com a tarefa de participar da construção da nova educação socialista. A formação de Anton tornou-se essencialmente leninista, cuja compreensão da educação socialista era a de formar os novos comandantes da sociedade socialista, uma sociedade sem exploração, na qual todos os trabalhadores e trabalhadoras possam comandar e ser comandados.
Anton seguiu seu trabalho como educador das escolas primárias ferroviárias, inicialmente como professor e depois como diretor, construindo na prática uma educação anti-tsarista, popular, junto aos educadores, educandos e comunidade. Mas apenas a partir da Revolução Russa de 1917, com a derrubada do tsarismo e do governo burguês, com a constituição do Estado Socialista Soviético, que a sua geração pode, enfim, romper todas as amarras da educação tsarista e burguesa, pois poderiam de fato criar as políticas públicas de Estado para a educação emancipadora, socialista.
A obra mais importante de Anton Makarenko, no entanto, não é apenas teórica, mas prática: a organização da escola como coletividade, conhecida como Colônia Gorki (1920-1928) e Comuna Dzerjinski (1927 -1935). Com a vitória da Revolução Socialista na Ucrânia, Anton foi chamado a assumir a direção de uma escola secundária e, em seguida, de uma colônia de ex-delinquentes adolescentes em um pequeno sítio em Poltava.
Ali Anton, seguindo as orientações gerais do Conselho do Comissariado do Povo para Instrução, sob direção de Nadejda Krupskaia e Anatoli Lunatcharski, procurou criar um sistema geral de educação no qual o objeto era a coletividade e não o indivíduo. Ao longo da construção da escola como coletividade, definiu as fases de desenvolvimento do coletivo, desde as fases de organização e de resolução dos problemas mais urgentes, como falta de alimentos, de vestimenta e de habitação adequada ao inverno rigoroso, de móveis, até as fases de avanço no sistema de ensino politécnico e do trabalho socialmente necessário.
Makarenko partiu do sentido social da educação para a formação da escola como coletividade, destruindo as antigas relações burguesas e construindo novas relações sociais de igualdade e responsabilidade coletiva. Na escola como coletividade, a chamada Escola Comuna, a criança vive plenamente a sua vida social e toma decisões políticas sobre ela. Na coletividade dirigida por Makarenko, a Colônia Gorki, presta homenagem dos educandos e educandas ao escritor que como eles, viveu a adolescência no desamparo das ruas, estabeleceu um novo plano de vida para os cidadãos e cidadãs sem família. Em poucos anos, se tornaram sujeitos da própria vida e comandantes da sociedade soviética, por conta de um sistema geral no qual a coletividade é organizada pela assembleia geral de educandos, pelo coletivo de educadores, e pelo conselho geral de comandantes, composto por representantes eleitos nos seus destacamentos. Cada destacamento era composto com no máximo dez educandos, o máximo de diversidade sexual, de origem regional, religiosa, de idade. Nesse núcleo básico de organização social da coletividade, os educandos resolviam todos os problemas menores e garantiam que todos fossem ouvidos e protegidos.
Por isso, rememorar a história de nosso querido camarada Anton, o educador do povo, é rememorar o compromisso com a educação emancipadora. Tomar para cada um de nós, nas trincheiras da educação popular, esse compromisso makarenkiano de formar hoje os comandantes da luta contra a exploração e construtores da sociedade futura, socialista. É um compromisso militante para que de fato se estabeleça entre educandos e educadores uma nova relação social, de camaradagem. Rememorar Makarenko é rememorar a face do coletivo organizado: “A pedagogia socialista deve centrar sua atenção na educação do coletivo e aí, sim, estará educando o novo caráter coletivista de cada criança em particular”, afirmou ele.
Fontes sobre a vida e obra do autor:
Livro: “Anton Makarenko – Vida e obra”, autora – Cecília da Silveira Luedemann. Editora Expressão Popular.
Site em homenagem ao centenário da Colônia Górki, com arquivos, fotos e documentários. Acesso aqui.
*Artigo publicado originalmente em 2021
**Editado por Solange Engelmann